OPINIÃO
A maré negra
Era tão bom que os democratas, os centristas, os
liberais, os sociais-democratas e outros europeístas percebessem as suas
responsabilidades nesse processo de ascensão das direitas antieuropeias,
radicais ou não democráticas!
António Barreto
1 de Outubro de
2022, 6:20
https://www.publico.pt/2022/10/01/opiniao/opiniao/mare-negra-2022500
Era assim que se
falava antigamente, quando havia verdadeiro fascismo e real nazismo. Aqueles
regimes e outros de direita ou mesmo ditaduras (como as de Salazar e Franco),
tiveram alguns anos de vida coincidentes. Era o que se chamava, em certos
círculos, a “maré negra”! Anos depois, derrotados os fascismos, cada vez que um
partido de direita concorria ou ganhava eleições, era o fascismo revanchista!
Quando vários partidos de direita ou de centro-direita governavam ao mesmo
tempo, então tínhamos a designada “maré fascista”. Ou a mais poética “maré
negra”. Durante décadas, cada vez que alguém, liberal, democrata ou
social-democrata, aparecia em cena ou ganhava eleições, o epíteto de fascista
estava logo ali. Quando vários países, ao mesmo tempo, eram governados por
partidos de direita, rapidamente se concluía que havia uma conspiração,
organizada pelas multinacionais capitalistas e dirigida contra os trabalhadores
e os países socialistas. Era a “maré negra”.
Para muitas
esquerdas, para os comunistas, para revolucionários avulso e para muitos
socialistas de combate, a Europa esteve praticamente nas mãos dos fascistas nos
anos sessenta, setenta e oitenta. A partir de noventa, com a estrondosa queda
do comunismo, da União Soviética e de quase todos os socialismos, o fascismo
instalou-se na fortaleza, passou a governar a Europa, pôs em prática as suas
políticas revanchistas de empobrecimento e de rearmamento. A “maré negra”,
capitalista e reaccionária, está aí, veio para ficar. Esta é, em caricatura
rigorosa, a visão dos comunistas portugueses e de muitas esquerdas europeias.
O problema é que
agora há mesmo uma maré. Não é fascista. Mas é de direita. Por toda a Europa,
partidos marcadamente à direita exibem real progresso nos seus resultados
eleitorais. Alguns chegam ao Governo. Nas eleições legislativas e nas
presidenciais (onde as há), as direitas conseguem tornar-se partidos de poder
ou oposição de peso. Na Europa, apenas em cinco ou seis países, entre os quais
Portugal, as direitas e a extrema-direita não fazem parte dos governos, mesmo
se já estão com força nos Parlamentos. Da Hungria à Polónia, da Itália a
Áustria, da Suécia à Alemanha, assim como em quase todos os países do Báltico e
dos Balcãs, os partidos de direita governam ou têm representações parlamentares
importantes. Em quase todos os países europeus, as direitas dominam ou andam lá
perto.
Era tão bom que
os europeus, os democratas, os liberais, os democratas-cristãos, os
socialistas, os conservadores e outros democratas e europeístas se dessem ao
trabalho de se perguntar porquê! Por que razões, na maior parte dos países
europeus, crescem as tendências nacionalistas, populistas, de direita radical,
ultraliberais, antieuropeias, para já não falar de fascistas e integralistas?
Por que progridem na difusão das suas ideias, reforçam as suas expectativas
eleitorais, aproximam-se das áreas do poder, conseguem mesmo os sufrágios e a
legitimidade para governar?
Era tão bom que
os democratas, os centristas, os liberais, os sociais-democratas e outros
europeístas percebessem as suas responsabilidades nesse processo de ascensão
das direitas antieuropeias, radicais ou não democráticas! Era bom, mas é
provavelmente inútil ou tarde de mais.
Para as esquerdas
e para os europeístas, a culpa é… da direita pois claro! Os perigos são
fascistas. As ameaças são neoliberais e ultraliberais. Os riscos são populistas
e nacionalistas. De quem é a responsabilidade? Da direita, evidentemente. Da
extrema-direita, com certeza. Dos grupos económicos, dos ricos, do sistema
capitalista e do capital financeiro. Dos nacionalistas, dos monárquicos, dos
racistas, dos machistas e dos xenófobos. Todos capitalistas.
