terça-feira, 2 de agosto de 2022

 


“O futuro museu que Joana Vasconcelos deseja para si própria, uma coisinha modesta, para custar “entre 10 e 15 milhões de euros”.

 

OPINIÃO

Vejam o triste estado do museu Paula Rego – e aprendam

 

É fascinante ler hoje as notícias da inauguração da Casa das Histórias, que custou 5,3 milhões de euros, mais ou menos o valor que fazia agora falta para comprar os melhores quadros que já lá não estão. Vão-se os dedos, ficam os anéis.

 



João Miguel Tavares

2 de Agosto de 2022, 0:15

https://www.publico.pt/2022/08/02/opiniao/opiniao/vejam-triste-estado-museu-paula-rego-aprendam-2015829

 

Há dois meses, escrevi neste jornal um artigo contra a ideia absurda de ter as câmaras de Oeiras e de Lisboa alegadamente a disputar o futuro museu que Joana Vasconcelos deseja para si própria, uma coisinha modesta, para custar “entre 10 e 15 milhões de euros”. Escrevi “alegadamente” porque, entretanto, a Câmara de Oeiras informou-me que não estava a disputar coisíssima nenhuma, e tendo em conta a leveza com que em Lisboa Carlos Moedas se predispõe a construir estátuas e bustos ao primeiro que lhe bate à porta, o mais provável é que tudo não passe de um tour de force da própria artista para conseguir aquilo que ainda ninguém realmente lhe prometeu.

 

 

Público · Vejam o triste estado do museu Paula Rego — e aprendam

 

Seja como for, o ponto central mantém-se: pagar museus a artistas vivos com dinheiros públicos é uma ideia absurda. Admito que possa fazer algum sentido em pequenas cidades ou vilas, como forma de atrair turistas a locais onde a oferta cultural escasseia e tudo o que vem à rede é peixe, mas em lugares como Lisboa, Porto, Oeiras ou Cascais, onde a oferta abunda e há grandes museus num raio de 20 ou 30 quilómetros, esse tipo de investimento é um atentado ao erário público e fonte de eternas dores de cabeça. Enquanto os artistas estão vivos, os museus sujeitam-se às suas idiossincrasias, e quando morrem são obrigados a lidar com os seus herdeiros e com um património de milhões que a família não está obviamente disponível para ceder a título gratuito. Olhem bem para o que está a acontecer na Casa das Histórias, em Cascais, e perceberão aquilo que estou a dizer.

 

O Expresso conta o essencial num artigo intitulado Museu sem pinturas, no qual somos informados de que a única coisa que hoje resta no museu desenhado por Eduardo Souto de Moura são as gravuras e os desenhos doados pela artista. As 53 pinturas que existiam aquando da inauguração em 2009, e que se encontravam em regime de empréstimo – constituindo naturalmente a fatia mais importante e valiosa do seu património artístico –, foram desaparecendo aos poucos, até restar nada. Duas dessas pinturas, incluindo a emblemática O Anjo, foram vendidas pelos herdeiros à Gulbenkian, e as restantes estão à venda em Londres.

 

É fascinante ler hoje as notícias da inauguração da Casa das Histórias, que custou 5,3 milhões de euros, mais ou menos o valor que fazia agora falta para comprar os melhores quadros que já lá não estão. Vão-se os dedos, ficam os anéis. No artigo que o PÚBLICO escreveu sobre o evento de 2009, falava-se da nova casa, do museu Berardo e da fundação Ellipse (de João Rendeiro) – três histórias que acabaram muito mal, cada uma à sua maneira.

 

O curador e coleccionador Francisco Capelo explica porquê numa carta agora publicada no Expresso, mas escrita originalmente em 2020 e enviada a todas as entidades relevantes: “Como é habitual nestas iniciativas de criação de espaços museológicos (Vieira da Silva, Nadir Afonso, Cutileiro, entre outros), a construção do edifício e a sua posterior abertura ao público é feita sem se pensar na permanência de um acervo de obras de arte para lá do momento.” Capelo chama a isto “a atitude do ‘logo se vê’”, que “condena estes espaços a terem desde logo uma morte anunciada e perda a prazo da função para que foram expressamente criados”. Investe-se tudo no betão e na inauguração – até que um dia, vai-se a colecção. Continuar a construir Casas das Histórias é repetir a velha história da casa: estourar tudo no presente, sem a mínima noção de futuro.

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