“Dizem os jornais que, segundo o SEF, se espera legalizar
de imediato perto de 150.000 imigrantes. E receber outros tantos nos próximos
dois anos. A verificarem-se estas previsões, serão os mais elevados
contingentes de imigrantes jamais chegados a Portugal. Descobrem-se novas
fileiras de imigração especialmente usadas por mulheres à beira de dar à luz e
outras situações a configurar emergência médica. Não se conhecem progressos nas
numerosas situações de imigrantes alojados em condições precárias e malsãs
junto às culturas forçadas e às agriculturas hiperintensivas. As questões
raciais e os incidentes envolvendo problemas de imigração, de minorias e de
estrangeiros ocupam cada vez mais a atenção e as preocupações.
A imigração, em
Portugal, faz-se sem política e sem escolhas. E sem respostas às questões
difíceis. Há recursos humanos, de equipamento e de capital, para abrir as
portas? Há cidades e habitação decente à altura? A economia necessita desta
mão-de-obra? Haverá emprego suficiente para os residentes e para os novos
imigrantes? Estão preparados os serviços sociais, as escolas, os hospitais, a
habitação e os transportes para estes novos fluxos de população? Alguma vez
estas políticas foram sufragadas pelo eleitorado e aprovadas pelo Parlamento?”
António Barreto / Público / https://www.publico.pt/2023/03/11/opiniao/opiniao/imigrantes-politicas-3-2042002
“A política dita “de porta aberta”, de acolhimento de
quem vem, de tolerância com a ilegalidade, é um estímulo às piores condições de
imigração. Por exemplo, às redes de tráfico de trabalhadores, uma espécie de
negreiros, que, dos confins da Ásia ao Próximo Oriente e do Mediterrâneo a
África, organizam os fluxos, incluindo salva-vidas deficientes, mudanças de
barcos e de aviões, alternância de autocarros e outros meios de transporte.
Esta gente deveria ser perseguida. Os preços de uma passagem para qualquer país
da Europa podem oscilar entre três e 30 mil euros. Os acidentes, os naufrágios
e as mortes acidentais fazem parte da pressão exercida sobre os países de
acolhimento para que, por motivos humanitários, recebam toda a gente,
especialmente mulheres, crianças, idosos e parturientes. Pior ainda: os
acidentes estimulam o negócio.
Quaisquer que sejam os argumentos, das necessidades de
mão-de-obra à humanidade, uma coisa é certa: as práticas seguidas actualmente
por Portugal são incentivos à clandestinidade, ao tráfico e ao abuso dos
imigrantes pobres, sobretudo dos ilegais. Por isso, as melhores políticas de
acolhimento são aquelas que definem os princípios orientadores de controlo de
movimentos e de legalidade de contratos de trabalho e de autorizações de
residência.”
António Barreto / Público / https://www.publico.pt/2023/03/04/opiniao/opiniao/imigrantes-escolhas-2-2041090
“As tensões que se anunciam, exploradas já por grupos
políticos activistas, são resultado da falta de certeza e de clareza nas
políticas públicas
Quaisquer que sejam os argumentos e as justificações, das
necessidades de mão-de-obra à humanidade e da competitividade à fraternidade,
uma coisa é certa: as políticas e as práticas seguidas por Portugal,
actualmente, são incentivos à clandestinidade, ao tráfico de mão-de-obra, ao
abuso dos trabalhadores e a novas formas de racismo. As tensões que se
anunciam, exploradas já por grupos políticos activistas, são resultado da falta
de certeza e de clareza nas políticas públicas. Por exemplo, as ideias anunciadas
pela comunicação social relativas à abertura de legalizações aceleradas de mais
de uma ou duas centenas de milhares de imigrantes até ao fim do ano são
perigosas e nefastas.”
António Barreto / Público / https://www.publico.pt/2023/02/25/opiniao/opiniao/imigrantes-contas-1-2040219
CRIME
Multiplicam-se os esquemas para tirar proveito de imigrantes
Aproveitamento pode começar no país de origem ou em
Portugal. Evelin pagou 180 euros para ter o NIF.
Ana Cristina
Pereira
16 de Abril de
2023, 7:00
Evelin Santos não
vai desistir da manifestação de interesse que apresentou no Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e pedir um certificado de autorização de
residência Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), como milhares
fizeram no último mês. “Vou esperar. Dizem que isso é só para facturar, que nem
todos os países estão cientes.”
O receio da jovem
de 29 anos vem-lhe da experiência. Já se sentiu alvo de burlas várias vezes
desde que aterrou no aeroporto internacional de Lisboa com a irmã, três anos
mais nova, no final de 2021.
