AMBIENTE
Com a subida do
nível médio do mar, a pista do aeroporto do Montijo vai ficar inundada
Mesmo que a cota
da parte Sul da pista do futuro aeroporto do Montijo suba cinco metros, nos
cenários mais extremos é provável que fique inundada entre 2050 e 2070.
Teresa Sofia
Serafim 8 de Novembro de 2019, 6:41
Onze cientistas
portugueses alertam para falhas no “Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do Aeroporto
do Montijo e Respectivas Acessibilidades”. Num documento em que pedem a revisão
desse estudo, referem que a análise à perigosidade sísmica, ao aumento dos
gases com efeito de estufa, à inundação por tsunami e à subida do nível médio
do mar apresenta erros, omissões e subestimação de riscos. Um dos grandes
alertas refere-se à subida do nível médio do mar: mesmo que a cota altimétrica
da pista seja aumentada em cinco metros – como se prevê no projecto do
aeroporto nos terrenos da Base Aérea N.º 6 –, nos cenários mais gravosos é
provável que esta fique inundada na parte Sul durante várias horas por ano
entre 2050 e 2070.
Como forma de
contestar o EIA divulgado em Julho, os cientistas portugueses elaboraram um
documento – “Contestação abaixo-assinada sobre o EIA do Aeroporto do Montijo e
suas Acessibilidades” –, que submeteram na plataforma de consulta pública ao
estudo de impacto ambiental, aberta até 19 de Setembro e que teve mais de mil
participações registadas no portal Participa.
Após o parecer
favorável condicionado ao Aeroporto do Montijo pela Agência Portuguesa do
Ambiente (APA) – mediante um conjunto de contrapartidas no valor de 48 milhões
de euros –, este grupo de investigadores decidiu divulgar o documento no início
de Novembro. “Quisemos tornar este documento público porque vimos que a decisão
da APA não refere nada do que escrevemos”, diz ao PÚBLICO Carlos Antunes,
engenheiro geógrafo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e um dos
signatários do documento.
Nesse documento,
apontam falhas em quatro pontos: a subida do nível médio do mar, tsunamis,
sismos e gases com efeito de estufa. Esses impactos foram identificados no EIA,
estudo feito a pedido da ANA – Aeroportos de Portugal, mas este trabalho não
caracteriza nem avalia devidamente os riscos daqueles quatro pontos. “Também
não foram apontadas medidas para minorar o seu impacto, como se fez para outros
[impactos], como com as aves”, refere Carlos Antunes, adiantando que isso só
foi feito para a subida do nível do mar, mas, mesmo assim, não considerou se
essas medidas seriam suficientes. “Vimos que um documento muito importante, e
que vai ajudar na tomada de decisão de algo que é importante para o país, é
omisso e tem graves erros.”
O cientista
refere especificamente que esses quatro pontos não foram abordados na “Matriz
Síntese de Impactos do EIA”, anexo em que se identifica pormenorizadamente a
acção, o impacto, as medidas de mitigação e se avalia a eficácia destas
medidas. Estão lá as aves, a flora ou os acessos rodoviários, mas os quatro
pontos estão ausentes.
Debaixo de água
O risco de
inundação devido à subida do nível médio do mar é um dos temas de maior
destaque na contestação dos 11 cientistas. No ponto dedicado às alterações
climáticas do resumo não técnico do EIA refere-se: “Face à localização do
projecto, a subida do nível médio do mar foi considerada o parâmetro mais
crítico, devido ao risco de inundação das instalações da estrutura
aeroportuária, em particular das pistas de descolagem e aterragem.”
No EIA,
assinala-se que (através de modelos para 2070) se percebeu que, no pior
cenário, a cota máxima de inundação – valor máximo que a maré pode alcançar com
a conjugação de todos os efeitos como tempestades e subida do nível do mar –
atingirá 3,42 metros. Como a cota prevista no projecto da parte Sul da pista é
de cinco metros, conclui o EIA, “a pista no aeroporto não corre o risco de ser
afectada.” No projecto, prevê-se que a pista seja estendida 90 metros para
norte e 300 metros para sul, esta última já sobre o estuário do Tejo.
Contudo, na
contestação dos cientistas aponta-se um erro nos cálculos de maré máxima que
poderá alcançar naquela zona daqui a algumas décadas. “Somando as componentes
que o estudo inclui – ou seja, a máxima preia-mar, a sobreelevação da maré, o
caudal fluvial e a subida do nível médio do mar –, o EIA contabilizou 3,42
metros, mas os valores somados dão de facto 3,99 metros. Há um erro de cálculo
no valor máximo que a maré pode alcançar em situação extrema naquela zona para
um cenário de 2050”, explica Carlos Antunes.
