OPINIÃO
Greta: pelo
planeta, mostra-nos as contas!
A bitola que uso
para os lobbies das energias fósseis é igual à que imponho a quem defende as
causas que me são caras. Por isso, Greta, por favor, mostra-nos as contas!
SUSANA PERALTA
6 de Dezembro de
2019, 6:00
Greta Thunberg
aportou a Lisboa na terça-feira. As reações à sua visita oscilam entre a
veneração e a raiva. Na minha modesta opinião, Greta Thunberg tem coisas boas e
más e tê-la por cá é uma ótima ocasião para as discutir.
Os jovens estão
alheados da política, como confirma o estudo que citei há uma semana, Abstenção
e Participação Eleitoral em Portugal, e ninguém sabe como lidar com isso. Alguns
países deram direito de voto a partir dos 16 anos de idade, proposta discutida
em Portugal pela mão do PAN, mas recebida com sobranceria pelos restantes
partidos, à exceção do Bloco de Esquerda e do deputado não inscrito Paulo Trigo
Pereira. Felizmente, o ativismo político é outra forma de participação, muito
importante para a democracia. Greta Thunberg trouxe os jovens para a arena do
ativismo e isso é bom. Não sabemos que efeitos vai ter a prazo na participação
eleitoral destes jovens, mas por agora é refrescante.
Os grupos sem
direito de voto, ou que o têm mas não o exercem, estão pouco representados nas
escolhas políticas. O caso das alterações climáticas é paradigmático, porque as
consequências negativas da emergência ambiental vão ser suportadas pelos
jovens. Quanto mais velhas somos, menor a probabilidade de virmos a enfrentar
um planeta fundamentalmente diferente e, sem grande surpresa, menos sacrifícios
estamos dispostas a fazer no presente para melhorar o futuro coletivo. Greta
Thunberg tem o mérito de trazer este tema para o centro do debate. A sua
intervenção é isenta de críticas? Claro que não! Nem sempre é fiel à ciência,
tem acessos de extremismo, por vezes resvala para estados emocionalmente pouco
amigos do debate ponderado. Mas do outro lado da barricada estão lobbies
poderosos, poucos escrupulosos e, já agora, nada científicos nas suas
afirmações. As cinco maiores petrolíferas gastaram pelo menos 251 milhões de
euros a fazer lobby junto da União Europeia entre 2010 e 2018, segundo um relatório
de um grupo de ONG (Corporate Europe Observatory, Food & Water Europe,
Friends of the Earth Europe e Greenpeace) revelado no final de outubro. Os
lobistas do petróleo empregam 200 pessoas em Bruxelas, que se desdobraram em
327 reuniões (declaradas) com responsáveis de topo da Comissão Europeia. A
atividade de lobbying concentra-se nos momentos de negociações de pacotes
legislativos ambientais importantes. Ou seja: esta gente não brinca em serviço.
Para lhes fazer frente, eram precisas várias Greta Thunberg.
No capítulo das
críticas, anda por aí uma visão moralista das escolhas de Greta que lhe quer
impor uma vida estereotipada de miúda de 16 anos: muita diversão,
inconsequência q.b.. A mim parece-me mais provável que a tomada de consciência
política da geração mais nova seja um susto tão grande que certas pessoas
preferiam que Greta ficasse no seu canto a jogar consola. Mais perplexa me
deixa o argumento que aproveita o facto de a jovem ser portadora de uma forma
de autismo para reduzir a sua intervenção ao delírio de uma pessoa com
incapacidade. Acontece que o nosso espaço público precisa de mais – ao invés de
menos – pessoas diferentes. Já escrevi isso a propósito da gaguez de Joacine, e
repeti-lo-ei sempre que for necessário. A reação de espanto com que a sociedade
reage a estes casos só mostra que eles pecam por excessivamente raros.
Mas o movimento
de Greta tem dois problemas: é pouco transparente e excessivamente purista.