Enquanto
brasileiras, bastava-lhes o carimbo no passaporte para permanecerem 90 dias
como turistas em Portugal. Para ficar a viver e a trabalhar, porém, teriam de
se inscrever nas Finanças e na Segurança Social, de abrir actividade como
trabalhadoras independentes ou de arranjar contrato de trabalho e de ir ao SEF
manifestar interesse em obter autorização de residência.
Começando pelas
Finanças, precisavam de um representante fiscal, que podia ser um cidadão
português ou estrangeiro com autorização de residência. “A gente não conhecia
ninguém”, recorda. Indicaram-lhe uma pessoa que “ajudava quem estava nessa
situação”. “Ela disse que era advogada. Cada uma pagou 180 euros.”
A irmã, Brenda,
corrobora a história: “No começo, pensei que estava super em conta, porque não
tínhamos noção dos valores [praticados]; depois, vimos que tínhamos sido quase
assaltadas.”
Ainda há pouco,
um amigo de ambas, Kauan Santana, de 27 anos, e o companheiro, de 37, chegados
a Aveiro com um visto de procura de trabalho, pagaram 30 euros cada a um homem
que desempenhou o papel de representante fiscal. Diz o rapaz que o homem estava
perto do balcão do SEF e que lhe foi indicado pela própria funcionária.
É um esquema
comum. Ao trabalhar para a associação Renovar a Mouraria, que dirige o Centro
Local de Apoio à Integração de Migrantes Lisboa-Mouraria, a jurista brasileira
Larissa Nicolosi tem conhecido muitos imigrantes que pagaram para obter o NIF.
E o problema não é só o valor. “O representante fiscal recebe a chave de acesso
às Finanças. Tem acesso a dados pessoais. Se depois não fornecer esses dados, a
pessoa não sabe onde estão. E tem dificuldade em pedir nova senha.”
Também é
frequente haver quem faça negócio com a necessidade de apresentar um atestado
de residência ao SEF. “As coisas estão feitas de forma inadequada”, considera
Timóteo Macedo, da Associação Solidariedade Imigrante. “Não devia ser preciso
um atestado de residência da junta de freguesia para fazer uma manifestação de
interesse [de autorização de residência]. A pessoa acaba de chegar, não tem
duas testemunhas. As máfias aproveitam-se. Vêem as pessoas desesperadas e
cobram dinheiro para assinar um papel.”
O funcionamento
do SEF não ajuda. “As pessoas ligam 400, 500, 600 vezes e não conseguem fazer
agendamento no SEF”, torna Larissa Nicolosi. “A forma como o SEF comunica é
através de posts no Facebook: diz quantas vagas abriu e para que tipo de
autorização de residência.” Há grupos organizados que estão atentos e apanham
boa parte delas para vender. Na sua opinião, “o facto de no site do SEF nem
haver informação de que não há vagas é falta de transparência”. E “a falta de
transparência põe os imigrantes numa situação de maior vulnerabilidade, de
maior dependência de outras pessoas.” “Quando a informação não chega de forma
eficiente, há pessoas que se aproveitam.”
Os pedidos de
novas autorizações de residência CPLP não escapam a estes esquemas. “Muitas
pessoas não têm computador, não têm literacia digital, algumas nem sabem ler”,
observa Ana Mansoa, directora executiva do Centro Padre Alves Correia, entidade
responsável por um Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes
Lisboa-Estrela.
Às vezes, o
aproveitamento começa ainda no país de origem, sublinha Ana Mansoa. Conhece
imigrantes que pagaram avultadas quantias a outros já residentes para lhes
tratarem dos documentos e da habitação ainda antes de embarcar. E imigrantes
que ficaram a pagar uma percentagem do seu salário.
Salário por pagar
“Às vezes, as
pessoas não sabem onde procurar informação correcta”, comenta Bruno Gutman,
advogado luso-brasileiro especializado em imigração. “Hoje, na Internet é fácil
divulgar qualquer coisa.”
Já denunciou à
Ordem dos Advogados diversas pessoas. “Tem muita gente na Internet que não é
advogada e fica falando de lei de imigração. Não tem conhecimento e fica na
Internet dando informação desencontrada. Conheço pessoas que vendem e-books
sobre como imigrar para Portugal, como tirar o NIF, o NISS, o número de utente
do SNS. Essas pessoas vendem esses serviços. Estão a praticar procuradoria
ilícita. Isso é crime.”
Alguns têm
protagonizado autênticas burlas. Pela Internet já circula até um falso email
sobre as novas autorizações de residência CPLP. O Serviço de Estrangeiros e
Fronteiras (SEF) até publicou um alerta na sua página na rede social Facebook:
“Alertamos para a circulação de falsos emails, alegadamente gerados pelo Portal
CPLP para efeitos de registo e emissão de autorização de residência.”
