segunda-feira, 6 de maio de 2019

Rui Rio e o “penálti inexistente” que existiu



OPINIÃO
Rui Rio e o “penálti inexistente” que existiu

Com o actual recuo, a direita terá de aprender a viver com as sequelas da sua inabilidade, mas estanca desde já esta crise. E, até Outubro, muita coisa pode ainda acontecer.

João Miguel Tavares
6 de Maio de 2019, 10:14

Para evitarem uma mais que provável tragédia eleitoral, PSD e CDS optaram pelo único caminho possível após o ultimato de António Costa: meteram marcha-atrás fingindo que continuavam em frente e bateram em retirada aos gritos de “ao ataque!”. Se a iniciativa de António Costa foi, como Rui Rio afirmou, um “golpe de teatro”, então a sua conferência de imprensa de domingo não passou de ópera-bufa, apostando num tom de animal feroz para tentar esconder a forma desastradíssima como a direita geriu todo este processo, até acabar refém do primeiro-ministro.

Rui Rio acusou António Costa de “fuga às responsabilidades” e comparou-o “àquele jogador que estando a perder o jogo, e sem que ninguém lhe toque, se atira para o chão a ver se engana o árbitro e consegue um penálti inexistente”. Louve-se a metáfora futebolística, mas não há um pingo de verdade nela. O penálti existiu mesmo, não só no momento em que a direita deixou que o diploma dos professores avançasse sem o travão das condições económico-financeiras, mas muito antes disso, quando decidiu colocar-se ao lado de uma reivindicação irrealista: com crescimento ou sem ele, a história recente do país impede cedências desta dimensão à Fenprof, e os partidos que geriram Portugal durante a troika não podem aparecer de braço dado com Mário Nogueira.

PSD e CDS andaram empenhados no último par de dias num trabalho de garimpagem, à procura de todos os momentos em que o PS foi ambíguo nas promessas aos professores, seja em declarações da secretária de Estado, seja em resoluções aprovadas no Parlamento, seja no texto do próprio orçamento. Sim, a ambiguidade tem sido o nome do meio do PS em toda a legislatura – qual é o espanto? Mas é muito difícil, para quem veja alguma televisão, ou leia jornais, afirmar que António Costa e Mário Centeno tenham dito sobre esta matéria outra coisa além de que era impossível devolver mais do que dois anos, nove meses e 18 dias de tempo de serviço. Será que, como a direita gosta de afirmar, o governo já tinha concordado em devolver a totalidade do tempo de serviço aos professores? Desculpem: não tinha, não.

Boa parte da conferência de imprensa de Rui Rio foi, portanto, ocupada a atirar poeira para os nossos olhos, o que não é uma actividade particularmente simpática. Mas, apesar do cocktail desagradável de sonsices & aldrabices, a boa notícia é esta: PSD e CDS fizeram aquilo que tinham de fazer. Pior do que recuar de forma atabalhoada seria persistir na teimosia, e oferecer a António Costa a homérica asneira de confirmar a votação do diploma em plenário, provocando a queda do governo. Com o actual recuo, a direita terá de aprender a viver com as sequelas da sua inabilidade, mas estanca desde já esta crise. E, até Outubro, muita coisa pode ainda acontecer.

A mais clara consequência da implosão simbólica da “geringonça” é o crescimento da imprevisibilidade nas próximas eleições, e daquilo que se segue. Essa é a história que está por contar. A jogada temerária de António Costa parece indiciar uma hipótese que até agora não tem sido considerada: a de ele estar a apostar num reforço da votação do PS não com a esperança de chegar à maioria absoluta, mas sobretudo para procurar um resultado suficientemente sólido ao centro que lhe permita avançar com um governo minoritário em Outubro. A discussão tem sido sobre se, no futuro, Costa prefere unir-se à esquerda ou à direita. Eu começo a achar que ele não quer unir-se a ninguém.

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