sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

O desastrado processo da nomeação do chefe do Estado-Maior da Armada

 


José Pacheco Pereira

Professor

Ontem

https://www.sabado.pt/opiniao/cronistas/pacheco-pereira/detalhe/alguma-coisa-de-estranho-no-almirante-das-vacinas?fbclid=IwAR2cW5BzvKaC7t9S05oPeE7dSCifjARaR7hJ7623fV2fFfEeOG4DrNK0_WI

 

Alguma coisa de estranho no “Almirante das vacinas”

 

Dois ou três anos de restrições intermitentes, regras moderadas e quase sempre violadas, parecem atirar com toda a gente para a Psiquiatria. Estou a falar de uma parte da burguesia, pequena e média, urbana, fechada num egoísmo individual.

 

Como toda a gente congratulei-me pela boa gestão do processo das vacinas pelo vice-almirante Gouveia e Melo. Nunca foi pela farda, que pelos comentários, uns populistas outros irresponsáveis vindos de quem vêm, reforça o perigoso sentimento dos militares eficientes versus os políticos incompetentes. Manifestei essas reservas aqui mesmo. Por outro lado, elogiei-o pela atitude de confrontar uns negacionistas que lhe apareceram à frente em vez de fazer de conta que eles não existiam ou fugir pela porta do fundo.

 

Mas, depois de terminar essa missão, e transformado no "homem do ano", com o nosso habitual embasbacamento e ligeireza sebastianista, veio ao de cima uma espécie de vaidade e ambição pura que, essa sim, me preocupa. Não porque entenda que qualquer cidadão não tenha o direito de ter opiniões políticas e actuar em função delas, incluindo fazer um partido ou movimento e concorrer às eleições. Mas estamos perante um militar que foi nomeado para chefe da Armada, por razões estritamente políticas e que, nem que seja por esse cargo, devia moderar a tentação de, criticando os que se lhe seguiram, se engrandecer a si próprio. Se quer criar um movimento cívico, se quer explicar como se situa entre a esquerda e a direita (comparando percebe-se que está mais à direita do que à esquerda), se quer vir a ser candidato presidencial, tudo muito bem. Mas nesse caso não aceite as funções de chefe do Estado-Maior da Armada.(…)

 


OPINIÃO

O desastrado processo da nomeação do chefe do Estado-Maior da Armada

 

Tudo isto é muito doloroso de escrever, mas seria vantajoso que deste enorme erro se tirassem lições para o futuro. Será deste modo que os principais responsáveis deste processo (ministro da Defesa e chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas) querem dirigir as FA? E julgam que são respeitados?

 

José Eduardo Garcia Leandro

30 de Dezembro de 2021, 18:50

https://www.publico.pt/2021/12/30/opiniao/opiniao/desastrado-processo-nomeacao-chefe-estadomaior-armada-1990182

 

Já com 81 anos e depois de 1976, nunca assisti a um processo tão desastrado como o que ocorreu com a novela que o atual Governo protagonizou com a nomeação do novo chefe do Estado-Maior da Armada, embora muitos incidentes desnecessários tenham acontecido noutras ocasiões. Ninguém que eu conheça ou que tenha ouvido sabe bem o que se passou e as pessoas dividem-se em dois grupos: os que nada perceberam; e os que pensam ter percebido e que são profundamente contra.

 

Os almirantes Mendes Calado e Gouveia e Melo, se bem que centrais e importantes neste processo, não são o foco do problema. A competência e a carreira de qualquer um deles não estão em causa. As Forças Armadas não se regem pelo comportamento dos partidos políticos, nem se gerem do mesmo modo; não se chega a general ou almirante com a mesma facilidade com que se é nomeado ministro ou se é eleito deputado, pois o mérito, o sentido da responsabilidade de comando desde muito novo, a avaliação permanente, o sentido de Estado e a experiência ganha ao longo de muitos anos fazem a diferença. É claro que também há exceções a esta norma habitual. E nunca houve o circo mediático que agora surgiu!

 

O que está aqui verdadeiramente em causa é o facto de alguns políticos com enormes responsabilidades não perceberem as diferenças (ou não as quererem perceber) e permanentemente desvalorizarem e menorizarem as suas Forças Armadas. Não se substitui um chefe militar como acontece nos ministérios e nos partidos políticos.

