Bom Artigo.
Finalmente ... e mais surgirão
... começam-se a fazer as perguntas necessárias e a exigir a
reflexão crítica, mais ponderada, e menos demagógicamente dependente de transes emocionais e ideológicos, sobre uma questão tão complexa e determinante
para o futuro da Europa .
OVOODOCORVO
Refugiados:
uma solução para o problema demográfico da Europa?
JOSÉ PEDRO TEIXEIRA
FERNANDES 11/09/2015 - PÚBLICO
O
livro de Paul Collier deve ser visto como um contributo relevante
para (re)pensar, de forma abrangente, o impacto das migrações em
massa nas sociedades de acolhimento.
1. A Alemanha tem
surpreendido os europeus. As suas posições generosas, de abertura
de fronteiras, contrastam com as reticências ou entraves colocados
por muitos outros Estados da União Europeia.
A chanceler alemã,
Angela Merkel, afirmou publicamente que espera receber, até ao final
deste ano, 800 mil pedidos de asilo. Mais recentemente, o
vice-chanceler e líder do SPD, Sigmar Gabriel, referiu, por sua vez,
estar convicto que o seu o país teria capacidade para acolher cerca
de 500 mil pessoas durante vários anos. Várias explicações têm
sido avançadas para esta generosa política de acolhimento. A
melhoria da imagem internacional da Alemanha, a qual foi seriamente
afectada durante a crise da Zona Euro, é uma das mais referidas.
Outra explicação, frequentemente apontada, sugere, mais
pragmaticamente, razões económicas e demográficas. Podemos
encontrá-la, por exemplo, neste artigo da Euronews, “Alemanha: A
necessidade por detrás da solidariedade” (7/09/205), . Este
explica assim as razões do governo alemão: “Por detrás desta
onda de solidariedade estão também motivos económicos e
demográficos. A primeira economia da Europa, com uma taxa de
desemprego de apenas 6,4% e uma população a envelhecer, precisa
desta mão-de-obra e vai precisar mais ainda dentro de alguns anos.
Os empresários alemães pedem um acesso rápido e simples destas
pessoas ao mercado de trabalho. Com 670.000 nascimentos contra
870.000 óbitos por ano, a população alemã tem dificuldade em
renovar-se. A taxa de fertilidade é muito baixa, apenas de 1,36 por
cada mulher em idade fértil. [...] As iniciativas locais para
recrutar estrangeiros multiplicam-se. Por enquanto, a lei exige que,
antes de se dar emprego a um refugiado ou imigrante, haja uma prova
de que nenhum candidato alemão é indicado para aquele posto de
trabalho. Uma lei que pode ter os dias contados.” Deixando de lado
a questão da imagem, importa reflectir neste último argumento. Como
é bem conhecido, não é só a Alemanha que tem um problema
demográfico, mas a generalidade da Europa, Portugal incluído. A
baixa natalidade tem consequências a vários níveis, desde o
mercado de trabalho à sustentabilidade da segurança social. Pode
ser esta a solução — ou, pelo menos, ser uma contribuição
significativa —, para o problema demográfico, com as suas
implicações económicas e de sustentabilidade de um generoso
welfare state, ou seja, do chamado modelo social europeu?
2. Para a discussão
desta problemática vamos usar essencialmente o trabalho de Paul
Collier, "Exodus — Immigration and Multiculturalism in 21st
Century”, Allen Lane, 2013 / Êxodo — Imigração e
Multiculturalismo no Século XXI. (Usamos a edição digital em
formato epub, pelo que não indicamos as páginas citadas, apenas os
capítulos e / ou títulos onde se inserem). O autor é um economista
ligado à Universidade de Oxford, que já foi, também, quadro do
Banco Mundial. O seu livro tem sido considerado um dos mais
relevantes trabalhos publicados nos últimos anos, sobre um tema tão
sensível politicamente e do ponto de vista humano. No capítulo 4,
dedicado aos aspectos económicos da migração, este começa por
abordar a já referida necessidade de mais população jovem para
suportar o mercado de trabalho e os sistemas de segurança social. A
análise de Paul Collier questiona os fundamentos desta argumentação
intuitiva, que parece irrefutável, pelo menos à primeira vista.
Importa, por isso, ver melhor quais as bases concretas em que a ideia
é questionada. Um primeiro aspecto que este analisa é o do impacto
nos beneficiários já existentes das prestações do Estado social.
Nas sociedades de acolhimento esse impacto ocorre sobretudo na camada
média-baixa e baixa da população. Aqui, Paul Collier faz notar o
seguinte: “Potencialmente, o efeito mais importante é que os
migrantes que chegam pobres e com famílias, competem com as
populações autóctones pobres pela habitação social. Porque
tendem a ser mais pobres e a ter famílias maiores que a população
autóctone, têm necessidades atipicamente elevadas". Um segundo
aspecto analisado é sobre a relação que se pode estabelecer entre
as populações acolhidas e a sustentabilidade demográfica do Estado
social. Paul Collier mostra cepticismo quanto facto de poderem ser
uma solução fácil para esse problema. Um argumento usual
“especialmente na Europa, é a demografia. É a noção de que
precisamos da “migração porque estamos a envelhecer.‘ [...] No
entanto, o simples facto de uma sociedade estar a envelhecer não é
necessariamente uma razão para precisar de mais trabalhadores. […]
Este sugere que a solução passa, essencialmente, por ligar a idade
de reforma ao aumento da esperança média de vida, algo em que os
governos europeus têm mostrado incapacidade em fazer. “Dada a
inépcia dos governos na fixação da idade da reforma, por que não
salvarmo-nos com alguma migração jovem?”, interroga-se. A razão,
acrescenta em seguida, é que essa estratégia seria insustentável,
pois, um “influxo de migrantes em idade de trabalho, apenas dá à
sociedade um alívio fiscal temporário, enquanto que o aumento da
esperança de vida é um processo contínuo.”