Nunca ocorre
perguntar: e as responsabilidades das esquerdas? E dos democratas? E dos
sociais-democratas? E das forças políticas europeias, cosmopolitas e
integracionistas? Se procurarmos bem, rapidamente encontraremos múltiplos
factores que estão na origem deste recrudescimento das direitas e dos
nacionalismos.
A integração
europeia foi longe de mais. Perdeu de vista as nações. Os eurocratas quiseram
mesmo destruir o espírito de identidade nacional. Entendeu-se que o
cosmopolitismo universal era a solução para a paz e a democracia. Os dirigentes
convenceram-se de que a igualdade social, de direitos e de oportunidades só
eram possíveis sem nações, mas com regiões integradas numa espécie de
continente europeu sem fronteiras.
A integração europeia foi longe de mais. Perdeu de vista
as nações. Os eurocratas quiseram mesmo destruir o espírito de identidade
nacional
Os europeus
convenceram-se da sua própria ortodoxia integracionista e federal. Um
parlamento europeu, internacional, sem circunscrições reconhecidas e sem
fidelidades nacionais tornou-se virtude. Órgãos dirigentes, sem reconhecimento
nem proximidade cultural, sem lealdade nacional nem identidade, ficaram a tomar
conta de uma Europa toda ela feita de diversidade, de contradições, de passado,
de conflitos e de história.
Os europeus
decidiram tudo comprar com subsídios e fundos, à espera de fazer leis federais.
Não se importaram com a corrupção crescente. A bem de uma Europa
fantasmagórica, cederam a empresas de salteadores e a mais que suspeitos
capitais internacionais estranhos, aparentemente privados, frequentemente
públicos, vindos de Estados totalitários asiáticos, africanos e russos. Cederam
à Rússia nas matérias-primas e à China na indústria. Ficaram dependentes como
nunca na história.
Os europeus
adoptaram o politicamente correcto, acreditaram num continente descarnado, sem
história e sem identidade, tudo quiseram normalizar. Até para compensar as
identidades europeias, aceitaram a imigração descontrolada. Promoveram o
tráfico de mão-de-obra e o trabalho clandestino. Em nome do cosmopolitismo
universalista, cederam culturalmente a valores não europeus, emergentes, tantas
vezes marginais e antieuropeus. Convenceram-se de que tinham a obrigação de
reescrever a história, de pedir desculpa aos povos de todos os continentes não
europeus. Cederam cultura e carácter. Cederam história e princípios.
Não ocorre pensar
que estes europeus, mesmo democratas, partilham plenamente as responsabilidades
pelo regresso das direitas? Que as suas criações, os Estados actuais e a União
de que tanto se orgulham, se encontram no início da cadeia de responsabilidades
pelas ameaças contra a Europa e a democracia? Se não perceberam o mal que
fizeram à Europa e aos países europeus, então nunca conseguirão evitar os males
que aí vêm, se avizinham ou nos ameaçam.
O autor é
colunista do PÚBLICO
OPINION
The black tide
It was so good that the Democrats, the centrists, the
liberals, the Social Democrats and other Europeanists realised their
responsibilities in this process of ascending anti-European, radical or
non-democratic rights!
Antonio Barreto
October 1, 2022,
6:20
https://www.publico.pt/2022/10/01/opiniao/opiniao/mare-negra-2022500
That's how it was
spoken in the old years, when there was true fascism and real Nazism. Those
regimes and other right-wing or even dictatorships (such as Salazar and Franco)
had a few years of coincident life. It was what was called, in certain circles,
the "black tide"! Years later, defeated fascism, every time a
right-wing party ran or won elections, it was revanchist fascism! When several
right-wing or centre-right parties ruled at the same time, then we had the
so-called "fascist tide." Or the more poetic "black tide."
For decades, every time someone, liberal, democrat or social democrat, appeared
on the scene or won elections, the epithet of fascist was right there. When
several countries, at the same time, were governed by right-wing parties, it
was quickly concluded that there was a conspiracy, organized by capitalist
multinationals and directed against workers and socialist countries. It was the
black tide.
For many lefters,
for communists, for loose revolutionaries and for many combat socialists,
Europe was practically in the hands of fascists in the 1960s, 1980s and 1980s.
