UM ANO DEPOIS DAS
AUTÁRQUICAS
O “ano extraordinário” de Moedas foi uma “semidesilusão”
para os cidadãos
Para Moedas, foi um “ano extraordinário”; para a
oposição, foi revelador de uma “navegação à vista”. Os embates e as conquistas
do primeiro ano de gestão de Carlos Moedas na Câmara de Lisboa.
Cristiana Faria Moreira
(Texto), Luciano Alvarez (Texto) e Daniel Rocha (Fotografia)
26 de Setembro de
2022, 5:50
No primeiro dia
como presidente eleito da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas foi almoçar com os
trabalhadores da higiene urbana da capital. Prometera-lhes isso ainda em
campanha e, no dia seguinte à vitória, cumpriu-a. Nesse dia, talvez não
esperasse que esse se tornaria um dos maiores desafios deste primeiro ano de
mandato.
A cidade, diz
quem nela vive e trabalha, está mais suja. São evidentes as sucessivas falhas
na recolha e os sacos de lixo que ficam demasiado tempo amontoados nas ruas e à
porta de prédios. Moedas respondeu com a contratação de mais 190 trabalhadores
e com um subsídio de penosidade e insalubridade. Será suficiente?
Este foi um dos
grandes problemas que o presidente da Câmara de Lisboa teve (e terá) de
enfrentar naquele que resume como um “ano extraordinário”. “Foi um ano
extraordinário ao nível do que conseguimos, das decisões que tomámos e das
concretizações”, afirma Carlos Moedas, com visível entusiasmo, em conversa com
o PÚBLICO.
Mas este foi
também “um ano difícil”, assume, pelo facto de os dois mil votos que teve a
mais do que Fernando Medina não terem chegado para que tivesse maioria no
executivo, deixando-o por isso à mercê da oposição para fazer passar as suas
propostas. “Estar a governar uma câmara em minoria com a oposição em bloqueios
constantes foi difícil.”
Este último ano
foi marcado pela luta partidária. Apesar das promessas de diálogo, Moedas foi
sempre crítico da oposição, quando esta chumbava algumas das suas propostas.
Acusou-a mesmo, em diversas ocasiões, “de não compreender” que fora ele o
vencedor das eleições.
“Até há bem pouco
tempo, não tinham percebido isso, o que criava uma relação muito difícil com a
oposição. Neste momento, até pela nova composição dos vereadores, uma vez que
há uns que saíram, ou não estão tão presentes, já há uma aceitação. Passamos da
negação para a aceitação”, diz o autarca, numa clara referência ao vereador
João Paulo Saraiva, que era “vice” de Medina, e que foi nomeado administrador
executivo no Metropolitano de Lisboa, afastando-se assim da liderança do grupo
de vereadores socialistas.
Para a oposição,
essas acusações de “bloqueio constante” não passam de uma “desculpa” e de uma
“vitimização”. “Vai ficando cada vez mais claro que essa desculpa é uma cortina
de fumo para tentar esconder uma incapacidade própria”, considera o vereador do
PCP, João Ferreira. “O presidente viu aprovados os principais instrumentos de
gestão, como o orçamento. O PS viabilizou todos. Podemos contar pelos dedos de
uma mão propostas que tenham sido rejeitadas e ainda sobram dedos”, diz o
comunista.
Que embates teve,
afinal, o autarca neste primeiro ano de mandato? Por altura da votação do
primeiro orçamento de Moedas, o PS pediu o adiamento da sua votação por ter
encontrado um “erro técnico”, embora nunca tenha estado em cima da mesa o seu
chumbo. No entanto, criou-se um facto político à volta desse momento. No fim
das contas, o orçamento de 1,16 mil milhões foi aprovado com os votos a favor
de PSD-CDS e a abstenção dos socialistas.
A oposição barrou
também uma proposta de alteração ao Programa de Renda Acessível (PRA) que
previa dar preferência às pessoas que vivem ou que viveram em Lisboa na
candidatura. Depois, por iniciativa do PS, a esquerda uniu-se para suspender os
novos registos de alojamento local contra a vontade dos Novos Tempos de Moedas.
A que ocupou mais
espaço nas televisões e nos jornais foi, porém, a polémica com a ciclovia da
Avenida Almirante Reis. O presidente da câmara queria acabar com esta via
ciclável, depois fez várias sessões públicas para “ouvir as pessoas”,
terminando com um projecto de reformulação. A oposição protestou, propôs que se
fizesse uma consulta pública, e Moedas, mesmo com a garantia de que o seu
projecto passaria com a mão do PS, preferiu manter tudo como estava, atirando
para o “longo prazo” uma nova solução para a ciclovia.
