“O futuro museu que Joana Vasconcelos deseja para si
própria, uma coisinha modesta, para custar “entre 10 e 15 milhões de euros”.
OPINIÃO
Vejam o triste estado do museu Paula Rego – e aprendam
É fascinante ler hoje as notícias da inauguração da Casa
das Histórias, que custou 5,3 milhões de euros, mais ou menos o valor que fazia
agora falta para comprar os melhores quadros que já lá não estão. Vão-se os
dedos, ficam os anéis.
João Miguel
Tavares
2 de Agosto de
2022, 0:15
Há dois meses,
escrevi neste jornal um artigo contra a ideia absurda de ter as câmaras de
Oeiras e de Lisboa alegadamente a disputar o futuro museu que Joana Vasconcelos
deseja para si própria, uma coisinha modesta, para custar “entre 10 e 15
milhões de euros”. Escrevi “alegadamente” porque, entretanto, a Câmara de
Oeiras informou-me que não estava a disputar coisíssima nenhuma, e tendo em
conta a leveza com que em Lisboa Carlos Moedas se predispõe a construir
estátuas e bustos ao primeiro que lhe bate à porta, o mais provável é que tudo
não passe de um tour de force da própria artista para conseguir aquilo que
ainda ninguém realmente lhe prometeu.
Público · Vejam o triste estado do museu Paula Rego — e
aprendam
Seja como for, o
ponto central mantém-se: pagar museus a artistas vivos com dinheiros públicos é
uma ideia absurda. Admito que possa fazer algum sentido em pequenas cidades ou
vilas, como forma de atrair turistas a locais onde a oferta cultural escasseia
e tudo o que vem à rede é peixe, mas em lugares como Lisboa, Porto, Oeiras ou
Cascais, onde a oferta abunda e há grandes museus num raio de 20 ou 30
quilómetros, esse tipo de investimento é um atentado ao erário público e fonte
de eternas dores de cabeça. Enquanto os artistas estão vivos, os museus
sujeitam-se às suas idiossincrasias, e quando morrem são obrigados a lidar com
os seus herdeiros e com um património de milhões que a família não está
obviamente disponível para ceder a título gratuito. Olhem bem para o que está a
acontecer na Casa das Histórias, em Cascais, e perceberão aquilo que estou a dizer.
O Expresso conta
o essencial num artigo intitulado Museu sem pinturas, no qual somos informados
de que a única coisa que hoje resta no museu desenhado por Eduardo Souto de
Moura são as gravuras e os desenhos doados pela artista. As 53 pinturas que existiam
aquando da inauguração em 2009, e que se encontravam em regime de empréstimo –
constituindo naturalmente a fatia mais importante e valiosa do seu património
artístico –, foram desaparecendo aos poucos, até restar nada. Duas dessas
pinturas, incluindo a emblemática O Anjo, foram vendidas pelos herdeiros à
Gulbenkian, e as restantes estão à venda em Londres.
É fascinante ler
hoje as notícias da inauguração da Casa das Histórias, que custou 5,3 milhões
de euros, mais ou menos o valor que fazia agora falta para comprar os melhores
quadros que já lá não estão. Vão-se os dedos, ficam os anéis. No artigo que o
PÚBLICO escreveu sobre o evento de 2009, falava-se da nova casa, do museu
Berardo e da fundação Ellipse (de João Rendeiro) – três histórias que acabaram
muito mal, cada uma à sua maneira.
O curador e
coleccionador Francisco Capelo explica porquê numa carta agora publicada no
Expresso, mas escrita originalmente em 2020 e enviada a todas as entidades
relevantes: “Como é habitual nestas iniciativas de criação de espaços
museológicos (Vieira da Silva, Nadir Afonso, Cutileiro, entre outros), a
construção do edifício e a sua posterior abertura ao público é feita sem se
pensar na permanência de um acervo de obras de arte para lá do momento.” Capelo
chama a isto “a atitude do ‘logo se vê’”, que “condena estes espaços a terem
desde logo uma morte anunciada e perda a prazo da função para que foram
expressamente criados”. Investe-se tudo no betão e na inauguração – até que um
dia, vai-se a colecção. Continuar a construir Casas das Histórias é repetir a
velha história da casa: estourar tudo no presente, sem a mínima noção de
futuro.
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