LISBOA
Moedas e Turismo de Lisboa não abdicam de aeroporto na cidade
Câmara e Turismo de Lisboa não perspectivam um futuro sem
um aeroporto no centro de Lisboa. Mas, se a opção for mesmo encerrar a Portela,
que futuro podem ter aqueles mais de 500 hectares de terreno?
Cristiana Faria
Moreira
27 de Novembro de
2022, 6:00
Quando abriu
portas, em 1942, talvez não se esperasse que o aeroporto de Lisboa chegasse a
receber 31 milhões de passageiros num ano (como aconteceu em 2019, ainda antes
da pandemia) e que ficasse rodeado de prédios e de uma cidade que ainda não
existia. Na última década, com a chegada das companhias low cost, Lisboa
tornou-se um destino que, apesar da sua periferia na Europa, conseguiu competir
com as principais capitais e atrair milhões de visitantes. À boleia do turismo,
a cidade alterou-se, ainda que nem sempre com proveitos para quem nela vive em
permanência.
Parte do sucesso
de Lisboa como destino turístico deveu-se precisamente à localização do
aeroporto, acredita o director-geral da Associação de Turismo de Lisboa (ATL),
Vítor Costa. “O aeroporto da Portela é um dos principais factores na
competitividade que temos, pelo facto de estar perto dos destinos turísticos.”
Segundo a ATL, o
turismo em Lisboa depende “em mais de 90% do transporte aéreo”, que “nunca poderá
ser substituído por outros meios de transporte, ao contrário de outros destinos
turísticos”. “Para os 80% de turistas que são os nossos visitantes europeus,
estamos geograficamente distantes e dependemos de um transporte aéreo que seja
competitivo.” É por isso que, para a ATL, retirar o aeroporto da Portela está
fora de questão. “O que não significa que não possa haver uma reorganização — é
evidente que o aeroporto tem impactos ambientais, etc. — e que possa ser
reformulado. Agora, perder o aeroporto da Portela como ligação ponto a ponto
seria muito mau para Lisboa”, considera Vítor Costa.
Teme a distância
a que uma nova infra-estrutura aeroportuária possa ficar do centro da cidade, o
tempo perdido nessas viagens e até o custo, que receia que possa vir a ser
superior ao de uma viagem numa companhia aérea low cost. “Se a decisão for
acabar com o aeroporto da Portela e fazer um a 50 ou 70 quilómetros, há muito a
discutir. Como é que as pessoas chegam, quanto tempo demoram, como é que nós,
portugueses, temos de fazer quando vamos viajar e quanto é que isso nos vai
custar? Se a decisão for essa, não pode ser só uma decisão de engenheiros”, diz
Vítor Costa, que critica o arrastar de uma decisão que está há décadas para ser
tomada.
Obras na Portela são “urgentes"
Por agora, e
perante a discussão que se segue, o responsável do Turismo de Lisboa diz que o
mais “urgente” é avançar com as obras previstas para a Portela. “Mesmo que a
solução seja fazer em Santarém ou em Alcochete, primeiro que esteja pronto é
mais uma década. A máxima prioridade é fazer as intervenções que estão
previstas na Portela para melhorar o serviço”, nota.
O Turismo de
Lisboa não está disposto a prescindir de um aeroporto no centro da cidade. E a
Câmara de Lisboa vê também nele um “activo da cidade”.
O presidente da
Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, não concorda com uma “imediata desactivação da
Portela, pelo valor que tem para a cidade”, defendendo antes um aeroporto “com
um tráfego muito reduzido, muito seleccionado”, como foi feito em Londres.
“O problema da
Portela hoje é a quantidade de voos que tem. O meu ponto é que precisamos
rapidamente de um novo aeroporto. Tem de ser um aeroporto de proximidade, tem
de ser uma decisão rápida, tomada em 2023, para se começar em 2024”, diz o
autarca, que tem evitado dar uma opinião sobre qual deve ser a escolha final,
embora queira ser envolvido nesse processo.
“É sempre bom
mantermos um aeroporto perto da cidade. Uma coisa é termos um aeroporto como
temos hoje, que está a criar uma poluição enorme, outra coisa é ter ali um
aeroporto que pode servir com muito menos voos”, diz Carlos Moedas, que integra
a comissão de acompanhamento que fiscalizará a comissão técnica independente
responsável pelas avaliações ambientais das possíveis localizações do novo
aeroporto.
O autarca defende
também que as obras na Portela avancem rapidamente para “dar mais qualidade e
eficiência ao que já lá está”.
Um jardim na Portela?
A par das queixas
sobre o funcionamento do aeroporto, têm crescido, nos últimos anos, mais
reclamações sobre o constante ruído provocado pelos aviões que aterram e
descolam da Portela, por vezes, quase de minuto em minuto, cada vez mais cedo e
mais de noite, pondo em causa o descanso dos moradores. Recentemente, foi
criada a plataforma cívica, composta por moradores das zonas sobrevoadas pelas
aeronaves, “Aeroporto fora, Lisboa melhora” para pedir o fim dos voos nocturnos
e o encerramento definitivo da Portela.
Se pudesse
decidir, Sérgio Morais, morador em Alvalade e membro deste grupo, gostaria que
aqueles mais de 500 hectares — hoje propriedade do Estado, depois de cedidos
pelo município a troco de 286 milhões de euros — se mantivessem públicos e
fossem transformados numa zona verde, com equipamentos desportivos e culturais.
“Não seria interessante entregar a uma imobiliária e encher isto de prédios.”
Não é a primeira
vez que se ouve esta ideia de um dia, caso a Portela venha a ser desactivada,
se transformar num grande parque. De resto, em 2008, num debate sobre o estado
da cidade, quando era então liderada por António Costa, o vereador do Urbanismo
da altura, Manuel Salgado, assumia que o novo Plano Director Municipal (PDM)
iria prever um “pulmão verde” na zona do aeroporto. Ora, tal acabaria por ser
mesmo incluído no PDM, que refere que, no caso de terminar a actividade do
aeroporto da Portela, as pistas e áreas de circulação, assim como os edifícios,
devem ser objecto de um plano de pormenor “que preveja a requalificação do solo
para espaço verde, com vista à reestruturação da zona para parque urbano e à
reutilização dos edifícios existentes”.
Não seria também
a primeira vez que um aeroporto seria transformado num grande parque urbano. Em
Berlim, o antigo aeroporto de Tempelhof, encerrado em 2008, transformou-se num
grande parque urbano, pondo fim aos planos de se construírem ali prédios de
habitação. Os seus antigos hangares são, por vezes, também lugar de acolhimento
de refugiados que chegam à capital alemã.
Aeroporto, uma zona “tampão"
Pode dizer-se que
a importância do aeroporto de Lisboa para a cidade vai além da sua função de
mera infra-estrutura aeroportuária. Apesar de não ser uma zona verde, como é
Monsanto, tornou-se uma espécie de “zona tampão”, definindo áreas onde não é
possível construir acima de determinada altura, sendo hoje um dos principais
corredores de ventilação, importante para “limpar” o ar e refrescar a cidade.
“A zona do
aeroporto é fundamental para o centro da cidade para o limpar, não só para
remover poluição, como para melhorar o conforto térmico através do seu efeito”,
explicava o investigador do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território
da Universidade de Lisboa (IGOT), António Lopes, a propósito de um trabalho
sobre o impacto das ilhas e ondas de calor na cidade.
“É fácil de
entender que áreas como, por exemplo, as pistas do aeroporto são muito pouco
rugosas. Portanto, o vento penetra facilmente. Mas, depois, à medida que o
vento vai passando sobre os edifícios, começa a ter um retardamento. Começa a
diminuir a velocidade”, enquadra o investigador, que se tem dedicado a estudar
a aerodinâmica da cidade.
É por isso que
diz que terá de se ter em atenção o que se fará com aqueles terrenos um dia que
o aeroporto saia dali. Se se aumentarem radicalmente os índices de construção,
os ventos terão dificuldade em entrar, porque haverá uma espécie de barreira,
impedindo que o vento limpe e refresque a cidade.
A investigadora e
professora universitária do Departamento de Arquitectura e Urbanismo do ISCTE
Teresa Marat-Mendes não tem dúvidas de que se um dia o aeroporto sair da
Portela a pressão imobiliária sobre aqueles terrenos será “enorme”.
Colocando o
cenário da desactivação, a investigadora considera que esse terreno terá de ser
um terreno muito bem aproveitado a nível ecológico, já que é também uma “zona
privilegiada” para promover a regeneração do território. Até porque é hoje uma
área rodeada de agricultura urbana. “Sendo desocupado, o aeroporto vai precisar
de reabilitação, não só por causa da impermeabilização de algumas pistas, mas
também porque está localizado na zona Nordeste de Lisboa e promove, em termos
ecológicos, a ligação de toda uma rede existente de agricultura urbana, como o
Vale de Chelas. Há ali todo um corredor ecológico onde o próprio aeroporto
assenta”, enquadra.
Teresa
Marat-Mendes dá como exemplo a cidade de Copenhaga, na Dinamarca, conhecida
pelas suas cinturas verdes que se ligam ao centro da cidade. “O aeroporto tem a
possibilidade de oferecer green wedges [áreas verdes] à cidade de Lisboa. Já se
inicia no Vale de Chelas. É uma realidade que já está a acontecer.” E até terminar
a tal coroa que nunca chegou a ser terminada, estendendo Monsanto para a outra
ponta da cidade. “Temos ainda uma cidade cheia de retalhinhos de espaços verdes
e precisamos de a pensar de uma forma mais integrada”, afirma.
Além disso, nota,
o aeroporto está junto a uma das principais saídas da cidade e ao eixo
Lisboa-Vila Franca de Xira, que foi “um dos mais industrializados de Lisboa”.
“Há todo um espaço de indústria desocupado, e a sua articulação com estes
corredores verdes deve ser encarada como uma oportunidade” de integrar e
planear a uma escala maior. “O aeroporto não é só de Lisboa.”
Na solução
futura, a investigadora nota que será importante pensar numa boa rede de
transportes, capaz de continuar a levar os turistas para o centro da cidade. “O
nosso aeroporto, mesmo estando dentro da cidade, não foi dos exemplos mais
positivos em termos da mobilidade para os turistas. Esteve muito dependente — e
ainda está — do carro, apesar do metro. Como estávamos tão perto do centro da
cidade, os táxis serviam. Foi um problema durante muito tempo”, diz Teresa
Marat-Mendes.
É por isso que
diz que nunca se poderá olhar para o aeroporto, seja o actual ou um futuro,
unicamente do ponto de vista da infra-estrutura. “[A mobilidade] é algo que
temos de melhorar ao máximo para que estas questões da sustentabilidade não
caiam em saco roto. Pensar que se põe o aeroporto noutro sítio e que a poluição
vai acabar é errado. O que tem de se fazer é reduzir, reduzir, reduzir. Não se
pode olhar o aeroporto como um problema só por si.”
tp.ocilbup@arierom.anaitsirc
Sem comentários:
Enviar um comentário