domingo, 27 de novembro de 2022

Moedas e Turismo de Lisboa não abdicam de aeroporto na cidade

 



LISBOA

Moedas e Turismo de Lisboa não abdicam de aeroporto na cidade

 

Câmara e Turismo de Lisboa não perspectivam um futuro sem um aeroporto no centro de Lisboa. Mas, se a opção for mesmo encerrar a Portela, que futuro podem ter aqueles mais de 500 hectares de terreno?

 

Cristiana Faria Moreira

27 de Novembro de 2022, 6:00

https://www.publico.pt/2022/11/27/local/noticia/moedas-turismo-lisboa-nao-abdicam-aeroporto-cidade-2029326

 

Quando abriu portas, em 1942, talvez não se esperasse que o aeroporto de Lisboa chegasse a receber 31 milhões de passageiros num ano (como aconteceu em 2019, ainda antes da pandemia) e que ficasse rodeado de prédios e de uma cidade que ainda não existia. Na última década, com a chegada das companhias low cost, Lisboa tornou-se um destino que, apesar da sua periferia na Europa, conseguiu competir com as principais capitais e atrair milhões de visitantes. À boleia do turismo, a cidade alterou-se, ainda que nem sempre com proveitos para quem nela vive em permanência.

 

Parte do sucesso de Lisboa como destino turístico deveu-se precisamente à localização do aeroporto, acredita o director-geral da Associação de Turismo de Lisboa (ATL), Vítor Costa. “O aeroporto da Portela é um dos principais factores na competitividade que temos, pelo facto de estar perto dos destinos turísticos.”

 

Segundo a ATL, o turismo em Lisboa depende “em mais de 90% do transporte aéreo”, que “nunca poderá ser substituído por outros meios de transporte, ao contrário de outros destinos turísticos”. “Para os 80% de turistas que são os nossos visitantes europeus, estamos geograficamente distantes e dependemos de um transporte aéreo que seja competitivo.” É por isso que, para a ATL, retirar o aeroporto da Portela está fora de questão. “O que não significa que não possa haver uma reorganização — é evidente que o aeroporto tem impactos ambientais, etc. — e que possa ser reformulado. Agora, perder o aeroporto da Portela como ligação ponto a ponto seria muito mau para Lisboa”, considera Vítor Costa.

 

Teme a distância a que uma nova infra-estrutura aeroportuária possa ficar do centro da cidade, o tempo perdido nessas viagens e até o custo, que receia que possa vir a ser superior ao de uma viagem numa companhia aérea low cost. “Se a decisão for acabar com o aeroporto da Portela e fazer um a 50 ou 70 quilómetros, há muito a discutir. Como é que as pessoas chegam, quanto tempo demoram, como é que nós, portugueses, temos de fazer quando vamos viajar e quanto é que isso nos vai custar? Se a decisão for essa, não pode ser só uma decisão de engenheiros”, diz Vítor Costa, que critica o arrastar de uma decisão que está há décadas para ser tomada.

 

Obras na Portela são “urgentes"

Por agora, e perante a discussão que se segue, o responsável do Turismo de Lisboa diz que o mais “urgente” é avançar com as obras previstas para a Portela. “Mesmo que a solução seja fazer em Santarém ou em Alcochete, primeiro que esteja pronto é mais uma década. A máxima prioridade é fazer as intervenções que estão previstas na Portela para melhorar o serviço”, nota.

 

O Turismo de Lisboa não está disposto a prescindir de um aeroporto no centro da cidade. E a Câmara de Lisboa vê também nele um “activo da cidade”.

 

O presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, não concorda com uma “imediata desactivação da Portela, pelo valor que tem para a cidade”, defendendo antes um aeroporto “com um tráfego muito reduzido, muito seleccionado”, como foi feito em Londres.

 

“O problema da Portela hoje é a quantidade de voos que tem. O meu ponto é que precisamos rapidamente de um novo aeroporto. Tem de ser um aeroporto de proximidade, tem de ser uma decisão rápida, tomada em 2023, para se começar em 2024”, diz o autarca, que tem evitado dar uma opinião sobre qual deve ser a escolha final, embora queira ser envolvido nesse processo.

 

“É sempre bom mantermos um aeroporto perto da cidade. Uma coisa é termos um aeroporto como temos hoje, que está a criar uma poluição enorme, outra coisa é ter ali um aeroporto que pode servir com muito menos voos”, diz Carlos Moedas, que integra a comissão de acompanhamento que fiscalizará a comissão técnica independente responsável pelas avaliações ambientais das possíveis localizações do novo aeroporto.

 

O autarca defende também que as obras na Portela avancem rapidamente para “dar mais qualidade e eficiência ao que já lá está”.

 

Um jardim na Portela?

A par das queixas sobre o funcionamento do aeroporto, têm crescido, nos últimos anos, mais reclamações sobre o constante ruído provocado pelos aviões que aterram e descolam da Portela, por vezes, quase de minuto em minuto, cada vez mais cedo e mais de noite, pondo em causa o descanso dos moradores. Recentemente, foi criada a plataforma cívica, composta por moradores das zonas sobrevoadas pelas aeronaves, “Aeroporto fora, Lisboa melhora” para pedir o fim dos voos nocturnos e o encerramento definitivo da Portela.

 

Se pudesse decidir, Sérgio Morais, morador em Alvalade e membro deste grupo, gostaria que aqueles mais de 500 hectares — hoje propriedade do Estado, depois de cedidos pelo município a troco de 286 milhões de euros — se mantivessem públicos e fossem transformados numa zona verde, com equipamentos desportivos e culturais. “Não seria interessante entregar a uma imobiliária e encher isto de prédios.”

