Que parvos que nós somos!?!
Por António Sérgio Rosa de Carvalho in Publico
O terrível e inibidor efeito psicológico de uma herança paternalista continua visível na nossa incapacidade de discernimento crítico e exigência individual.
Depois de um período de irresponsável orgia especulativa, que eu classificaria como anarco/capitalista e consequência de um ultraliberalismo alienado dos fundamentos éticos e da responsabilidade filosófica do liberalismo de Locke, Hume, Smith e Stuart Mill, acordámos de um torpor irrealista para um pesadelo, onde finalmente nos são pedidas contas e exigidas responsabilidades.
Perdemos portanto credibilidade e a Europa observa-nos.
Mas ela também nos observa, perante o prestígio da nossa História anterior ao Iluminismo, como nação europeia, através do estado do nosso património, da qualidade de vivência nas nossas cidades e avalia o nosso grau de rigor cultural através do seu estado de conservação e autenticidade do seu restauro.
Ora, o estado da cidade de Lisboa nesta perspectiva é vergonhoso, tal chaga aberta, contribuindo diariamente para o nosso desprestígio e em termos de credibilidade comparável a uma exibição permanente das dolorosas imagens, caricaturais e estereotipadas (para não dizer insultuosas) do filme Love Actually.
Também o ciclo migratório, fuga para o exterior e verdadeira "sangria" enfranquecedora se restabeleceu, e agora ele é composto precisamente pela geração que deveria construir o Portugal do futuro.
Os que ficam, ficam reduzidos a um novo torpor medíocre e condenados a um novo ciclo de dependência (literalmente em casa dos pais) com todas as inerentes e inibidoras consequências psicológicas, e respectivos efeitos na auto-estima e capacidade de iniciativa e empreendimento.
Ora, é portanto curioso verificar que são precisamente alguns destes jovens da "geração Deolinda" que obtêm há vários anos, de forma consecutiva, o prémio para Lisboa dos três melhores "hostels" do mundo.
Eu próprio tive o prazer de os conhecer anteriormente através de uma série de reportagens desenvolvidas na blogosfera, onde se encontra também muita e válida gente desta geração.
E aqui estamos a falar de uma área estratégica importantíssima para a cidade de Lisboa : o turismo.
A misteriosa incompetência e inoperância deste executivo camarário na fundamental área da reabilitação urbana tem provocado tamanha avalanche de palavras e exemplos na blogosfera que se tornou quase desnecessário referi-la. Acima de tudo porque o resultado está bem patente no estado da cidade e da forma como ele é comentado progressivamente em artigos da imprensa internacional (The Guardian, El Pais, etc.).
Teremos então que esperar mais 15 anos até esta "geração Deolinda" volte a Portugal, estimulada, criativa e liberta da "canga" do derrotismo e passividade e comece a actuar e a exigir da classe política os resultados prometidos quando da sua eleição?
Não! O futuro do prestígio, da credibilidade, da atractibilidade futura da cidade de Lisboa está a decidir-se agora, em cada decisão do executivo.
E, de repente, a mais estranha ideia surge-me.
Talvez, in extremis, só nos reste organizar através de um movimento cívico uma colecta a fim de financiar uma Grand Tour iluminista e iluminadora para António Costa e Manuel Salgado se deslocarem às capitais europeias para "apre(e)nderem" algo e se consciencializarem do momento único e decisivo que a cidade de Lisboa vive!
De qualquer maneira, parece-me mais efectivo e menos demagógico do que deslocar a sede de actividades camarárias para o Largo do Intendente. Ou pensam que nós somos parvos?
Historiador de Arquitectura
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