segunda-feira, 26 de setembro de 2022

O “ano extraordinário” de Moedas foi uma “semidesilusão” para os cidadãos

 



UM ANO DEPOIS DAS AUTÁRQUICAS

O “ano extraordinário” de Moedas foi uma “semidesilusão” para os cidadãos

 

Para Moedas, foi um “ano extraordinário”; para a oposição, foi revelador de uma “navegação à vista”. Os embates e as conquistas do primeiro ano de gestão de Carlos Moedas na Câmara de Lisboa.

 

Cristiana Faria Moreira (Texto), Luciano Alvarez (Texto) e Daniel Rocha (Fotografia)

26 de Setembro de 2022, 5:50

https://www.publico.pt/2022/09/26/local/noticia/ano-extraordinario-moedas-semidesilusao-cidadaos-2021754

 

No primeiro dia como presidente eleito da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas foi almoçar com os trabalhadores da higiene urbana da capital. Prometera-lhes isso ainda em campanha e, no dia seguinte à vitória, cumpriu-a. Nesse dia, talvez não esperasse que esse se tornaria um dos maiores desafios deste primeiro ano de mandato.

 

A cidade, diz quem nela vive e trabalha, está mais suja. São evidentes as sucessivas falhas na recolha e os sacos de lixo que ficam demasiado tempo amontoados nas ruas e à porta de prédios. Moedas respondeu com a contratação de mais 190 trabalhadores e com um subsídio de penosidade e insalubridade. Será suficiente?

 

Este foi um dos grandes problemas que o presidente da Câmara de Lisboa teve (e terá) de enfrentar naquele que resume como um “ano extraordinário”. “Foi um ano extraordinário ao nível do que conseguimos, das decisões que tomámos e das concretizações”, afirma Carlos Moedas, com visível entusiasmo, em conversa com o PÚBLICO.

 

Mas este foi também “um ano difícil”, assume, pelo facto de os dois mil votos que teve a mais do que Fernando Medina não terem chegado para que tivesse maioria no executivo, deixando-o por isso à mercê da oposição para fazer passar as suas propostas. “Estar a governar uma câmara em minoria com a oposição em bloqueios constantes foi difícil.”

 

Este último ano foi marcado pela luta partidária. Apesar das promessas de diálogo, Moedas foi sempre crítico da oposição, quando esta chumbava algumas das suas propostas. Acusou-a mesmo, em diversas ocasiões, “de não compreender” que fora ele o vencedor das eleições.

 

“Até há bem pouco tempo, não tinham percebido isso, o que criava uma relação muito difícil com a oposição. Neste momento, até pela nova composição dos vereadores, uma vez que há uns que saíram, ou não estão tão presentes, já há uma aceitação. Passamos da negação para a aceitação”, diz o autarca, numa clara referência ao vereador João Paulo Saraiva, que era “vice” de Medina, e que foi nomeado administrador executivo no Metropolitano de Lisboa, afastando-se assim da liderança do grupo de vereadores socialistas.

 

Para a oposição, essas acusações de “bloqueio constante” não passam de uma “desculpa” e de uma “vitimização”. “Vai ficando cada vez mais claro que essa desculpa é uma cortina de fumo para tentar esconder uma incapacidade própria”, considera o vereador do PCP, João Ferreira. “O presidente viu aprovados os principais instrumentos de gestão, como o orçamento. O PS viabilizou todos. Podemos contar pelos dedos de uma mão propostas que tenham sido rejeitadas e ainda sobram dedos”, diz o comunista.

 

Que embates teve, afinal, o autarca neste primeiro ano de mandato? Por altura da votação do primeiro orçamento de Moedas, o PS pediu o adiamento da sua votação por ter encontrado um “erro técnico”, embora nunca tenha estado em cima da mesa o seu chumbo. No entanto, criou-se um facto político à volta desse momento. No fim das contas, o orçamento de 1,16 mil milhões foi aprovado com os votos a favor de PSD-CDS e a abstenção dos socialistas.

 

A oposição barrou também uma proposta de alteração ao Programa de Renda Acessível (PRA) que previa dar preferência às pessoas que vivem ou que viveram em Lisboa na candidatura. Depois, por iniciativa do PS, a esquerda uniu-se para suspender os novos registos de alojamento local contra a vontade dos Novos Tempos de Moedas.

 

A que ocupou mais espaço nas televisões e nos jornais foi, porém, a polémica com a ciclovia da Avenida Almirante Reis. O presidente da câmara queria acabar com esta via ciclável, depois fez várias sessões públicas para “ouvir as pessoas”, terminando com um projecto de reformulação. A oposição protestou, propôs que se fizesse uma consulta pública, e Moedas, mesmo com a garantia de que o seu projecto passaria com a mão do PS, preferiu manter tudo como estava, atirando para o “longo prazo” uma nova solução para a ciclovia.