 

Não é a primeira vez que se ouve esta ideia de um dia, caso a Portela venha a ser desactivada, se transformar num grande parque. De resto, em 2008, num debate sobre o estado da cidade, quando era então liderada por António Costa, o vereador do Urbanismo da altura, Manuel Salgado, assumia que o novo Plano Director Municipal (PDM) iria prever um “pulmão verde” na zona do aeroporto. Ora, tal acabaria por ser mesmo incluído no PDM, que refere que, no caso de terminar a actividade do aeroporto da Portela, as pistas e áreas de circulação, assim como os edifícios, devem ser objecto de um plano de pormenor “que preveja a requalificação do solo para espaço verde, com vista à reestruturação da zona para parque urbano e à reutilização dos edifícios existentes”.

 

Não seria também a primeira vez que um aeroporto seria transformado num grande parque urbano. Em Berlim, o antigo aeroporto de Tempelhof, encerrado em 2008, transformou-se num grande parque urbano, pondo fim aos planos de se construírem ali prédios de habitação. Os seus antigos hangares são, por vezes, também lugar de acolhimento de refugiados que chegam à capital alemã.

 

Aeroporto, uma zona “tampão"

Pode dizer-se que a importância do aeroporto de Lisboa para a cidade vai além da sua função de mera infra-estrutura aeroportuária. Apesar de não ser uma zona verde, como é Monsanto, tornou-se uma espécie de “zona tampão”, definindo áreas onde não é possível construir acima de determinada altura, sendo hoje um dos principais corredores de ventilação, importante para “limpar” o ar e refrescar a cidade.

 

“A zona do aeroporto é fundamental para o centro da cidade para o limpar, não só para remover poluição, como para melhorar o conforto térmico através do seu efeito”, explicava o investigador do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa (IGOT), António Lopes, a propósito de um trabalho sobre o impacto das ilhas e ondas de calor na cidade.

 

“É fácil de entender que áreas como, por exemplo, as pistas do aeroporto são muito pouco rugosas. Portanto, o vento penetra facilmente. Mas, depois, à medida que o vento vai passando sobre os edifícios, começa a ter um retardamento. Começa a diminuir a velocidade”, enquadra o investigador, que se tem dedicado a estudar a aerodinâmica da cidade.

 

É por isso que diz que terá de se ter em atenção o que se fará com aqueles terrenos um dia que o aeroporto saia dali. Se se aumentarem radicalmente os índices de construção, os ventos terão dificuldade em entrar, porque haverá uma espécie de barreira, impedindo que o vento limpe e refresque a cidade.

 

A investigadora e professora universitária do Departamento de Arquitectura e Urbanismo do ISCTE Teresa Marat-Mendes não tem dúvidas de que se um dia o aeroporto sair da Portela a pressão imobiliária sobre aqueles terrenos será “enorme”.

 

Colocando o cenário da desactivação, a investigadora considera que esse terreno terá de ser um terreno muito bem aproveitado a nível ecológico, já que é também uma “zona privilegiada” para promover a regeneração do território. Até porque é hoje uma área rodeada de agricultura urbana. “Sendo desocupado, o aeroporto vai precisar de reabilitação, não só por causa da impermeabilização de algumas pistas, mas também porque está localizado na zona Nordeste de Lisboa e promove, em termos ecológicos, a ligação de toda uma rede existente de agricultura urbana, como o Vale de Chelas. Há ali todo um corredor ecológico onde o próprio aeroporto assenta”, enquadra.

 

Teresa Marat-Mendes dá como exemplo a cidade de Copenhaga, na Dinamarca, conhecida pelas suas cinturas verdes que se ligam ao centro da cidade. “O aeroporto tem a possibilidade de oferecer green wedges [áreas verdes] à cidade de Lisboa. Já se inicia no Vale de Chelas. É uma realidade que já está a acontecer.” E até terminar a tal coroa que nunca chegou a ser terminada, estendendo Monsanto para a outra ponta da cidade. “Temos ainda uma cidade cheia de retalhinhos de espaços verdes e precisamos de a pensar de uma forma mais integrada”, afirma.

 

Além disso, nota, o aeroporto está junto a uma das principais saídas da cidade e ao eixo Lisboa-Vila Franca de Xira, que foi “um dos mais industrializados de Lisboa”. “Há todo um espaço de indústria desocupado, e a sua articulação com estes corredores verdes deve ser encarada como uma oportunidade” de integrar e planear a uma escala maior. “O aeroporto não é só de Lisboa.”

 

Na solução futura, a investigadora nota que será importante pensar numa boa rede de transportes, capaz de continuar a levar os turistas para o centro da cidade. “O nosso aeroporto, mesmo estando dentro da cidade, não foi dos exemplos mais positivos em termos da mobilidade para os turistas. Esteve muito dependente — e ainda está — do carro, apesar do metro. Como estávamos tão perto do centro da cidade, os táxis serviam. Foi um problema durante muito tempo”, diz Teresa Marat-Mendes.

 

É por isso que diz que nunca se poderá olhar para o aeroporto, seja o actual ou um futuro, unicamente do ponto de vista da infra-estrutura. “[A mobilidade] é algo que temos de melhorar ao máximo para que estas questões da sustentabilidade não caiam em saco roto. Pensar que se põe o aeroporto noutro sítio e que a poluição vai acabar é errado. O que tem de se fazer é reduzir, reduzir, reduzir. Não se pode olhar o aeroporto como um problema só por si.”

 

tp.ocilbup@arierom.anaitsirc

Sem comentários: