JORNADA MUNDIAL
DA JUVENTUDE
Moedas corta relações com Sá Fernandes e dispara contra
Medina e Governo
Polémica com o custo do palco-altar da jornada da
juventude levou à quebra total da já fraca confiança entre a Câmara de Lisboa e
o coordenador do Governo.
Luciano Alvarez
2 de Fevereiro de
2023, 6:07
José Sá Fernandes
recusou nesta quarta-feira fazer qualquer comentário ao corte de relações
anunciado pelos responsáveis da Câmara Municipal de Lisboa (CML) com ele,
enquanto coordenador do grupo de projecto para a Jornada Mundial da Juventude
(JMJ) nomeado pelo Governo em Agosto de 2021. É, aparentemente, o fim de uma
relação que muitas vezes não foi pacífica e cuja crise se agravou nos últimos
dias com a polémica dos custos do palco-altar no Parque Tejo, em que Sá
Fernandes desmentiu categoricamente Carlos Moedas. O Governo já reafirmou a
confiança no seu coordenador e o autarca lisboeta carrega contra o antecessor
na câmara e a inacção do executivo.
A relação Sá
Fernandes-CML começou de forma tranquila. Há até registos gravados de reuniões
entre as partes em Lisboa e Loures, em Abril do ano passado, em que Laurinda
Alves, então responsável da autarquia pela JMJ, tecia elogios ao coordenador
indicado pelo Governo.
As coisas
começaram a degradar-se, quando se começou a discutir mais pormenorizadamente
as responsabilidades/encargos de cada parte na organização da JMJ e que levaram
mesmo a que Lisboa perdesse para Oeiras um dos eventos que tem previsto a
presença do Papa Francisco.
Em Outubro do ano
passado, um memorando do executivo liderado por António Costa definiu o que
cada uma das partes (Igreja, Governo e câmaras de Lisboa, Loures e Oeiras)
tinha a seu cargo, mas as desavenças continuaram.
A 29 de Novembro
do ano passado, José Sá Fernandes foi chamado pelo PSD à Comissão Parlamentar
de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto para dar explicações sobre o
andamento dos trabalhos de preparação do evento, que terá lugar em Lisboa entre
os dias 1 e 6 de Agosto próximo.
O coordenador da
jornada não se limitou a prestar contas sobre onde e como o Governo ia gastar
parte da verba de 36,5 milhões de euros que tem orçamentada para o efeito.
Aproveitou a ocasião para dar uma “bicada” às autarquias envolvidas na
organização, dizendo que estas têm de dar “informações mais detalhadas” sobre
onde vão gastar o dinheiro e sugerindo até que alguns valores apresentados
pelas autarquias podiam estar inflacionados.
Em declarações ao
PÚBLICO no dia seguinte a ter estado no Parlamento e referindo-se
especificamente às verbas orçamentadas pela CML (33,5 milhões de euros), foi
ainda mais longe: “Há dinheiro que já se sabia que se tinha de gastar, como a
ponte ciclo-pedonal, que até foi lançada pelo anterior executivo camarário, mas
também há outras [iniciativas] que têm de ser mais bem explicadas e detalhadas
– por exemplo, eu nunca tinha ouvido falar em nenhum parque de estacionamento.
E que ‘outros’ [dois milhões de euros previstos no orçamento da CML] são
aqueles? Em que se vai gastar esse dinheiro?”, questionava Sá Fernandes.
Os responsáveis
pelo executivo da autarquia alfacinha recusaram sempre comentar as afirmações
de José Sá Fernandes. “A nossa relação com o Governo, principalmente com a
ministra Ana Catarina Mendes, tem corrido bastante bem e temos trabalhado
juntos. Por isso, essas declarações não me merecem mais comentários”, disse ao
PÚBLICO no início de Janeiro deste ano Filipe Anacoreta Correia, já então com o
“pelouro” da JMJ na CML.
No final de
Janeiro, quando foi conhecido que o palco-altar do Parque Tejo iria custar 5,3
milhões de euros (valor com IVA), o que já estava quebrado na relação Sá
Fernandes-Carlos Moedas ficou em cacos.
O presidente da
CML afirmou ter “começado do zero” a preparação do evento, tendo dito ainda que
desconhecia a existência de outros projectos para o palco-altar. O antigo
vereador dos espaços verdes da CML na presidência do socialista Fernando Medina
veio de imediato desmentir o actual autarca, afirmando que a CML tinha à sua
disposição projectos para o palco-altar a preços mais reduzidos e que Moedas
tinha tido conhecimento deles.
“A versão que nós
[ex-executivo camarário] tínhamos deixado do altar as pessoas não gostaram.
Estão no seu direito. Há uma segunda versão que foi feita pela SRU [Sociedade
de Reabilitação Urbana] que não exigia mais fundações. E, de repente, aparece
esta, que exige fundações. E, portanto, fiquei surpreendido, porque a solução é
muito mais cara”, afirmou Sá Fernandes.
Foi a gota de
água que encheu o copo de Moedas. Na noite da passada segunda-feira, na chegada
a um evento em Vila Nova de Gaia, sem nunca referir o nome do coordenador do
Governo, o presidente da autarquia lisboeta assumiu que, a partir de agora,
seria ele a coordenar directamente tudo o que será feito pela CML relativamente
à JMJ.
E se já tinha
ficado implícito que o chamar a si a responsabilidade, e que só falaria com a
Igreja, significava um corte com Sá Fernandes, o vice-presidente da autarquia
deixou-o claro na tarde de terça-feira durante uma reunião da Assembleia
Municipal da CML.
“Quando o
presidente da câmara diz ‘eu agora é que coordeno’, o que está a dizer é que
nós não aceitamos mais pretensos coordenadores que não fazem nada e que não
ajudam a resolver nada”, afirmou Filipe Anacoreta Correia.
“Uns relatórios”
As críticas a
José Sá Fernandes repetiram-se na reunião à porta fechada da CML nesta
quarta-feira. Segundo avançou o Observador e o PÚBLICO confirmou, Moedas não
poupou o Governo: “Eu não fui a Roma dizer o que íamos fazer. Foram outros. Em
2019, todos os responsáveis políticos, alguns hoje no Governo [Fernando
Medina], gritaram de felicidade, mas ninguém fez nada.” O presidente da
autarquia disse ainda nada conhecer do trabalho de Sá Fernandes.
Já Filipe
Anacoreta Correia acentuou as críticas que já tinha feito na véspera,
nomeadamente a de que Sá Fernandes vai manter o cargo até Dezembro de 2024 para
“fazer uns relatórios”.
Este corte de
relações não deverá afectar o andamento dos trabalhos que cada uma das partes
tem a seu cargo, já que os mesmos estão completamente definidos no memorando do
Governo de Outubro do ano passado.
Ao Governo,
através do grupo de projecto, cabem os planos de mobilidade, saúde e segurança,
iluminações, transmissões, casas de banho, decks e zonas de jornalistas. Já à
CML ficaram adjudicados os grandes palcos e audiovisuais nos vários recintos,
zonas de convidados, acessos e mobilidade do recinto, stands e esgotos.
Comprometida
ficará certamente a parte do memorando em que é afirmado que os envolvidos
devem “estabelecer a cooperação necessária para a organização dos vários
eventos que compõem a Jornada Mundial da Juventude 2023”.
Fonte do gabinete
da ministra adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, citada
pela Lusa, apressou-se nesta quarta-feira em garantir a confiança a Sá
Fernandes.
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