Ora: ninguém é puro, nem mesmo Greta Thunberg. Esta combinação é explosiva e
pode deitar o movimento por terra um destes dias, o que seria péssimo: mais uma
machadada na causa ambiental, mais uma desilusão política para os jovens. Greta
foi para os EUA de veleiro em setembro; esteve de malas feitas para o Chile,
acabou por vir para Madrid atrás da Cimeira do Clima. Tudo isto custa muito
dinheiro. Mesmo com a pouca informação que temos, vislumbramos incoerências que
podem ser fatais a um movimento que se afirma pelo purismo. O Catamaran La
Vagabonde, que trouxe Greta à doca de Alcântara, pertence a um casal de
australianos que está a viajar pelo mundo desde 2014. O seu proprietário juntou
dinheiro para a compra do barco trabalhando, durante 8 anos... em explorações
de petróleo offshore. O veleiro Malizia II, que levou Greta aos EUA foi
disponibilizado por Pierre Casiraghi, membro da família reinante do Mónaco,
principado campeão da falta de transparência e da lavagem de dinheiro. E tem um
historial de patrocínios pela BMW, empresa de pegada ecológica nada mansa, que
se apressou a afirmar que não contribuiu para a expedição de Greta. Ficávamos
todos mais descansados se ela nos dissesse quem pagou, afinal. Greta ofende-se
com o escrutínio e afirma que é tudo pago pelos pais. Tenho pena, mas isso não
chega! A bitola que uso para os lobbies das energias fósseis é igual à que
imponho a quem defende as causas que me são caras. Por isso, Greta, por favor,
mostra-nos as contas!
A autora escreve
segundo o novo acordo ortográfico
OPINIÃO
Greta.
A pergunta
fundamental é: já esteve JMT nalguma marcha pelo Clima? Eu estive. E o que vi
foi milhares de Jovens Gretas e Gretos, sem autismos, mas com as mesmas
perguntas impotentes e universais dirigidas, precisamente, aos políticos e aos
líderes mundiais.
António Sérgio
Rosa de Carvalho
10 de Outubro de
2019, 2:13
Uma Santa? Uma
Política? Ou, apenas, mensageira e oráculo de uma Verdade Científica não apenas
Inconveniente mas Incontornável?
Estamos todos
“gretados”. Uma das melhores caracterizações da idiossincrática mente de Greta,
e da sua relação rigorosa e sem filtros, com a urgência dos factos
incontornáveis científicos divulgados nos relatórios do IPCC, foi-nos dada num
recente artigo da Spiegel.
Neste, Greta, é
comparada ao famoso Neo do Matrix, o qual é exposto à escolha entre tomar a
pílula azul que o irá levar ao esquecimento “normalizado” de uma verdade
escondida e a pílula vermelha, que o irá levar ao conhecimento sem filtros da
mesma verdade.
Greta optou pela
pílula vermelha.
Assim, ao acusar
directamente os grandes líderes que a convidam, de torpor e de irresponsável
inacção perante os factos científicos, Greta transformou-se na mensageira da
sua própria geração e das gerações futuras. Um inconveniente e incomodativo
oráculo, que muitos denunciam como perigosa ameaça mistificante, para o mundo
de aparente prosperidade, estabilidade e segurança. Uma ameaça para o Mundo da
pílula azul.
Todos viram o
Video do “How dare you”? Mas, provavelmente poucos viram a mensagem registada
também em vídeo de Sir David Attenborough e dirigida aos Líderes do Mundo
presentes a 23 de Setembro na cimeira da ONU.
Nele, Attenborough avisa que foi possível
construir a civilização humana nestes últimos doze mil anos devido à
estabilidade do clima. Essa estabilidade está gravemente ameaçada e uma data
limite e decisiva é 2020, data da “última” cimeira em Londres. “Última" no
sentido do tempo que nos resta para atingir os objectivos e compromissos
tomados pelas nações de diminuir para metade as emissões de C02 até 2030 e
atingir o zero de emissões em 2050, no conhecido limite dos 2 graus.
Na cimeira de 23
de Setembro conseguiu-se concretamente muito pouco além da vaga e tímida promessa
de 70 nações do compromisso de neutralidade de carbono em 2050 e de implementar
os seus planos nacionais que resultam do Acordo de Paris até 2020.
Daí, a indignação
trémula e impotente de uma adolescente que representa uma geração que em nada
contribuiu para o Mundo da Pílula Azul, mas que vai ser obrigada a sobreviver
nas realidades apocalípticas do Mundo da Pílula Vermelha. Neste, o conceito
Viver tal como nós o conhecemos terá então desaparecido.