Por essa altura,
o Livre apresentou também uma proposta com uma série de medidas para reduzir o
uso do automóvel na cidade: diminuir em 10km/h a velocidade máxima de
circulação permitida ou cortar o trânsito automóvel na Avenida da Liberdade (e
em pelo menos uma rua de cada freguesia) todos os domingos e feriados. A
oposição uniu-se e aprovou a proposta, valendo-lhe as tais acusações de
bloqueio à governação e um rol de queixas repetido à exaustão por comerciantes
e agentes culturais, seguidos de Moedas. Até agora, porém, nada avançou.
“O que vimos foi
uma grande vitimização da câmara. Parece não haver nenhuma ideia para a cidade
e nenhuma vontade de aproveitar as ideias que a oposição traz à câmara e que
são aprovadas”, critica o vereador do Livre, Rui Tavares, subscritor desta
iniciativa.
A grande
conquista: transportes públicos
Apesar das
acusações de bloqueio, a oposição acabaria por dar a mão — não sem reparos — e
aprovar por unanimidade uma das medidas-bandeira de Moedas: os transportes
públicos gratuitos para jovens e seniores. É essa que o engenheiro civil de 52
anos destaca como marca deste primeiro ano: “É uma medida única.” E recorda que
isso já aconteceu noutras cidades europeias e até portuguesas, mas, acentua,
“Lisboa é a primeira grande capital que consegue implementar o sistema”.
Há outra medida
que, “pelo simbolismo”, Moedas diz marcar também o seu primeiro ano no
município: a devolução de 3% do IRS aos lisboetas. “As câmaras não deviam
receber o IRS. O que quero é, se conseguir, ir aumentando essa devolução até ao
final do mandato e chegar aos 5%”, revela.
“É uma opção de
não encaixar receita. Como é também uma opção prescindir de taxas como no Rock
in Rio ou no Kalorama”, critica, por sua vez, a vereadora independente Paula
Marques.
Para a eleita,
que no anterior mandato tinha o pelouro da Habitação, este primeiro ano
revelou-se um “exemplo de navegação à vista, mais pensado para a parangona e
para o outdoor”. “Há um programa eleitoral e há medidas que vão sendo
apresentadas avulso. Se me perguntar por uma visão estrutural de cidade, eu
ainda não a consegui ver”, diz, dando como exemplo os problemas com a higiene
urbana e “as questões do ambiente que eram a bandeira defendida quando Carlos
Moedas estava em Bruxelas”, e que não têm tido concretização.
Os vereadores
socialistas falam de um mandato com as “prioridades erradas”, considerando ser
urgente retomar “os projectos do Programa de Renda Acessível que a autarquia
tinha prontos a avançar, envolvendo cerca de 2000 casas” — como as 400 casas no
Alto do Restelo ou as 580 em Marvila.
Acusam Moedas de
ser “um presidente sem ambição, também na área da mobilidade, onde governa em
sentido contrário ao de todas as principais cidades europeias, recusando-se a
implementar medidas que diminuam a dependência do automóvel privado”.
No geral, a
oposição diz que este foi um ano que demonstrou a falta de uma “visão para a
cidade” e “uma clara incapacidade e impreparação para resolver problemas-chave
da cidade” — que não são novos.
“Não há um
aumento na oferta pública de habitação. Há uma absoluta paralisia relativamente
ao Programa de Renda Acessível. A requalificação dos bairros municipais está
atrasada. Na resposta à emergência climática precisamos de avançar das redes
dedicadas aos utilizadores de bicicleta e criar zonas ZER”, enumera a vereadora
bloquista, Beatriz Gomes Dias.
Além de procurar
soluções para todas estas áreas, Moedas terá muitas dores de cabeça nos anos
que se seguem. Será ele a executar o Plano Geral de Drenagem, que terá vários
pontos de obra pela cidade, com expectáveis constrangimentos para gerir nos
próximos anos. Será uma obra “marcante” no mandato.
“Há anos que se
fala nesse plano. Conseguirmos dar início a esta obra, que é uma das maiores em
termos de adaptação às mudanças. É a maior obra de iniciativa municipal de
todos os tempos, com um valor de 250 milhões de euros”, diz o autarca, que quer
também fazer do combate às alterações climáticas uma luta que “marcará o
mandato”. “Tanto com o Plano Geral de Drenagem, como com outras medidas que
temos estado a tomar — como a lavagem das ruas com água usada, em vez de água
potável —, e que fazem de Lisboa uma das cidades que mais estão a fazer no
combate às alterações climáticas”, diz.
Terá ainda de
organizar parte da Jornada Mundial da Juventude. A câmara assumiu ser capaz de
investir mais de 30 milhões de euros, já depois de ter resolvido o diferendo
que opôs o município ao Governo, quanto às respectivas responsabilidades na
organização do evento. E depois de a aprovação da verba ter estado em suspenso
na assembleia municipal, quando o próprio grupo municipal do PSD se absteve
numa proposta sobre o tema, levando a que fosse rejeitada. Tudo se resolveu na
semana seguinte, mas ficou um momento de embaraço para a gestão Novos Tempos.
