OPINIÃO
“Se tudo subiu, porque é que as rendas não devem também
ser atualizadas?”
Alguma coisa tem de ser feita. Ou então que se dê
continuidade ao que está a ser conseguido pelo funcionamento do mercado
imobiliário: transformar Portugal num país para estrangeiros abastados, onde os
restantes não têm direito às cidades ou a uma vida condigna.
Carmo Afonso
2 de Setembro de
2022, 0:08
https://www.publico.pt/2022/09/02/opiniao/opiniao/subiu-rendas-nao-tambem-atualizadas-2019133
É previsível que
no início do próximo ano, e atendendo aos números da inflação deste ano, as
rendas aumentem 5,43%. Tratar-se-á do maior aumento dos últimos trinta anos,
num mercado que já está fora de pé para a maioria dos portugueses.
Este é um tema
muito sensível em Portugal. É certo que o congelamento das rendas levou à
degradação absurda das cidades. Importa então que olhemos para o assunto com
atenção.
Ao ministro, tido
como sendo o mais à esquerda da governação socialista, foi entregue a pasta da
Habitação. Foram boas notícias para os inquilinos e para quem,
independentemente de o ser, defende um mercado de arrendamento proporcional ao
nível de vida de quem trabalha em Portugal.
Sucede que o
resultado das dinâmicas do mercado se tem sobreposto aos de quaisquer políticas
de habitação até agora concretizadas e, como consequência desse facto, quem
vive do seu trabalho, neste país, enfrenta sérias dificuldades no acesso a
habitação condigna.
Os salários
portugueses são baixos, comparativamente aos salários europeus, e essa
diferença reflete-se no salário mínimo e no salário médio. Já o mercado
imobiliário português está ao rubro e com tendência para aquecer mais. Este
crescimento traz vantagens económicas, mas elas não chegam a todos. Pelo
contrário, afastam a maioria da possibilidade de adquirir ou de arrendar casa.
As redes sociais
estão inundadas de imagens de anúncios de quartos para arrendar, contendo
fotografias que mostram condições de habitabilidade miseráveis a preços
verdadeiramente pornográficos. Costumam ser partilhadas como piada. Só que são
reais. É o mercado a funcionar.
É neste contexto
que assistimos esta semana às declarações do presidente da Associação Nacional
de Proprietários, António Frias Marques: “Se tudo subiu, porque é que as rendas
não devem também ser atualizadas?”
A pergunta contém
a defesa do interesse próprio dos proprietários, que António Frias Marques está
incumbido de assegurar. Não querendo diabolizar essas palavras ou o seu autor,
a pergunta merece ser respondida.
Os senhorios
usufruem da possibilidade de mercantilizar a sua propriedade, reproduzindo o
capital. Não se pretende aqui fazer uma crítica a quem vive desses rendimentos.
É legal e são rendimentos legítimos e tributados que, dessa forma, também
contribuem para a redistribuição da riqueza. Partamos desse pressuposto.
Não devemos é
comparar o recebimento de rendas, que integram a categoria dos rendimentos de
capital, aos rendimentos que provêm do trabalho. Seria imoral equipará-los do
ponto de vista daquilo que representam. E claro que estes são também
rendimentos tributados e que, muito mais do que as rendas, garantem a
redistribuição da riqueza.
É na análise do
rendimento, ou valor, que um país gera, e concretamente na medição da parte que
provém do capital e da parte que provém do trabalho, que está uma possível
avaliação do estado da luta de classes. Saber, de entre a riqueza gerada, qual
fica nas mãos dos trabalhadores e qual vai remunerar o próprio capital.
Não se pode ficar
indiferente a isto. É que, desde há muito e não obstante termos nos últimos
anos uma governação de esquerda, o desequilíbrio da balança tem vindo a
acentuar-se e sobretudo no que tem a ver com salários e rendas. Ainda antes da
recente subida da inflação, o aumento dos primeiros não acompanhou o aumento
das segundas. A força do mercado foi avassaladora. Determinação política faltou
para lhe fazer frente.
Uma vez mais,
parece estar a caminhar-se no sentido inverso ao da luta contra as
desigualdades sociais; os aumentos salariais não estão, para já, a acompanhar a
evolução da inflação, mas o aumento de rendas que parece avizinhar-se, sim. Ora
a situação, neste momento e tal como está, já roça o incomportável.
Não estamos a caminhar
para uma sociedade mais justa, mas sim para uma sociedade liberal na qual a
mais ínfima intervenção do Estado, na correção do mercado, é lida como
esquerdismo radical.
Senhor presidente
da Associação Nacional de Proprietários: os inquilinos portugueses, na situação
atual, não conseguem pagar rendas mais altas. São eles, e todos os que cá
residem e que têm baixos rendimentos, que o Estado Português deve privilegiar
quando legisla.
Alguma coisa tem
de ser feita; aumentar os salários ou limitar o aumento das rendas. Novas
políticas de habitação também seriam bem-vindas. Ou então que se dê
continuidade ao que está a ser conseguido pelo funcionamento do mercado
imobiliário: transformar Portugal num país para estrangeiros abastados, onde os
restantes não têm direito às cidades ou a uma vida condigna.
A autora escreve
segundo o novo acordo ortográfico
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