Evelin e a Brenda
estão até hoje sem saber exactamente qual a verdadeira qualificação da mulher
que cobrou 180 euros a cada uma para requerer o NIF e queria cobrar outros 100
para tratar da manifestação de interesse. “Nem sei se ela é advogada”, diz
Evelin. “Primeiro, ela atendeu a gente numa sala de um prédio. No outro dia que
a gente foi lá, ela estava num salão de beleza. Então não sei o que ela é.”
Todo o dinheiro
lhes fazia falta. As suas irmãs vieram de Santos, litoral de São Paulo, à
procura de uma vida melhor. “Está ficando muito perigoso.” Venderam as suas
coisas e meteram-se num avião. “A gente não veio com muito dinheiro. A gente
queria trabalhar logo.”
Uma tormenta o
primeiro trabalho, numa lavandaria. “A gente não tinha o número da Segurança
Social. A gente não tinha contrato.” “Fiquei três meses”, conta Evelin. “O dono
chegou a me pagar. O terceiro mês é que não pagou. A minha irmã ficou 45 dias e
ele não pagou. Ele pagou-me e eu perguntei. ‘E a minha irmã?’ E ele falou: ‘Ai
não, já paguei você, é na mesma casa.’ Eu não podia ficar num lugar onde ele
escolhia quem pagava.”
Agora, têm NIF,
NISS, número de utente do SNS e contrato de trabalho. Brenda trabalha numa
cantina e Evelin numa sex shop. “Agora, tudo está óptimo”, diz Brenda. “A gente
gosta bastante do país”, torna Evelin. “A segurança é uma das coisas que a
gente mais gosta. A gente veio com o intuito de trabalhar e ir para outro país,
mas a gente gostou e ficou, apesar de o aluguer ser bem caro.” Muitos não
ficam, voltam a fazer as malas e partem para outros países.
Qual a diferença entre cartão de residência e certificado
CPLP?
A proposta parece
irrecusável para quem espera há anos pela autorização de residência por via dos
artigos comuns. Inscrevendo-se e pagando 15 euros, o mesmo custo do cartão de
cidadão, os imigrantes da CPLP podem obter autorização de residência em 72 horas.
Antecipando o
desmantelamento do SEF, a 13 de Março foi lançada a
plataforma on-line autorização de residência CPLP. No afã de
despachar pendências, podem aceder cerca de 150 mil cidadãos da CPLP que
apresentaram manifestação de interesse em 2021 e 2022. O mesmo
podem fazer cidadãos da CPLP que obtiveram um visto consular no país de
origem de 31 de Outubro para cá.
Até 12 de Abril,
o SEF emitiu 103.572 referências de pagamento, tendo já concedido 93.209
autorizações. Os brasileiros protagonizam o grosso dos pedidos (86,5%),
seguidos de muito longe pelos angolanos (3,8) e pelos são-tomenses (3%).
Não é automático,
como se diz. São consultadas bases de dados para verificar se não há motivo de
recusa. Até agora, segundo o SEF, “foram detectados 6.043 alertas, que
obrigaram a uma consulta mais detalhada para aferir, ou não, a atribuição de
uma autorização de residência CPLP”.
Mas nem todos os
que têm processos pendentes irão avançar. Bruno Gutman, advogado
luso-brasileiro especializado em imigração, conhece várias pessoas que preferem
esperar pelo resultado da manifestação de interesse. À evidente vantagem da
rapidez contrapõem o que percebem como desvantagens diversas.
Através da
manifestação de interesse, recebem um cartão de identificação. Através do Portal
Autorização de Residência CPLP, uma folha que devem imprimir e que devem
apresentar sempre acompanhado do passaporte. O cartão é válido por cinco anos e
o certificado por um ano, renovável por períodos de dois anos.
Não é só isso.
Quem tem autorização de residência em Portugal pode circular pelos países do
Espaço Schengen. O cartão de autorização de residência é reconhecido e aceite
pelas autoridades fronteiriças de qualquer Estado-membro. “A ‘declaração’ de
residência CPLP não é um documento padronizado na UE”, salienta
Bruno Gutman. “Aqui está a dúvida. Não está esclarecido se vai ser
possível circular no Espaço Schengen.”
Poderá
estabelecer-se um paralelo com o regime de protecção temporária criado para
cidadãos da Ucrânia, que inclui título de residência temporária, número de
identificação fiscal (NIF), um número de identificação da Segurança Social
(NISS), um úmero de utente do Serviço Nacional de Saúde. Portugal teve de
comunicar aos outros Estados-membros a validade daquele título de residência,
já atribuído a cerca de 59 mil pessoas. Até agora, não fez o mesmo com a
declaração CPLP. Ana Cristina Pereira
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