3. Ainda sobre a
relação entre os migrantes, a economia e o Estado social, o
problema mais delicado discutido por Paul Collier tem a ver com o
impacto global do acolhimento, incluindo o reagrupamento familiar,
numa perspectiva de médio e longo prazo. “O argumento demográfico
pressupõe que os migrantes reduzam a relação entre dependentes e
trabalhadores: sendo jovens, estão na idade da força de trabalho.
Assim, equilibram a expansão do número de reformados na população
autóctone. Mas os migrantes que trabalham têm também filhos e
pais. [...]” Até que se ajustem ao padrão das sociedades de
acolhimento, “os migrantes de sociedades de baixo rendimento tendem
a ter um número desproporcionalmente elevado de filhos”. Como faz
notar em seguida, se “trazem os ascendentes e seus dependentes para
o país de acolhimento, isso depende, em grande parte, da política
de migratória". Tendo em conta essa possibilidade — ou seja,
o reagrupamento familiar —, a experiência existente mostra que
“não existe uma presunção de que, ainda que temporariamente,
possam reduzir a relação de dependência”. Quer dizer, "os
migrantes trazem não só o capital humano gerado nas suas próprias
sociedades; trazem também os códigos morais das suas próprias
sociedades", com todas as implicações, positivas, negativas ou
neutras que daí resultam. Um outro aspecto relevante da análise de
Paul Collier incide sobre a tensão entre os interesses das empresas,
especialmente das grandes empresas, e o resto da sociedade nesta
matéria. “Quase todas as semanas”, diz este,” vejo cartas nos
jornais assinadas por alguns CEO fulminando contra as restrições em
matéria de migração.” Como este chama à atenção,
frequentemente isso ocorre por interesses empresariais de curto
prazo. A coberto da retórica (neo)liberal da competitividade evitam
pagar salários mais elevados, ou pressionam a sua redução e / ou
eliminam custos de formação. Por outras palavras, as empresas que
actuam assim retiram as vantagens de uma mão-de-obra mais barata,
fragilizada e sem reivindicações sindicais, ou eventualmente já
formada. Paralelamente, externalizam os custos de longo prazo, de não
emprego dos autóctones e / ou de acolhimento e integração dos
migrantes — infra-estruturas sociais, prestações sociais,
reagrupamento familiar, etc. —, para a sociedade no seu todo. É,
por isso, do interesse da população autóctone “forçar as
empresas que pretendem beneficiar do modelo social do país, a
treinarem a sua juventude e contratarem os seus trabalhadores. As
suas afirmações portentosas são apenas variantes pálidas do
grandiloquente o que é bom para a General Motors é bom para o
país.”
4. Que pensar de
tudo isto? Serão estas ideias transponíveis para o actual fluxo de
refugiados para a Europa? Estamos a lidar com uma situação
essencialmente diferente? Mais do que qualquer conclusão simplista,
ou ideias definitivas sobre o assunto, o livro de Paul Collier deve
ser visto como um contributo relevante para (re)pensar, de forma
abrangente, o impacto das migrações em massa nas sociedades de
acolhimento. Quanto ao caso português, é atípico devido aos até
agora escassos fluxos migratórios para o país. Muitas das ideias
aqui discutidas são mais relevantes para uma análise geral a nível
europeu, bem como para uma visão comparativa. Importa ainda
sublinhar que o termo migrante, quando usado em sentido lato, como é
feito neste artigo, abrange duas realidades diferenciadas. Uma é a
dos que fogem de países devastados pela guerra, como a Síria,
susceptíveis de serem apropriadamente qualificados como refugiados,
quer face à Convenção das Nações Unidas de 1951 e ao seu
Protocolo adicional de 1967, quer face à legislação da União
Europeia e dos Estados-membros. Outra situação é a das pessoas que
estão à procura de uma vida melhor e de emprego, que mais
rigorosamente são migrantes económicos (imigrantes). Em qualquer
política adequada é necessário separá-las, o que apresenta
dificuldades práticas, sendo a mais óbvia a dos que chegam sem
documentos. Por último, uma boa sociedade, uma sociedade aberta e
humanista, não pode ficar indiferente à tragédia que está a
ocorrer às suas portas, no Sul e Leste do Mediterrâneo e já
transbordou para o seu interior. Mas a compaixão, a solidariedade e
vontade de ajuda não devem obscurecer a complexidade do problema,
quando se se trata de tomar decisões políticas a nível de Estado,
ou da União Europeia. É necessário balancear as múltiplas de
facetas da questão, que vão para além do imediatismo e do nobre
impulso da entreajuda humana. Estamos a assistir ao início de um
processo histórico que poderá ter muitas consequências, próximas
ou diferidas no tempo. Se a vida dos refugiados está em jogo — e
urge actuar —, também, num outro plano, para os já desfavorecidos
nas sociedades de acolhimento, o Estado social e os modos de vida das
gerações actuais futuras, os impactos podem ser grandes. Nenhumas
destas dimensões deve ser subestimada.
Investigador
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