 

Não se chega a general ou almirante com a mesma facilidade com que se é nomeado ministro ou se é eleito deputado (...). . Não se substitui um chefe militar como acontece nos ministérios e nos partidos políticos

 

Neste caso concreto, o almirante Gouveia e Melo fez um trabalho excecional como coordenador de todo o sistema da vacinação anticovid-19 e a população ficou deslumbrada, porque até aí tudo estava a correr mal, o Governo estava perdido e depois passou a correr com grande eficiência. Mas depois ele foi arrastado para a armadilha das entrevistas e homenagens repetidas e abriu-se demais sobre assuntos que não lhe competiam e em que devia ter mais prudência.

 

O almirante Mendes Calado cumpria com discrição e eficiência a sua missão de CEMA tendo (parece) admitido sair mais cedo da sua função (situação que só se poria no 3.º trimestre de 2022). Em setembro deste ano, o senhor ministro da Defesa Nacional resolveu propor a sua substituição, o que não o ocorreu por oposição do nosso Presidente, mas em dezembro aquilo que fora recusado três meses antes passou a ser válido e Mendes Calado foi simplesmente despedido. Tem isto algum sentido? Nem sequer se punha a questão do limite de idade de Gouveia e Melo que só acontece em novembro de 2022. E não há alta condecoração, ainda que justa, que resolva esta ofensa contra o Estado de Direito e à dignidade da pessoa e das Forças Armadas. Todos somos o Almirante Calado!

 

O general Ramalho Eanes (sempre uma referência ética e a quem o país muito deve) lembrou no seu discurso de 7 de outubro no IUM (Instituto Universitário Militar) as dificuldades que houve para se ultrapassar o PREC e defendeu que não deveríamos, com uma renovada LOBOFA (Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas) - muito mal preparada - deixar cair num processo semelhante. Os resultados estão à vista.

 

Não há alta condecoração, ainda que justa, que resolva esta ofensa contra o Estado de Direito e à dignidade da pessoa e das Forças Armadas. Todos somos o Almirante Calado!

 

Ainda recentemente o senhor primeiro-ministro declarou que agora a população compreende muito melhor as Forças Armadas pela sua importância nas missões externas, na proteção civil e na vacinação anticovid. Pergunta: foi a população ou foi ele que as descobriu e compreendeu melhor? Mas continua a dar cobertura a decisões que as desvalorizam.

 

Agora o novo CEMA vai encontrar uma Marinha dividida, quando precisaria de unidade.

 

E se, com a sua forte personalidade, verificar que tudo o que pretende fazer na Marinha, que envolverá meios e pessoal, não vai acontecer? Ainda pode bater com a porta e dedicar-se a outras atividades. Vamos esperar para ver, até porque, se houver mais meios para a Marinha, tal tem também de acontecer com o Exército e com a Força Aérea.

 

E porquê toda esta urgência do nosso primeiro-ministro em propor esta nomeação apenas um mês antes das eleições legislativas, o que aparentemente não tem explicação. Será que tem receio de perder as eleições e que depois as suas promessas a Gouveia e Melo não se concretizem?

 

Será de lembrar que o ciclo das Forças Armadas nada tem a ver com os ciclos políticos; estas são apartidárias e cumprem sempre a sua missão independentemente do Governo em funções. Gostaria de lembrar que, com a V República Francesa, e em sequência dos Presidentes De Gaulle, Pompidou e Giscard d’Estaing, correspondentes a uma linha política republicana conservadora, foi eleito Miterrand, socialista e muito crítico do primeiro, que não substituiu ninguém da estrutura superior das Forças armadas; só saiu o almirante Phillipe de Gaulle, filho do primeiro e a seu pedido.

 

Porquê toda a urgência do nosso primeiro-ministro em propor esta nomeação apenas um mês antes das eleições legislativas?

 

Tudo isto é muito doloroso de escrever, mas seria vantajoso que deste enorme erro se tirassem lições para o futuro. Será deste modo que os principais responsáveis deste processo (ministro da Defesa Nacional e chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas) querem dirigir as FA? E julgam que são respeitados?

 

Seria bom não esquecer que as pessoas vão passando, mas os seus erros ficam. O tempo é sempre o Grande Juiz! Vamos esperar, mas os primeiros resultados estão à vista; em pouco menos de um ano, seria impossível fazer pior.

 

Tenente-general na reserva. Antigo vice-chefe do Estado-Maior do Exército. Governador de Macau (1974-79). Antigo director do Instituto de Altos Estudos Militares e do Instituto da Defesa Nacional

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