From 99, with the resounding fall of communism, the Soviet Union and almost all
socialisms, fascism settled in the fortress, came to rule Europe, put into
practice its revanchist policies of impoverishment and rearmament. The
"black tide", capitalist and reactionary, is there, here to stay.
This is, in a rigorous caricature, the vision of the Portuguese communists and
many European lefties.
The problem is,
there's a real tide now. He's not a fascist. But it's right-wing. Across
Europe, parties markedly on the right show real progress in their election
results. Some come to the government. In legislative elections and in
presidential elections (where there are), the right can become parties of power
or major opposition. In Europe, only in five or six countries, including
Portugal, the rights and the far right are not part of governments, even if
they are already strong in parliaments. From Hungary to Poland, From Italy to
Austria, from Sweden to Germany, as well as in almost all baltic and Balkan
countries, right-wing parties govern or have important parliamentary
representations. In almost all European countries, rights dominate or walk by.
It was so good
that Europeans, Democrats, Liberals, Christian Democrats, Socialists,
Conservatives and other Democrats and Europeanists would take the trouble to
ask themselves why! Why are nationalist, populist, radical-right,
ultra-liberal, anti-European tendencies growing in most European countries, not
to mention fascists and integralists? Why do they progress in spreading their
ideas, reinforce their electoral expectations, approach the areas of power,
even get suffrage and legitimacy to govern?
It was so good
that the Democrats, the centrists, the liberals, the Social Democrats and other
Europeanists realised their responsibilities in this process of ascending
anti-European, radical or non-democratic rights! It was good, but it's probably
useless or too late.
For the left and
for the Europeanists, the fault is... of the right of course! The dangers are
fascists. The threats are neoliberal and ultraliberal. The risks are populist
and nationalist. Whose responsibility is it? From the right, of course. From
the far right, that's for sure. Economic groups, the rich, the capitalist
system and financial capital. Nationalists, monarchists, racists, sexist and
xenophobic. All capitalists.
It never occurs
to ask: what about the responsibilities of the left? What about the Democrats?
What about the Social Democrats? What about European, cosmopolitan and
integrationist political forces? If we look well, we will quickly find multiple
factors that are at the root of this resurgence of rights and nationalisms.
European
integration has gone too far. You've lost sight of the nations. Eurocrats
really wanted to destroy the spirit of national identity. It was understood
that universal cosmopolitanism was the solution to peace and democracy. The
leaders were convinced that social equality, rights and opportunities were only
possible without nations, but with regions integrated into a kind of european
continent without borders.
European integration has gone too far. You've lost sight
of the nations. Eurocrats really wanted to destroy the spirit of national
identity
Europeans have
convinced themselves of their own integrationist and federal orthodoxy. A
European parliament, international, without recognised constituencies and
without national allegiances has become virtue. Governing bodies, without
recognition or cultural proximity, without national loyalty or identity, were
left to take care of a Europe all made up of diversity, contradictions, past,
conflict and history.
The Europeans
decided everything to buy with subsidies and funds, waiting to make federal
laws. They didn't care about the growing corruption. For the sake of a ghostly
Europe, they have given in to robber companies and more than suspected foreign,
seemingly private, often public international capital from Asian, African and
Russian totalitarian states. They gave in to Russia in raw materials and to
China in industry. They became as dependent as ever in history.
Europeans adopted
political correctness, believed in a desemnated continent, without history and
without identity, everything wanted to normalize. Even to compensate for
European identities, they accepted uncontrolled immigration. They promoted
labour trafficking and illegal work. In the name of universalist
cosmopolitanism, they gave culturally to non-European, emerging, so often
marginal and anti-European values. They convinced themselves that they had an
obligation to rewrite history, to apologise to the peoples of all non-European
continents. They gave in to culture and character. They gave up history and
principles.
Does it come to
think that these Europeans, even democrats, fully share the responsibilities
for the return of rights? That your creations, the current states and the Union
they are so proud of are at the beginning of the chain of responsibility for
threats against Europe and democracy? If they do not understand the harm they
have done to Europe and european countries, then they will never be able to
avoid the evils that come, come near or threaten us.
The author is a
columnist for PÚBLICO
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