António Guterres
ilustrou recentemente isto com a frase: “A ciência mostra-nos que se nada for
feito enfrentamos, pelo menos, 3 graus Celsius de aquecimento global até ao
final do século. Eu não estarei cá, mas minhas netas, sim.”
Ora, as acusações
dirigidas a um Movimento Imparável, apolítico e Universal de Consciencialização
que ilustra a Ecologia como o novo Humanismo Universal do século XXI, que
transcende e atravessa diagonalmente as polarizações entre a “Esquerda” e a
“Direita” já chegaram às páginas do PÚBLICO.
Através de JMT,
que nas suas piruetas retóricas baseadas numa ironia que se pretende
libertadora do enfadonho “Politicamente Correcto” pretende representar a
“frescura” de uma geração irreverente.
Assim, Greta é
acusada de ser uma perigosa mistificadora portadora de uma auréola
santificadora e sumo sacerdotisa de uma nova religião verde. E estes
“fundamentalismos” também a comparam a uma perigosa figura da extrema-esquerda
que quer resolver as coisas “à bomba”, num processo de politização da causa
ambiental. Depois seguem-se as classificações de Guterres como patético, da
impossibilidade de conhecer o Futuro e acusação de politização dos Movimentos
da causa Ambiental.
Neste caso, JMT
contribuiu através das suas confusas trapalhadas argumentativas, como ninguém,
precisamente para a polarização e politização deste Movimento Universal que
Guterres classifica, nos seus esforços, como Imparável e Universal. Neutral
politicamente, mas profundamente consciente das profundas reformas necessárias
no nosso modelo económico de mercado e do insustentável mito de crescimento
ilimitado.
A pergunta
fundamental é: já esteve JMT nalguma marcha pelo Clima? Eu estive. Em Haia a 27
de Setembro. E o que vi foi milhares de Jovens Gretas e Gretos, sem autismos,
mas com as mesmas perguntas impotentes e universais dirigidas, precisamente,
aos políticos e aos líderes mundiais. Foi em nome deles e dos meus netos que
estive presente.
Historiador de Arquitectura
Greta Thunberg:
uma voz para quem (se) interessa
Greta optou pela
via do desconforto. Por descansar pouco e movimentar-se muito. Porque ela sabe
que isto é urgente. E não é apenas ela que está chateada. É frustrante saber
que se pode construir um mundo melhor e ver a maior parte a querer percorrer um
caminho negro para o planeta.
Paula Alves Silva
Jornalista
multimédia na Voice of America. Feelancer a viver em Washington DC, EUA
6 de Dezembro de
2019, 8:06
Recordo-me com
clareza do dia em que o Max Thabiso Edkins colocou o nome da Greta Thunberg na
mesa. Trabalhava no Connect4Climate, um programa do Banco Mundial dedicado às
alterações climáticas, e estávamos a planear a participação e cobertura da 24.ª
Conferência da Partes (COP24) da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as
Alterações Climáticas.
O Max, activista
pelo clima a trabalhar na comunicação deste programa, apresentou-nos o nome da
Greta para ela discursar em representação dos que raramente são ouvidos por
serem considerados demasiado novos. Ainda a Greta não era conhecida
mundialmente. Ainda a Greta quase se sentava sozinha frente ao Parlamento
sueco, iniciando o que hoje é um grande e global movimento de greve às aulas a
cada sexta, em prol do ambiente.
Em parceria com
as Nações Unidas, levamo-la ao grande palanque. E no momento em que colocamos o
discurso dela na Internet, as partilhas começaram. Foi um crescimento com
efeito bola de neve. Após a COP24, a Greta alcançou muitos outros palcos e
tornou-se a voz de combate às alterações climáticas.
Porque é que ela
é tão importante na luta urgente às alterações climáticas? Simples. Eu
trabalhei cinco anos com questões relacionadas com este tema. Muitos trabalham
há décadas. Com organizações, com entidades privadas, com governos, com
activistas, etc. Até então não se tendo conseguido o que era essencial nesta
“luta": colocar o tema na boca do mundo. Na boca de todos. Ela
conseguiu-o!
Há varias razões
para ela o ter conseguido e outros não. Tinha de ser alguém com a idade dela.
