quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

1 de Outubro de 2022: A maré negra / The black tide

 



OPINIÃO

A maré negra

 

Era tão bom que os democratas, os centristas, os liberais, os sociais-democratas e outros europeístas percebessem as suas responsabilidades nesse processo de ascensão das direitas antieuropeias, radicais ou não democráticas!

 

António Barreto

1 de Outubro de 2022, 6:20

https://www.publico.pt/2022/10/01/opiniao/opiniao/mare-negra-2022500

 

Era assim que se falava antigamente, quando havia verdadeiro fascismo e real nazismo. Aqueles regimes e outros de direita ou mesmo ditaduras (como as de Salazar e Franco), tiveram alguns anos de vida coincidentes. Era o que se chamava, em certos círculos, a “maré negra”! Anos depois, derrotados os fascismos, cada vez que um partido de direita concorria ou ganhava eleições, era o fascismo revanchista! Quando vários partidos de direita ou de centro-direita governavam ao mesmo tempo, então tínhamos a designada “maré fascista”. Ou a mais poética “maré negra”. Durante décadas, cada vez que alguém, liberal, democrata ou social-democrata, aparecia em cena ou ganhava eleições, o epíteto de fascista estava logo ali. Quando vários países, ao mesmo tempo, eram governados por partidos de direita, rapidamente se concluía que havia uma conspiração, organizada pelas multinacionais capitalistas e dirigida contra os trabalhadores e os países socialistas. Era a “maré negra”.

 

Para muitas esquerdas, para os comunistas, para revolucionários avulso e para muitos socialistas de combate, a Europa esteve praticamente nas mãos dos fascistas nos anos sessenta, setenta e oitenta. A partir de noventa, com a estrondosa queda do comunismo, da União Soviética e de quase todos os socialismos, o fascismo instalou-se na fortaleza, passou a governar a Europa, pôs em prática as suas políticas revanchistas de empobrecimento e de rearmamento. A “maré negra”, capitalista e reaccionária, está aí, veio para ficar. Esta é, em caricatura rigorosa, a visão dos comunistas portugueses e de muitas esquerdas europeias.

 

O problema é que agora há mesmo uma maré. Não é fascista. Mas é de direita. Por toda a Europa, partidos marcadamente à direita exibem real progresso nos seus resultados eleitorais. Alguns chegam ao Governo. Nas eleições legislativas e nas presidenciais (onde as há), as direitas conseguem tornar-se partidos de poder ou oposição de peso. Na Europa, apenas em cinco ou seis países, entre os quais Portugal, as direitas e a extrema-direita não fazem parte dos governos, mesmo se já estão com força nos Parlamentos. Da Hungria à Polónia, da Itália a Áustria, da Suécia à Alemanha, assim como em quase todos os países do Báltico e dos Balcãs, os partidos de direita governam ou têm representações parlamentares importantes. Em quase todos os países europeus, as direitas dominam ou andam lá perto.

 

Era tão bom que os europeus, os democratas, os liberais, os democratas-cristãos, os socialistas, os conservadores e outros democratas e europeístas se dessem ao trabalho de se perguntar porquê! Por que razões, na maior parte dos países europeus, crescem as tendências nacionalistas, populistas, de direita radical, ultraliberais, antieuropeias, para já não falar de fascistas e integralistas? Por que progridem na difusão das suas ideias, reforçam as suas expectativas eleitorais, aproximam-se das áreas do poder, conseguem mesmo os sufrágios e a legitimidade para governar?

 

Era tão bom que os democratas, os centristas, os liberais, os sociais-democratas e outros europeístas percebessem as suas responsabilidades nesse processo de ascensão das direitas antieuropeias, radicais ou não democráticas! Era bom, mas é provavelmente inútil ou tarde de mais.

 

Para as esquerdas e para os europeístas, a culpa é… da direita pois claro! Os perigos são fascistas. As ameaças são neoliberais e ultraliberais. Os riscos são populistas e nacionalistas. De quem é a responsabilidade? Da direita, evidentemente. Da extrema-direita, com certeza. Dos grupos económicos, dos ricos, do sistema capitalista e do capital financeiro. Dos nacionalistas, dos monárquicos, dos racistas, dos machistas e dos xenófobos. Todos capitalistas.