O engenheiro
geógrafo diz que o EIA só teve em conta um cenário na análise da subida do
nível médio do mar e não avaliou a incerteza dos valores desse cenário –
afinal, não se sabe exactamente quanto irá aumentar o nível médio do mar. Como
tal, Carlos Antunes – especialista na análise de riscos naturais – aplicou
diferentes cenários para analisar o risco de inundação devido à subida do nível
médio do mar: “Utilizando outros cenários e indo até 2070, a inundação extrema
pode ir dos 3,9 metros até aos 4,7 metros.” Fazendo uma análise ainda mais
alargada de todas as probabilidades e estendendo a avaliação até 2100, pode
haver situações de máximo de maré entre os 4,36 metros e os 6,12 metros.
Portanto, o futuro aeroporto poderá ficar inundado.
Vejamos cenários
de inundação destacados no documento dos cientistas. Em cenários de inundação
em situações extremas – que incluem factores como o máximo de maré, o máximo da
sobreelevação da maré, a subida do caudal do rio, tempestades, efeito do vento
e a subida do nível médio do mar de um metro até 2100 –, a cota máxima de
inundação será de 4,45 metros em 2050 e de 5,65 metros em 2100. Desta forma, a
cota de cinco metros do projecto pode ser alcançada pelas águas entre 2050 e
2070 e a parte Sul da pista ficar inundada.
Traçaram-se ainda
cenários de submersão em que se considerou “apenas” o efeito da maré e a subida
do nível médio do mar – cenários que são usados pela NOAA, a agência para os
oceanos e a atmosfera dos Estados Unidos. No cenário altamente provável e em
que o nível médio do mar aumentará dois metros até 2100, os cinco metros da
pista serão alcançados no final do século. Já no cenário de submersão em
situação extrema, em que o nível do mar sobe 2,5 metros até 2100, a cota de
cinco metros da pista é alcançada pela inundação antes de 2100.
Tendo em conta os
vários cenários traçados pelos cientistas, sugerem como medida de minimização
do risco de inundação devido à subida do nível médio do mar que a cota máxima
seja de seis metros na parte Sul da pista. “Com cinco metros, é provável que [a
parte Sul da pista] seja inundável entre 2050 e 2070 [nos cenários extremos].
Com seis metros não é provável, para estes cenários, que a pista fique inundada
até 2070. Só a partir do final do século é que sim”, salienta Carlos Antunes.
Além da pista ficar inundada, o mesmo poderá acontecer no Terminal Fluvial do
Montijo, bem como num dos nós da rede de acessibilidades para Lisboa e na
interligação para o aeroporto da Portela.
Relocalizar
infra-estruturas
Ao longo da
contestação também são apontadas omissões do EIA sobre as emissões de gases com
efeito de estufa da aviação em voo e do seu impacto no “Roteiro para a
Neutralidade Carbónica 2050”, assim como lacunas na avaliação aos sismos e uma
subestimação do risco elevado associado à susceptibilidade de inundação por
tsunami.
Para os
cientistas, há um claro incumprimento do decreto-lei n.º 152-B/2017, que
consagra a necessidade de avaliar o impacto que projectos como os de aeroportos
têm sobre o clima. “O nosso documento evidencia um incumprimento do que está
disposto neste decreto-lei por não apresentar um texto completo dos impactos
ambientais”, reforça Carlos Antunes. Os 11 cientistas pediam então que o EIA
fosse rejeitado pela APA e que houvesse uma revisão do estudo tendo em conta os
riscos apresentados na contestação, rejeição que não veio a acontecer.
O que defendem
exactamente os signatários deste documento sobre a construção do aeroporto?
Carlos Antunes responde que este documento é puramente “técnico, que se foca só
no Estudo de Impacto Ambiental” e no cumprimento do decreto-lei n.º 152-B/2017.
Mas, pela lógica dos riscos apontados no documento, Carlos Antunes considera:
“Deveria ser noutro sítio, senão como se minimizam os riscos de outra forma?”
Sobre as medidas que poderiam minimizar os riscos que a contestação apresenta,
o cientista destaca que a cota de seis metros resolvia o problema da subida do
nível médio do mar, mas que, em relação aos tsunamis, sismos e aumento da
emissão de gases com efeito de estufa, é mais difícil evitar esses impactos ou
terão elevados custos.
Além de Carlos
Antunes, assinam este documento os investigadores Filipe Agostinho Lisboa, João
Mata, João Cabral, Luís Matias, Maria da Graça Silveira, Nuno Afonso Dias,
Pedro Costa, Pedro Soares, Pedro Nunes e Rui Ferreira.
“Do ponto de
vista estratégico para o ordenamento e gestão do território e dos riscos
naturais, o país deve pensar num conjunto de medidas de forma a minimizar o
impacto desses riscos. Está-se a evitar a medida mais difícil do ponto de vista
social e económico: a relocalização de pessoas e infra-estruturas”, considera
Carlos Antunes, acrescentando que essas medidas devem ser tomadas com 50 a 60
anos de antecedência. Para o engenheiro geógrafo, têm-se levado a cabo apenas
medidas temporárias – como alimentação artificial de praias com areia – que
podem resultar numa fase inicial e levam as pessoas a sentirem-se protegidas,
mas que vão trazer problemas às gerações futuras.
tp.ocilbup@mifares.aseret
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