Tinha de ser alguém da geração dela. Porque é a geração dela que é capaz de
criar a pressão necessária para combater as alterações climáticas. Tinha de ser
alguém com a idade dela porque é a geração dela que está disposta a mudar.
Tinha de ser alguém com a idade dela porque é a geração dela que mais sofrerá
com as consequências das alterações climáticas. E eles sabem-no. A população
idosa já não se preocupa porque “poucos anos lhe restam”. Os adultos estão
demasiado confortáveis para mudar o que quer que seja na vida (mesmo tendo
filhos que sofrem e sofrerão ainda mais os efeitos).
Falo, obviamente,
generalizando. Felizmente há excepções. Li muitos comentários aos nossos posts,
muitas críticas em eventos públicos para chegar a esta conclusão. É pelas mãos
dos jovens e dos adolescentes que se fará o caminho. São eles que pressionam e
continuarão a pressionar o sistema rumo à mudança.
“O real poder
pertence às pessoas”, disse ela no discurso proferido na COP24. É verdade, foi
preciso “uma miúda” vir dizer-nos isto. Foi preciso “uma miúda” lembrar-nos do
que nunca se deve esquecer: que precisamos constantemente de proteger aquela
que é a nossa casa.
Acusá-la de
faltar à escola é simples indício de falta de visão. Neste último ano ela
aprendeu mais — velejando, falando em palcos centrais, conversando com
cientistas, académicos, entidades governamentais, lideres mundiais,
organizações, atravessando fronteiras — do que teria aprendido na escola. Além
disso, estar na escola, com os amigos, com a família é uma posição confortável
tendo em conta o seu país de origem. Ela optou pela via do desconforto. Por descansar
pouco e movimentar-se muito. Por fazer mais. Porque ela sabe que isto é
urgente.
Urgente é a
palavra. E acreditem que quando se passam anos a trabalhar em prol de algo
melhor e ninguém ouve ou apenas ignora, difícil é que não resida tristeza,
desespero e raiva na voz. Não é apenas ela que está chateada. São muitos. Somos
muitos. É frustrante saber que se pode construir um mundo melhor, mais
saudável, mais sustentável, mais verde e ver a maior parte a querer continuar a
percorrer um caminho negro para o planeta. Um caminho em que se esburaca a
terra por petróleo e se destroem ecossistemas, em que se desmata, em que se
encarceram e matam animais, em que se destrói ao invés de salvar.
E eu tenho a
impressão que aqueles que criticam são exactamente a camada da população que
não quer mudar. São os que olham para a capa ao invés de prestar atenção ao
conteúdo. Porque, sim, mudar exige esforço. É a escova de dentes que usamos de
manhã, o quanto abrimos a torneira, o champô e o gel de banho que se usa, o
desodorizante, o perfume, os produtos de maquilhagem, a escova do cabelo, o
produto para a barba, a gilette, a comida na mesa, a carne e o peixe, os
esfregões da cozinha, o líquido da loiça, o tipo de transporte que se usa, como
se gera a electricidade, a gasolina e o gasóleo, a forma como se viaja, a
quantidade de roupa que se compra, os sapatos em pele, os sacos de plástico
para as batatas, outro para as cebolas e mais um para os alhos e outros para
mais legumes e mais para a fruta e para as azeitonas e para os tremoços e para
tudo o resto.
Tudo tem de
mudar. Tudo tem de urgentemente mudar. Mas sabem o mais caricato? É que os
resultados que a mudança traz colocam-nos num outro patamar de bem-estar.
Acarretam visíveis mudanças positivas para a nossa saúde, protegem o
ecossistema. E é exactamente aqui que me perco. Quão contraproducente é ver uma
porta para uma vida melhor, mas querer permanecer onde se está? Como é que se
pode continuar a negar um trabalho em prol de ar despoluído e água limpa,
florestas verdejantes e cheias de biodiversidade, rios e mares despoluídos,
glaciares intactos, menos doenças?
“O real poder pertence às pessoas”, disse ela
no discurso proferido na COP24. É verdade, foi preciso “uma miúda” vir
dizer-nos isto. Foi preciso “uma miúda” lembrar-nos do que nunca se deve
esquecer: que precisamos constantemente de proteger aquela que é a nossa casa.
Agora, vamos ouvir o que ela tem para dizer na COP25.
Texto publicado
originalmente no Facebook da autora.
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