segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Os boys assaltaram o Estado e agora pagamos o preço

 



OPINIÃO CORONAVÍRUS

Os boys assaltaram o Estado e agora pagamos o preço

 

A vacinação contra a covid é a campanha mais importante da carreira política de António Costa. Escolher o senhor Ramos para a liderar diz tudo acerca do estado a que o Estado chegou.

 

João Miguel Tavares

2 de Fevereiro de 2021, 0:00

https://www.publico.pt/2021/02/02/opiniao/opiniao/boys-assaltaram-estado-pagamos-preco-1948798

 

Os melhores não estão lá. Todos os dias acordo, leio as notícias, faço o apanhado dos telejornais, procuro acompanhar a actuação de ministros, secretários de Estado, directores-gerais, e a sensação que tenho é sempre a mesma – os melhores não estão lá. Não se trata de as pessoas não se estarem a esforçar ou a tentar dar o seu melhor, porque estão. Só que o seu melhor não chega. Não chega para enfrentar uma pandemia desta dimensão. Não chega para a violência da terceira vaga. E não chega, desde logo, porque a ministra da Saúde, a directora-geral da Saúde, o coordenador da task force da vacinação, têm o chip errado, têm uma cultura de apparatchiks, estão permanentemente preocupados com a gestão de danos, com o seu futuro político, com a opinião do chefe, com a dissimulação da asneira, com uma quantidade absurda de cálculos mentais que os desvia da única coisa que importa – fazer o raio do trabalho bem feito, de modo profissional e focado.

 

O problema não é errarem. As pessoas não são estúpidas; sabem que seria impossível enfrentar uma pandemia planetária sem erros e que há sempre gandulos e trapaceiros a furar filas. Só que o problema é outro. É a falta de confiança provocada pela sucessão de mentiras. É a incapacidade de ter uma postura exemplar. É continuarem a esfregar-nos na cara os truques rasteiros, as indignações deslocadas, as acusações de falta de patriotismo, as exigências de respeitinho quando há 300 pessoas a morrer diariamente.

 

A directora de Infecciologia do Hospital Amadora-Sintra, Patrícia Pacheco, dizia no fim-de-semana: “A falta de honestidade e de transparência perturba-me, acho que é o pior que um líder pode ter e é o pior que esta liderança do Ministério da Saúde tem – não ser transparente, desvalorizar sistematicamente os problemas que existem, em vez de os encarar.” Estamos a pagar o preço de décadas de promoção da mediocridade entre os altos quadros do Estado, através de baixas remunerações e da obsessão pela confiança política. As estruturas públicas estão pejadas de comissários e oportunistas, porque os melhores, os mais competentes, os que pensam pela sua própria cabeça, os que dispensam cartões partidários, foram sendo sistematicamente ultrapassados pelos yes men acéfalos, ou por gente não tão acéfala assim, mas cujo talento para dobrar a espinha é assinalável.

 

Nos EUA, temos um general de quatro estrelas à frente da logística de vacinação. Em Portugal, temos um profissional de direcções-gerais e secretarias de Estado socialistas, que achou boa ideia insultar meio milhão de portugueses na TV

 

Uma coisa que sempre me espantou em Graça Freitas, por exemplo, foi a sua preocupação em justificar caninamente tudo aquilo que o Governo dizia que tinha de ser feito, incluindo a Final Eight da Champions (“quanto maior for o número de visitantes para o nosso país, melhor”, disse ela). E agora, cereja em cima do bolo, Francisco Ramos, o coordenador da task force da vacinação, vem misturar os portugueses que votaram em André Ventura com os críticos à forma como as vacinas anti-covid estão a ser distribuídas. Nos Estados Unidos, temos um general de quatro estrelas à frente da logística de vacinação. Em Portugal, temos um profissional de direcções-gerais e secretarias de Estado socialistas, que achou boa ideia participar nos comícios de Marisa Matias e insultar meio milhão de portugueses na TV. Como é possível alguém ter tão pouca noção do seu dever? Como é possível infectar o combate à pandemia com biqueiradas partidárias? A vacinação contra a covid é a campanha mais importante da carreira política de António Costa. Escolher o senhor Ramos para a liderar diz tudo acerca do estado a que o Estado chegou.

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