 

Por essa altura, o Livre apresentou também uma proposta com uma série de medidas para reduzir o uso do automóvel na cidade: diminuir em 10km/h a velocidade máxima de circulação permitida ou cortar o trânsito automóvel na Avenida da Liberdade (e em pelo menos uma rua de cada freguesia) todos os domingos e feriados. A oposição uniu-se e aprovou a proposta, valendo-lhe as tais acusações de bloqueio à governação e um rol de queixas repetido à exaustão por comerciantes e agentes culturais, seguidos de Moedas. Até agora, porém, nada avançou.

 

“O que vimos foi uma grande vitimização da câmara. Parece não haver nenhuma ideia para a cidade e nenhuma vontade de aproveitar as ideias que a oposição traz à câmara e que são aprovadas”, critica o vereador do Livre, Rui Tavares, subscritor desta iniciativa.

 

 Entre os outros partidos, as críticas são semelhantes. “Moedas tem todas as condições para governar. Que governe, que seja activo na apresentação das propostas que tem para a cidade e que as coloque ao escrutínio e ao debate democrático”, diz, por sua vez, a vereadora do Bloco de Esquerda, Beatriz Gomes Dias.

 

A grande conquista: transportes públicos

Apesar das acusações de bloqueio, a oposição acabaria por dar a mão — não sem reparos — e aprovar por unanimidade uma das medidas-bandeira de Moedas: os transportes públicos gratuitos para jovens e seniores. É essa que o engenheiro civil de 52 anos destaca como marca deste primeiro ano: “É uma medida única.” E recorda que isso já aconteceu noutras cidades europeias e até portuguesas, mas, acentua, “Lisboa é a primeira grande capital que consegue implementar o sistema”.

 

Há outra medida que, “pelo simbolismo”, Moedas diz marcar também o seu primeiro ano no município: a devolução de 3% do IRS aos lisboetas. “As câmaras não deviam receber o IRS. O que quero é, se conseguir, ir aumentando essa devolução até ao final do mandato e chegar aos 5%”, revela.

 

“É uma opção de não encaixar receita. Como é também uma opção prescindir de taxas como no Rock in Rio ou no Kalorama”, critica, por sua vez, a vereadora independente Paula Marques.

 

Para a eleita, que no anterior mandato tinha o pelouro da Habitação, este primeiro ano revelou-se um “exemplo de navegação à vista, mais pensado para a parangona e para o outdoor”. “Há um programa eleitoral e há medidas que vão sendo apresentadas avulso. Se me perguntar por uma visão estrutural de cidade, eu ainda não a consegui ver”, diz, dando como exemplo os problemas com a higiene urbana e “as questões do ambiente que eram a bandeira defendida quando Carlos Moedas estava em Bruxelas”, e que não têm tido concretização.

 

Os vereadores socialistas falam de um mandato com as “prioridades erradas”, considerando ser urgente retomar “os projectos do Programa de Renda Acessível que a autarquia tinha prontos a avançar, envolvendo cerca de 2000 casas” — como as 400 casas no Alto do Restelo ou as 580 em Marvila.

 

Acusam Moedas de ser “um presidente sem ambição, também na área da mobilidade, onde governa em sentido contrário ao de todas as principais cidades europeias, recusando-se a implementar medidas que diminuam a dependência do automóvel privado”.

 

No geral, a oposição diz que este foi um ano que demonstrou a falta de uma “visão para a cidade” e “uma clara incapacidade e impreparação para resolver problemas-chave da cidade” — que não são novos.

 

“Não há um aumento na oferta pública de habitação. Há uma absoluta paralisia relativamente ao Programa de Renda Acessível. A requalificação dos bairros municipais está atrasada. Na resposta à emergência climática precisamos de avançar das redes dedicadas aos utilizadores de bicicleta e criar zonas ZER”, enumera a vereadora bloquista, Beatriz Gomes Dias.

 

Além de procurar soluções para todas estas áreas, Moedas terá muitas dores de cabeça nos anos que se seguem. Será ele a executar o Plano Geral de Drenagem, que terá vários pontos de obra pela cidade, com expectáveis constrangimentos para gerir nos próximos anos. Será uma obra “marcante” no mandato.

 

“Há anos que se fala nesse plano. Conseguirmos dar início a esta obra, que é uma das maiores em termos de adaptação às mudanças. É a maior obra de iniciativa municipal de todos os tempos, com um valor de 250 milhões de euros”, diz o autarca, que quer também fazer do combate às alterações climáticas uma luta que “marcará o mandato”. “Tanto com o Plano Geral de Drenagem, como com outras medidas que temos estado a tomar — como a lavagem das ruas com água usada, em vez de água potável —, e que fazem de Lisboa uma das cidades que mais estão a fazer no combate às alterações climáticas”, diz.

 

Terá ainda de organizar parte da Jornada Mundial da Juventude. A câmara assumiu ser capaz de investir mais de 30 milhões de euros, já depois de ter resolvido o diferendo que opôs o município ao Governo, quanto às respectivas responsabilidades na organização do evento. E depois de a aprovação da verba ter estado em suspenso na assembleia municipal, quando o próprio grupo municipal do PSD se absteve numa proposta sobre o tema, levando a que fosse rejeitada. Tudo se resolveu na semana seguinte, mas ficou um momento de embaraço para a gestão Novos Tempos.

