08 julho 2024 às 21h33
Lucília
Gago: "A avaliação do primeiro-ministro é pessoal e política. Não cabe ao
MP fazer"
Procuradora-Geral
da República reconhece que antevia uma “reação forte” quando elaborou o último
parágrafo do comunicado emitido a 7 de novembro.
David Pereira
Lucília Gago: "A avaliação do primeiro-ministro é
pessoal e política. Não cabe ao MP fazer"
Lucília Gago afirmou esta segunda-feira em entrevista à RTP
que não se sente responsável pela demissão de António Costa do cargo de
primeiro-ministro, mas reconhece que antevia uma “reação forte” quando elaborou
o último parágrafo do comunicado da Procuradoria Geral da República emitido a 7
de novembro.
“Quando o parágrafo foi construído é evidente que se antevê
que possa haver uma reação forte. A avaliação do primeiro-ministro é pessoal e
política. Não cabe ao Ministério Público fazer. O Ministério Público fez o seu
trabalho e não tem que se preocupar com as consequências que daí advêm. Pela
Europa fora há governantes que em situações idênticas não se demitem”, afirmou,
dando os exemplos de Ursula Von der Leyen e Pedro Sanchez.
“Nada dizia que o primeiro-ministro estava indiciado. O
magistrado que ouviu o primeiro-ministro entendeu que não havia indícios e não
o constituiu como arguido, mas o inquérito ainda decorre”, prosseguiu a
Procuradora-Geral da República, que assumiu a responsabilidade pela elaboração
do parágrafo.
“Foi concebido por mim e pelo gabinete de imprensa. É da
minha inteira responsabilidade a sua inclusão e divulgação. Considerei na
altura que não era compreensível uma omissão. Houve buscas na residência
oficial do primeiro-ministro. Considerar-se-ia que estaria a protege-lo”,
acrescentou, numa entrevista agendada antes de requerimento parlamentar para a
sua audição.
Lucília Gago explicou que “a mera alusão à prática de um
crime obriga o Ministério Público à instauração de inquérito” e que algumas
afirmações deram a entender que “poderia haver prática de ilícitos”, tendo
rejeitado a ideia de que deveria ter um “cuidado acrescido neste caso em
particular”. “Não se pode dizer que todos os cidadãos são iguais e depois
dispensarmos um tratamento diferenciado para o primeiro-ministro”, argumentou.
A procuradora confirmou que o encontro que teve com o
Presidente da República na manhã de 7 de novembro foi a pedido de Marcelo
Rebelo de Sousa, mas rejeitou que o chefe de Estado tenha tido influência na
redação do comunicado: Não foi divulgado antes dessa audiência porque havia uma
detenção a consumar.”
A magistrada rejeitou a ideia de “golpe de Estado” e
considera “completamente descontextualizada” a referência, não sentido
necessidade de pedir desculpa ou de assumir o erro caso não se prove o
envolvimento do primeiro-ministro no caso conhecido por Operação Influencer.
“Há uma investigação como tantas outras, e haverá um arquivamento se for o
caso”, vincou.
Lucília Gago justificou a ausência de entrevistas por
considerar que a “discrição é sempre melhor que o espalhafato”. “Nunca tive o
culto da imagem e não preciso de popularidade nem estrelato. Tudo o que
procurei fazer foi numa lógica de isenção e retidão para dar um contributo útil
para o Ministério Público”, explicou, realçando que durante o seu mandato foi
“duplicado o número de elementos de assessoria de imprensa” da PGR.
Acerca do caso de corrupção da Madeira, confessou não achar
“normal” três detidos terem ficado detidos durante três semanas sem definição
das medidas de coação e lamentou que isso tenha acontecido. “Não foi obra fácil
apresentar despacho para que magistrado apresentasse a sua decisão”, explicou.
Lucília Gago reconheceu que a imagem da Justiça “sai muito
fragilizada”, mas afirmou que a greve dos oficiais de Justiça não ajudou ao
andamento do processo. “Há cidadãos que são detidos em flagrante detido e não
podem ser ouvidos devido à greve”, acrescentou.
Sobre a recente entrevista da ministra da Justiça, que falou
na necessidade de “arrumar a casa” no Ministério Público, Lucília Gago
considerou as “declarações indecifráveis e graves”, porque “disse que o
diagnóstico está feito, mas não disse qual”. A procuradora disse que essas
“declarações imputam ao ministério da Justiça tudo o que de mau acontece na
Justiça”, o que refuta.
A magistrada revelou ainda que “nunca” ponderou demitir-se,
pois encara o seu mandato “como sendo um mandato que leva um cunho de rigor,
objetividade e isenção” e alega existir contra si “uma campanha orquestrada por
pessoas que têm ou tiveram responsabilidades de relevo na nação”.
Lucília Gago negou que não vá de bom grado à Assembleia da
República e que tenha pedido qualquer adiamento da audição que foi requerida.
No final da entrevista à RTP, reconheceu também que “não é
comum” que João Galamba tenha estado quatro anos sob escuta.
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