EXCLUSIVO IMIGRAÇÃO
Rede
terá lucrado mais de três milhões de euros com exploração de imigrantes
Valores
de lucro individual de alguns dos 41 arguidos com exploração terão variado
entre o milhar de euros e os quase 600 mil, apurou PJ.
Joana Gorjão Henriques
6 de Fevereiro de 2024, 7:00
Um total de 3 milhões e 89 mil euros: feitas
as contas pelo Gabinete de Recuperação de Activos da Polícia Judiciária, é este
o valor que uma rede acusada de tráfico de seres humanos e de exploração de
imigrantes terá lucrado em cinco anos com aquilo que as autoridades consideram
ser a sua actividade criminosa.
Em Novembro, o Ministério Público deduziu
acusação contra 41 arguidos acusados de tráfico de seres humanos, associação
criminosa e de explorarem, na zona de Beja, 55 cidadãos de vários países, como
Timor-Leste, Moldova, Ucrânia. No despacho calculava-se que as empresas
tivessem facturado mais de 7,7 milhões, mas ainda não tinha sido feita a
perícia do património incongruente com a actividade lícita.
Há uns dias essa investigação foi junta ao
processo tutelado pela procuradora Felismina Carvalho e os valores apurados
mostram que só um dos arguidos, Constantin-Dumitru Bâta, o líder da alegada
rede criminosa, lucrou quase 20% do total apurado – quase 600 mil euros dos
mais de 3 milhões calculados. O seu advogado, Pedro Proença, alega que os
valores em causa traduzem incumprimentos de obrigações fiscais e que não
decorrem de qualquer actividade ilícita.
Cruzando dados da Autoridade Tributária (AT),
Instituto dos Registos e Notariado e do Banco de Portugal, identificando os
activos, apurando rendimentos financeiros anuais, analisando transferências
bancárias, os técnicos da PJ compararam o valor do património dos arguidos com
o seu rendimento disponível, calculado pela AT. “Aferidos e expostos os
valores, conclui-se que os movimentos a crédito que constam dos extractos
bancários dos arguidos diferem substancialmente dos rendimentos
comunicados/declarados pelos próprios, culminando numa situação em que o valor
do património não é congruente com o rendimento lícito”, lê-se no documento.
Segundo a acusação do Ministério Público, as
empresas criadas pela cúpula da rede – com nomes como Alvorada Perfumada,
Primavera Sedutora ou Apogeu de Promessas – prometiam a cidadãos “vulneráveis”
trabalho na agricultura por um valor muito superior (ou inexistente) ao que
alguma vez terão pago, davam condições de vida “degradantes”, ameaçavam e
chegaram a agredi-los nalguns casos.
Das condições degradantes descritas foi
referida a existência de “colchões no chão urinados”, “falta de limpeza e
cheiros nauseabundos, com baratas e pulgas”, um armazém com cinco casas de
banho para cem trabalhadores e divisões onde dormiam dez pessoas; quartos
exíguos onde era preciso partilhar cama. Os ordenados prometidos não eram pagos
e o valor supostamente recebido era descontado na renda; em alguns casos, os
chefes ficavam com os documentos de identificação das vítimas, acusa o MP.
Havia quem fosse obrigado a mendigar para conseguir comer.
Das transferências financeiras mais elevadas,
o Gabinete de Recuperação de Activos da PJ destacou as que ocorreram entre um
dos arguidos e a sua própria empresa e entre este e um segundo arguido e a sua
própria empresa. Os valores de lucro individual apurado com esta exploração
variam entre o milhar de euros e os quase 600 mil.
Entre os 41 arguidos que constam na lista
deste gabinete há sete portugueses. Nas contas dos arguidos António Maria Ramos
e António Reis Ramos – acusados de permitir a utilização dos seus nomes para
registo de viaturas e seguros, efectuar alguns empréstimos bancários ou
providenciar alojamento para os trabalhadores explorados – foram encontrados,
respectivamente, cerca de 219 mil euros e cerca de 286 mil euros de vantagem
com a actividade criminosa, segundo a Judiciária.
Contactado, o advogado destes dois arguidos,
Nuno Loureiro Coelho, não quis comentar.
Já nas contas da solicitadora Ana Almanso – acusada de
abrir empresas fictícias
para os arguidos, aconselhando-os a pagar o mínimo de impostos, e usadas para pagar o mínimo aos trabalhadores – a PJ identificou um lucro de
mais de 273 mil euros. O PÚBLICO tentou contactar, sem sucesso, o seu advogado.
Três arguidos da empresa MarquesAgrogião – detentora
de várias empresas, algumas
das quais contrataram empresas arguidas – são acusados de dar
preferência aos trabalhadores
de um dos arguidos em troca de dinheiro. Na análise às contas de Pedro Baião Flamino, que trabalhava há seis anos para a MarquesAgrogião, verificando se os trabalhos no campo decorriam conforme planeado, o
Gabinete de Recuperação
de Activos da PJ registou mais de 152 mil euros de vantagem com a actividade
criminosa.
O arguido Luís Saião Gomes, engenheiro, viu
registado na análise da PJ um valor de mais de 63 mil euros de vantagem. Em
casa de Ricardo Trincalhetas foram encontrados envelopes com milhares de euros.
Na análise do gabinete de recuperação de activos foi registado que havia um
valor de vantagem da actividade criminosa de mais de 37 mil euros.
“Limitavam-se a contratar as empresas”
Estes três arguidos disseram desconhecer a
actividade “criminosa” das ditas empresas, bem como qualquer indício de
exploração de trabalhadores.
Apesar de várias tentativas de contacto, o
advogado de Luís Gomes não telefonou em resposta às chamadas feitas. André
Miranda, advogado de Ricardo Trincalhetas e de Pedro Baião Flamino, afirmou, em
relação ao relatório da PJ: “Imagino que tragam presunções erróneas sobre os
rendimentos dos arguidos.” Declarou que os clientes estão inocentes e contestou
o facto de estarem em prisão domiciliária há 16 meses “sem que haja qualquer
risco para a investigação”. “Sentem-se injustiçados. Foram decretadas medidas
de coacção desproporcionais.”
Segundo afirmou ainda, os seus clientes
“limitavam-se a contratar os serviços das empresas que fornecem mão-de-obra”,
alegando que “o que se passa a jusante não tem nada que ver com” eles. “As
provas do processo não demonstram nada, nem as escutas, nem o dinheiro
encontrado”, declarou, concluindo que ainda não tiveram oportunidade para
apresentar a contestação e que vão requerer a abertura de instrução do
processo.
O arguido Claudino Barbado Nunes estava entre
os que o MP acusa de controlarem os trabalhadores, de os colocar nas
explorações agrícolas e de não permitir que criassem problemas ou conflitos. Na
análise do gabinete de recuperação de activos da PJ, foi registado que lucrou
mais de 12 mil euros com a actividade criminosa. O seu advogado Duarte Sena não
quis comentar.
O gabinete de recuperação de activos da PJ
sugere que estas quantias sejam consideradas pela autoridade judiciária
competente como “devendo ser perdidas a favor do Estado”. Em relação a alguns
arguidos não foi possível fazer o apuramento por não terem sido encontrados
elementos suficientes, refere o documento.
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