FRANÇA
Em França, os portugueses “só estão protegidos pelo
pára-raios magrebino”
França voltou a ser palco de protestos violentos, após um
jovem ter sido morto pela polícia. O PÚBLICO falou com Carlos Pereira,
jornalista que acompanha a comunidade portuguesa no país.
Carolina Amado
30 de Junho de
2023, 20:26
Carros queimados,
montras partidas, polícias e civis feridos. Várias cidades francesas voltaram a
ser assoladas por protestos violentos, após a morte, na terça-feira, de um
jovem de 17 anos baleado por um agente da polícia.
Nahel, residente
em Nanterre, nos subúrbios de Paris, e de ascendência magrebina, foi mandado
parar numa operação policial sob suspeita de infrações de trânsito, mas tentou
abandonar o local. Acabou morto a tiro. O momento foi filmado, o vídeo foi
divulgado nas redes sociais, e reacendeu o debate sobre racismo e violência
policial em França, levando dezenas de milhares de manifestantes para as ruas.
Para conhecer a
perspectiva dos portugueses em França, o PÚBLICO ouviu Carlos Pereira, jornalista
e director do LusoJornal, a viver no país há quatro décadas, e que acompanha e
integra a comunidade lusa.
O que está a
acontecer em França?
Os jovens estão a
reagir a uma postura da polícia que consideram demasiado agressiva em relação a
quem vive nos subúrbios das grandes cidades — neste caso, de Paris. As redes
sociais transmitiram o vídeo de uma morte quase em directo e o impacto foi
enorme.
Nanterre é uma
grande cidade junto à capital, onde o presidente da câmara [Patrick Jarry, do
Partido Comunista Francês] valoriza muito a interculturalidade e tem estado na
linha da frente a manifestar o seu apoio e solidariedade à família de Nahel.
Mas também tem apelado aos jovens para que mantenham a calma.
A morte de Nahel
é sinal de racismo e xenofobia em França, como denunciam os manifestantes?
O assunto é
complexo. Há outra vertente muito importante a ter em conta: a bipolarização do
debate político. De um lado, a direita e a extrema-direita afirmam que os
polícias estão a defender a segurança do país, e se recorrem à força é porque é
necessária. Do outro, a esquerda e a esquerda radical dizem que os polícias
matam. E o discurso da população é reflexo dos discursos da classe política. Já
o sindicato dos agentes das forças de segurança defende que há uma pressão
enorme sobre os polícias, que não têm formação suficiente e que são poucos.
Mas viver em
certos subúrbios de Paris, como este onde tudo aconteceu, pode ser, por si só,
uma forma de discriminação. Há bairros degradados, sem os serviços necessários,
e demolir esses prédios não resolve problemas.
Como é que a
comunidade portuguesa se posiciona face ao tema? Ainda é uma comunidade
discriminada?
Lembro-me muito
de uma expressão do sociólogo Albano Cordeiro, que continua actual: os
portugueses só estão protegidos pelo pára-raios magrebino. Tudo o que acontece
de mal é atribuído aos magrebinos. Por exemplo, um dos terroristas do ataque ao
Bataclan, em 2015, tinha mãe portuguesa e pai argelino. Ninguém falava da
origem portuguesa.
A comunidade
portuguesa já não é discriminada como era há algumas décadas, o preconceito não
é o mesmo. Há partidos anti-imigração que hoje dão os portugueses como exemplo,
usam uma comunidade migrante contra a outra. E muitos dos portugueses em
França, que foram saindo dos bairros de lata, identificam-se mais com quem faz
essa separação e diz que somos "os melhores imigrantes, os que se portam
melhor" — comentários que geralmente partem da extrema-direita. O passado
fica esquecido. Sim, os portugueses conseguiram sair desses bairros, mas alguém
teve de lá ficar.
A violência das
manifestações em França mostra uma sociedade a chegar ao seu limite?
Ser
revolucionário está na cultura francesa. Não é por acaso que aconteceu aqui a
revolução de 1792, o Maio de 1968, o movimento dos coletes amarelos. As pessoas
acreditam no poder da greve, do protesto, sempre organizados por sindicatos.