 

Nunca ocorre perguntar: e as responsabilidades das esquerdas? E dos democratas? E dos sociais-democratas? E das forças políticas europeias, cosmopolitas e integracionistas? Se procurarmos bem, rapidamente encontraremos múltiplos factores que estão na origem deste recrudescimento das direitas e dos nacionalismos.

 

A integração europeia foi longe de mais. Perdeu de vista as nações. Os eurocratas quiseram mesmo destruir o espírito de identidade nacional. Entendeu-se que o cosmopolitismo universal era a solução para a paz e a democracia. Os dirigentes convenceram-se de que a igualdade social, de direitos e de oportunidades só eram possíveis sem nações, mas com regiões integradas numa espécie de continente europeu sem fronteiras.

 

A integração europeia foi longe de mais. Perdeu de vista as nações. Os eurocratas quiseram mesmo destruir o espírito de identidade nacional

 

Os europeus convenceram-se da sua própria ortodoxia integracionista e federal. Um parlamento europeu, internacional, sem circunscrições reconhecidas e sem fidelidades nacionais tornou-se virtude. Órgãos dirigentes, sem reconhecimento nem proximidade cultural, sem lealdade nacional nem identidade, ficaram a tomar conta de uma Europa toda ela feita de diversidade, de contradições, de passado, de conflitos e de história.

 

Os europeus decidiram tudo comprar com subsídios e fundos, à espera de fazer leis federais. Não se importaram com a corrupção crescente. A bem de uma Europa fantasmagórica, cederam a empresas de salteadores e a mais que suspeitos capitais internacionais estranhos, aparentemente privados, frequentemente públicos, vindos de Estados totalitários asiáticos, africanos e russos. Cederam à Rússia nas matérias-primas e à China na indústria. Ficaram dependentes como nunca na história.

 

Os europeus adoptaram o politicamente correcto, acreditaram num continente descarnado, sem história e sem identidade, tudo quiseram normalizar. Até para compensar as identidades europeias, aceitaram a imigração descontrolada. Promoveram o tráfico de mão-de-obra e o trabalho clandestino. Em nome do cosmopolitismo universalista, cederam culturalmente a valores não europeus, emergentes, tantas vezes marginais e antieuropeus. Convenceram-se de que tinham a obrigação de reescrever a história, de pedir desculpa aos povos de todos os continentes não europeus. Cederam cultura e carácter. Cederam história e princípios.

 

Não ocorre pensar que estes europeus, mesmo democratas, partilham plenamente as responsabilidades pelo regresso das direitas? Que as suas criações, os Estados actuais e a União de que tanto se orgulham, se encontram no início da cadeia de responsabilidades pelas ameaças contra a Europa e a democracia? Se não perceberam o mal que fizeram à Europa e aos países europeus, então nunca conseguirão evitar os males que aí vêm, se avizinham ou nos ameaçam.

 

O autor é colunista do PÚBLICO


OPINION

The black tide

 

It was so good that the Democrats, the centrists, the liberals, the Social Democrats and other Europeanists realised their responsibilities in this process of ascending anti-European, radical or non-democratic rights!

 

Antonio Barreto

October 1, 2022, 6:20

https://www.publico.pt/2022/10/01/opiniao/opiniao/mare-negra-2022500

 

That's how it was spoken in the old years, when there was true fascism and real Nazism. Those regimes and other right-wing or even dictatorships (such as Salazar and Franco) had a few years of coincident life. It was what was called, in certain circles, the "black tide"! Years later, defeated fascism, every time a right-wing party ran or won elections, it was revanchist fascism! When several right-wing or centre-right parties ruled at the same time, then we had the so-called "fascist tide." Or the more poetic "black tide." For decades, every time someone, liberal, democrat or social democrat, appeared on the scene or won elections, the epithet of fascist was right there. When several countries, at the same time, were governed by right-wing parties, it was quickly concluded that there was a conspiracy, organized by capitalist multinationals and directed against workers and socialist countries. It was the black tide.

