EDITORIAL
Portugal nu, ao espelho
De vez em quando, temos a oportunidade de publicar um
conjunto de dados, a análise de uma área, que reflecte o país nu perante as
suas insuficiências.
David Pontes
12 de Janeiro de
2024, 21:14
https://www.publico.pt/2024/01/12/opiniao/editorial/portugal-nu-espelho-2076693
Já tivemos o
ciclo do Brasil, o ciclo dos Estados Unidos, o ciclo da França, o ciclo de
Inglaterra e agora devemos estar no ciclo do Norte da Europa. Falamos de
emigração, de momentos históricos diferentes, de motivações e anseios
necessariamente diferentes, mas do mesmo ponto de partida, o círculo vicioso de
um país que não chega para os seus.
Alimentamos o
nosso ciclo noticioso com o último caso político, com a última reivindicação
corporativa, com os últimos dados de carência de um determinado sector, com
tudo aquilo que compõe o ambiente e dá o retrato de um país. Mas, de vez em
quando, temos a oportunidade de publicar um conjunto de dados, a análise de uma
área, que reflecte o país nu perante as suas insuficiências e limitações de
gerações e não só à luz da última polémica.
Foi isso que
aconteceu com os números do Atlas da Emigração Portuguesa, que nos dizem que,
em proporção da população, Portugal é o país da Europa com mais emigração e o
8.º em todo o mundo. Que nos últimos 20 anos mais de 1,5 milhões, perto de 15%
da população, emigraram e entre estes estão mais de um quarto das pessoas
nascidas em Portugal que têm entre 15 e 39 anos. A tal “geração mais bem
preparada de sempre”, o potencial motor de desenvolvimento do país e da
renovação demográfica.
Há um olhar sobre
estes números que não nos deve atormentar. Hoje emigrar não tem o mesmo peso da
ausência e da distância que teve no passado e a globalização e o esbater de
fronteiras são tendências naturais. Há até uma parte disto que nos pode
orgulhar, como um povo que tem capacidade de mudar, de arriscar e de ir à
procura de melhor vida.
Mas seria absurdo
não nos inquietarmos quando os números são da dimensão daqueles que foram
revelados e representam a falta de oportunidades, ou as limitações das que
existem, num país em que imperam os baixos salários, uma péssima gestão da
relação entre o trabalho e a família e, para juntar mais um problema
transversal, um gigantesco problema de habitação.
Dentro de
momentos, seguir-se-á a discussão de saber se a culpa é do “tempo do Passos” ou
do “tempo do Costa”, mas aquilo em que nos devemos empenhar, como sociedade, é
saber o que queremos que venham a ser os tempos que aí vêm. Com uma eleição
legislativa pela frente, temos uma oportunidade de excelência para exigir aos
nossos possíveis representantes que se ocupem menos do passa-culpas e dos
epifenómenos mediáticos e mais de nos darem perspectivas a longo prazo do que
tencionam fazer para contrariar isto. Para não desperdiçarmos o nosso tempo e o
nosso voto da mesma forma que parecemos estar a desperdiçar uma geração.
tp.ocilbup@setnop.divad
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