Terá também de
pôr em marcha o pacote anti-inflação, aprovado na semana passada, pôr a limpeza
urbana em ordem, decidir o que fará com a Almirante Reis e com a enchente de
trotinetes que ocupa as ruas da cidade — segundo a autarquia, já está a ser
elaborado um regulamento, mas só para meados do próximo ano haverá novidades.
Terá de estudar como ter mais casas a preços comportáveis e como tirar carros
da cidade. E ainda procurar um lugar na discussão sobre o novo aeroporto.
Volvido um ano de
nova gestão, e de um curto “estado de graça”, a associação de cidadãos Fórum
Cidadania Lx considera que sobra uma “semidesilusão”. Paulo Ferrero, presidente
desta associação, que se foca essencialmente em questões de património,
urbanismo e espaço público, aponta uma série de falhas em assuntos que deveriam
ter tido “uma lufada de ar fresco”.
“O regulamento do
arvoredo continua por cumprir. Na mobilidade, não há ainda capacidade para
controlar a circulação das trotinetes, e as ciclovias mal concebidas continuam
por corrigir. No urbanismo, sei que a herança era pesada, mas não me parece que
esteja a ter grandes correcções. Há edifícios propriedade da câmara ao
abandono. Cada vez há menos informação sobre os projectos urbanísticos. A
transparência era para encher, parece-me”, critica. “Tínhamos a expectativa de
que mudasse radicalmente a postura, mas não mudou nada.”
Paulo Ferrero também
gostaria de ouvir o que o autarca tem a dizer sobre o prolongamento da Linha
Vermelha do metropolitano. “Há uma postura de quase subserviência em relação ao
projecto”, diz o presidente do Fórum Cidadania Lx, preocupado com os impactos
que a obra terá no Baluarte do Livramento, que é património municipal. Gostaria
ainda que pusesse em marcha o plano de salvaguarda da Tapada das Necessidades e
que tivesse uma “opinião forte” junto do Governo sobre o destino a dar ao
complexo do antigo Hospital Miguel Bombarda, para onde se prevê um hotel,
habitação e uma escola.
“Fui talhado para
isto”
No arranque para
este segundo ano de mandato, Carlos Moedas quer avançar com a criação de um
plano de saúde para os lisboetas seniores, que é também uma das suas bandeiras
eleitorais. “[Este plano] não pretende substituir nada” já existente em matéria
de saúde, mas sim “ser um complemento”, diz o autarca.
“Espero que os meus
colegas vereadores da oposição percebam que este plano não tem nada de
ideológico, mas que é uma coisa para resolver a vida de tantos lisboetas. O
Estado social nacional é cada vez mais débil e têm de ser as câmaras a
complementar esse Estado social”, afirma.
Carlos Moedas não
é um novato na política. Já foi deputado, secretário de Estado, comissário
europeu e desempenhou cargos importantes no seu partido. E pôs fim a 14 anos de
governação socialista na Câmara de Lisboa. Nunca terá tido tanta notoriedade
pública no país como a que tem desde que chefia a câmara da capital. Mas, por
agora, diz estar focado em Lisboa. “Estou mesmo a gostar de ser presidente da
Câmara Municipal de Lisboa. O trabalho é imenso, mas estou mesmo a gostar. Acho
que fui talhado para isto.”
As 12 medidas do
programa de Moedas
Quando apresentou
o seu programa eleitoral, Carlos Moedas escolheu 12 "promessas" para
nortear a sua governação. Destas, “sete ou oito já foram feitas ou estão em
concretização”, diz o autarca. Por agora, os prometidos transportes públicos
gratuitos para residentes menores de 23 e maiores de 65 estão cumpridos. E o
IRS já começou a ser progressivamente devolvido, mas ainda não chegou aos
5%. As outras estão ainda em desenvolvimento ou não foram lançadas. Estas
são as 12 grandes ideias de Moedas:
1. Lisboa capital
de inovação: uma fábrica de unicórnios;
2. Eliminar a
barreira ferroviária entre a cidade e o Tejo;
3. Criar o centro
mundial da economia do mar na cidade;
4. Programa
Recuperar+: cheques reabertura empresas;
5. O Parque Mayer
como ponto de encontro da cultura, da ciência e das artes;
6. Descontos 50%
no estacionamento Emel para residentes em toda a cidade;
7. Aumentar a
habitação para jovens em Lisboa: isenção de IMT na compra de habitação
própria até 35 anos e transformação devolutos em residências para jovens;
8. Devolver o
máximo possível do IRS (5%);
9. Seguro de
saúde gratuito para os mais carenciados acima de 65 anos;
10. Transportes
públicos gratuitos para residentes menores de 23 e maiores de 65;
11.
Licenciamentos urbanísticos transparentes, até seis meses;
12. Um teatro em
cada freguesia - os espaços Lxis.
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