 

For many lefters, for communists, for loose revolutionaries and for many combat socialists, Europe was practically in the hands of fascists in the 1960s, 1980s and 1980s. From 99, with the resounding fall of communism, the Soviet Union and almost all socialisms, fascism settled in the fortress, came to rule Europe, put into practice its revanchist policies of impoverishment and rearmament. The "black tide", capitalist and reactionary, is there, here to stay. This is, in a rigorous caricature, the vision of the Portuguese communists and many European lefties.

 

The problem is, there's a real tide now. He's not a fascist. But it's right-wing. Across Europe, parties markedly on the right show real progress in their election results. Some come to the government. In legislative elections and in presidential elections (where there are), the right can become parties of power or major opposition. In Europe, only in five or six countries, including Portugal, the rights and the far right are not part of governments, even if they are already strong in parliaments. From Hungary to Poland, From Italy to Austria, from Sweden to Germany, as well as in almost all baltic and Balkan countries, right-wing parties govern or have important parliamentary representations. In almost all European countries, rights dominate or walk by.

 

It was so good that Europeans, Democrats, Liberals, Christian Democrats, Socialists, Conservatives and other Democrats and Europeanists would take the trouble to ask themselves why! Why are nationalist, populist, radical-right, ultra-liberal, anti-European tendencies growing in most European countries, not to mention fascists and integralists? Why do they progress in spreading their ideas, reinforce their electoral expectations, approach the areas of power, even get suffrage and legitimacy to govern?

 

It was so good that the Democrats, the centrists, the liberals, the Social Democrats and other Europeanists realised their responsibilities in this process of ascending anti-European, radical or non-democratic rights! It was good, but it's probably useless or too late.

 

For the left and for the Europeanists, the fault is... of the right of course! The dangers are fascists. The threats are neoliberal and ultraliberal. The risks are populist and nationalist. Whose responsibility is it? From the right, of course. From the far right, that's for sure. Economic groups, the rich, the capitalist system and financial capital. Nationalists, monarchists, racists, sexist and xenophobic. All capitalists.

 

It never occurs to ask: what about the responsibilities of the left? What about the Democrats? What about the Social Democrats? What about European, cosmopolitan and integrationist political forces? If we look well, we will quickly find multiple factors that are at the root of this resurgence of rights and nationalisms.

 

European integration has gone too far. You've lost sight of the nations. Eurocrats really wanted to destroy the spirit of national identity. It was understood that universal cosmopolitanism was the solution to peace and democracy. The leaders were convinced that social equality, rights and opportunities were only possible without nations, but with regions integrated into a kind of european continent without borders.

 

European integration has gone too far. You've lost sight of the nations. Eurocrats really wanted to destroy the spirit of national identity

 

Europeans have convinced themselves of their own integrationist and federal orthodoxy. A European parliament, international, without recognised constituencies and without national allegiances has become virtue. Governing bodies, without recognition or cultural proximity, without national loyalty or identity, were left to take care of a Europe all made up of diversity, contradictions, past, conflict and history.

 

The Europeans decided everything to buy with subsidies and funds, waiting to make federal laws. They didn't care about the growing corruption. For the sake of a ghostly Europe, they have given in to robber companies and more than suspected foreign, seemingly private, often public international capital from Asian, African and Russian totalitarian states. They gave in to Russia in raw materials and to China in industry. They became as dependent as ever in history.

 

Europeans adopted political correctness, believed in a desemnated continent, without history and without identity, everything wanted to normalize. Even to compensate for European identities, they accepted uncontrolled immigration. They promoted labour trafficking and illegal work. In the name of universalist cosmopolitanism, they gave culturally to non-European, emerging, so often marginal and anti-European values. They convinced themselves that they had an obligation to rewrite history, to apologise to the peoples of all non-European continents. They gave in to culture and character. They gave up history and principles.

 

Does it come to think that these Europeans, even democrats, fully share the responsibilities for the return of rights? That your creations, the current states and the Union they are so proud of are at the beginning of the chain of responsibility for threats against Europe and democracy? If they do not understand the harm they have done to Europe and european countries, then they will never be able to avoid the evils that come, come near or threaten us.

 

The author is a columnist for PÚBLICO


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