Para quem estava
habituado a essa organização, depois de ver que as manifestações contra o
aumento da idade da reforma, afinal, não geraram nenhuma mudança, as reacções
podem ser várias: como uma mudança de intenção de voto para os extremos; ou
maior agressividade: incendiar, partir. Há muita gente saturada, e não vamos
perceber isso pelo rebentar de um barril de pólvora, mas pelo avanço da
extrema-direita na Europa.
FRANCE
In France, the Portuguese "are only
protected by the Maghrebi lightning rod."
France has again been the scene of violent protests
after a young man was killed by police. PÚBLICO spoke with Carlos Pereira, a
journalist who follows the Portuguese community in the country.
Carolina Amado
30 June 2023,
20:26
Cars
burned, windows broken, police and civilians injured. Several French cities
have again been plagued by violent protests following the death on Tuesday of a
17-year-old man shot by a police officer.
Nahel, a
resident of Nanterre in the suburbs of Paris and of Maghrebi descent, was
stopped in a police operation on suspicion of traffic offences but tried to
leave the scene. He was shot dead. The moment was filmed, the video was
released on social media, and it reignited the debate over racism and police
violence in France, bringing tens of thousands of protesters to the streets.
To get to
know the perspective of the Portuguese in France, PÚBLICO listened to Carlos
Pereira, journalist and director of LusoJornal, living in the country for four
decades, and who accompanies and integrates the Portuguese community.
What is
happening in France?
Young
people are reacting to a police stance they see as too aggressive towards those
who live in the suburbs of big cities — in this case, Paris. Social media
streamed the video of a death almost live and the impact was enormous.
Nanterre is
a big city next to the capital, where the mayor [Patrick Jarry of the French
Communist Party] highly values interculturality and has been at the forefront
of expressing his support and solidarity with Nahel's family. But he has also
appealed to young people to remain calm.
Is Nahel's
death a sign of racism and xenophobia in France, as the protesters denounce?
The subject
is complex. There is another very important aspect to take into account: the
bipolarization of the political debate. On the one hand, the right and the far
right claim that the police are defending the security of the country, and if
they resort to force it is because it is necessary. On the other, the radical
left and left say cops kill. And the discourse of the population is a
reflection of the discourses of the political class. The union of security
forces officers argues that there is enormous pressure on the police, who do
not have enough training and who are few.
But living
in certain suburbs of Paris, like this one where it all happened, can in itself
be a form of discrimination. There are slums, without the necessary services,
and demolishing these buildings does not solve problems.
How does
the Portuguese community position itself on the issue? Is it still a
discriminated community?
I remember
very much an expression of the sociologist Albano Cordeiro, which is still
current: the Portuguese are only protected by the Maghrebi lightning rod.
Everything that happens bad is attributed to the Maghrebs. For example, one of
the terrorists in the 2015 Bataclan attack had a Portuguese mother and an
Algerian father. No one spoke of the Portuguese origin.
The
Portuguese community is no longer discriminated against as it was a few decades
ago, prejudice is not the same. There are anti-immigration parties that today
give the Portuguese as an example, use one migrant community against another.
And many of the Portuguese in France, who have been leaving the slums, identify
more with those who make this separation and say that we are "the best
immigrants, the ones who behave better" – comments that usually come from
the far right. The past is forgotten. Yes, the Portuguese managed to get out of
these neighborhoods, but someone had to stay there.
Does the
violence of the demonstrations in France show a society reaching its limit?
Being
revolutionary is in French culture. It is no coincidence that the revolution of
1792, the May of 1968, the yellow vest movement, happened here. People believe
in the power of the strike, of the protest, always organized by unions.
For those
who were accustomed to this organization, after seeing that the demonstrations
against the increase of the retirement age, after all, did not generate any
change, the reactions can be several: as a change of voting intention to the
extremes; or greater aggressiveness: setting fire, leaving. There are a lot of
saturated people, and we will not realize this by the bursting of a powder keg,
but by the advance of the far right in Europe.
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