 

Terá também de pôr em marcha o pacote anti-inflação, aprovado na semana passada, pôr a limpeza urbana em ordem, decidir o que fará com a Almirante Reis e com a enchente de trotinetes que ocupa as ruas da cidade — segundo a autarquia, já está a ser elaborado um regulamento, mas só para meados do próximo ano haverá novidades. Terá de estudar como ter mais casas a preços comportáveis e como tirar carros da cidade. E ainda procurar um lugar na discussão sobre o novo aeroporto.

 

Volvido um ano de nova gestão, e de um curto “estado de graça”, a associação de cidadãos Fórum Cidadania Lx considera que sobra uma “semidesilusão”. Paulo Ferrero, presidente desta associação, que se foca essencialmente em questões de património, urbanismo e espaço público, aponta uma série de falhas em assuntos que deveriam ter tido “uma lufada de ar fresco”.

 

“O regulamento do arvoredo continua por cumprir. Na mobilidade, não há ainda capacidade para controlar a circulação das trotinetes, e as ciclovias mal concebidas continuam por corrigir. No urbanismo, sei que a herança era pesada, mas não me parece que esteja a ter grandes correcções. Há edifícios propriedade da câmara ao abandono. Cada vez há menos informação sobre os projectos urbanísticos. A transparência era para encher, parece-me”, critica. “Tínhamos a expectativa de que mudasse radicalmente a postura, mas não mudou nada.”

 

Paulo Ferrero também gostaria de ouvir o que o autarca tem a dizer sobre o prolongamento da Linha Vermelha do metropolitano. “Há uma postura de quase subserviência em relação ao projecto”, diz o presidente do Fórum Cidadania Lx, preocupado com os impactos que a obra terá no Baluarte do Livramento, que é património municipal. Gostaria ainda que pusesse em marcha o plano de salvaguarda da Tapada das Necessidades e que tivesse uma “opinião forte” junto do Governo sobre o destino a dar ao complexo do antigo Hospital Miguel Bombarda, para onde se prevê um hotel, habitação e uma escola.

 

“Fui talhado para isto”

No arranque para este segundo ano de mandato, Carlos Moedas quer avançar com a criação de um plano de saúde para os lisboetas seniores, que é também uma das suas bandeiras eleitorais. “[Este plano] não pretende substituir nada” já existente em matéria de saúde, mas sim “ser um complemento”, diz o autarca.

 

“Espero que os meus colegas vereadores da oposição percebam que este plano não tem nada de ideológico, mas que é uma coisa para resolver a vida de tantos lisboetas. O Estado social nacional é cada vez mais débil e têm de ser as câmaras a complementar esse Estado social”, afirma.

 

Carlos Moedas não é um novato na política. Já foi deputado, secretário de Estado, comissário europeu e desempenhou cargos importantes no seu partido. E pôs fim a 14 anos de governação socialista na Câmara de Lisboa. Nunca terá tido tanta notoriedade pública no país como a que tem desde que chefia a câmara da capital. Mas, por agora, diz estar focado em Lisboa. “Estou mesmo a gostar de ser presidente da Câmara Municipal de Lisboa. O trabalho é imenso, mas estou mesmo a gostar. Acho que fui talhado para isto.”

 

As 12 medidas do programa de Moedas

Quando apresentou o seu programa eleitoral, Carlos Moedas escolheu 12 "promessas" para nortear a sua governação. Destas, “sete ou oito já foram feitas ou estão em concretização”, diz o autarca. Por agora, os prometidos transportes públicos gratuitos para residentes menores de 23 e maiores de 65 estão cumpridos. E o IRS já começou a ser progressivamente devolvido, mas ainda não chegou aos 5%. As outras estão ainda em desenvolvimento ou não foram lançadas. Estas são as 12 grandes ideias de Moedas:

 

1. Lisboa capital de inovação: uma fábrica de unicórnios;

 

2. Eliminar a barreira ferroviária entre a cidade e o Tejo;

 

3. Criar o centro mundial da economia do mar na cidade;

 

4. Programa Recuperar+: cheques reabertura empresas;

 

5. O Parque Mayer como ponto de encontro da cultura, da ciência e das artes;

 

6. Descontos 50% no estacionamento Emel para residentes em toda a cidade;

 

7. Aumentar a habitação para jovens em Lisboa: isenção de IMT na compra de habitação própria até 35 anos e transformação devolutos em residências para jovens;

 

8. Devolver o máximo possível do IRS (5%);

 

9. Seguro de saúde gratuito para os mais carenciados acima de 65 anos;

 

10. Transportes públicos gratuitos para residentes menores de 23 e maiores de 65;

 

11. Licenciamentos urbanísticos transparentes, até seis meses;

 

12. Um teatro em cada freguesia - os espaços Lxis.

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