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Empresários chumbam estratégia da direita para os
professores
Mónica Silvares
7:10
A crise política chegou ao fim, mas deixou marcas. Os
empresários não gostaram de ver PSD e CDS ao lado da esquerda a aprovar medidas
que implicariam um aumento da despesa certa e permanente.
Não é todos os dias que se vê PSD, CDS, Bloco de Esquerda e
PCP votarem lado a lado. Ainda menos quando o que está em causa é uma medida
que implica um aumento da despesa pública. Um encargo anual adicional de 800
milhões de euros. O trailer deste filme, uma crise política de morte já
anunciada, não foi do agrado dos empresários. Ver partidos “tidos como
responsáveis” e “garantes das contas públicas” a aprovar despesa certa e
permanente foi algo que os deixou preocupados e com receio de novos aumentos da
carga fiscal.
Em cima da mesa estava um ultimato do primeiro-ministro —
demitir-se caso fosse aprovada em votação final global o reconhecimento do
tempo integral do tempo de serviço dos professores (nove ano, quatro meses e
dois dias) — mas o filme acabou por ter uma reviravolta, bem ao jeito de
Hollywood, e PSD e CDS recuaram nas suas posições anunciando que afinal não
abriam mão da necessidade de a Lei dos professores ter condicionalismos
económicos. Ou seja, o reconhecimento dos restantes quase sete anos (dois já
estão reconhecidos no decreto lei do Governo) vai depender do crescimento
económico, o equilíbrio das contas públicas, respeito pelo Pacto de
Estabilidade, pela situação económica e financeira do país, pelo controlo da
dívida pública e pela sustentabilidade futura do sistema público, como
sublinhou este domingo Rui Rio.
A situação “não deixa de ser apreensiva e produtora de
instabilidade, que é aquilo que os agentes económicos não desejam“, diz António
Saraiva ao ECO. O presidente da Confederação Empresarial de Portugal considera
“preocupante que partidos responsáveis admitam este aumento de despesa. É abrir
uma caixa de Pandora de 800 milhões de euros, que podem vir a ser mais se
outros grupos exigirem o mesmo tratamento”. “É preocupante esta ligeireza de
votação que o país só pode suportar com um aumento de impostos ou um corte
maior no investimento por parte de partidos de quem esperávamos mais”,
reconhece o patrão dos patrões.
“As empresas não deveriam ter de passar por esta vergonha de
perceber que, da direita à esquerda, não há inocentes e que transformam a vida
económica e empresarial do país num claro interesse eleitoral, dispostos a
sacrificar o médio e longo prazo, por eventuais ganhos de curto prazo”, diz
Armindo Monteiro. O presidente da Compta diz mesmo que “é lamentável o que a
direita está a fazer” e classifica de “trapalhada” a mudança de posição que
entretanto se conheceu no domingo, com a clarificação da intransigência de
introduzir condicionantes económicas na lei.
"É preocupante que partidos responsáveis admitam este
aumento de despesa. É abrir uma caixa de Pandora de 800 milhões de euros, que
podem vir a ser mais se outros grupos exigirem o mesmo tratamento.”
António Saraiva
Presidente da CIP
No entanto, para Armindo Monteiro o que está em causa não é
um recuo, mas de uma situação que foi “muito mal explicada pela direita”. “Só
está a ser consistente com o que tem dito”, acrescenta numa referência às
propostas iniciais que PSD e CDS fizeram ao diploma do Executivo e tinham as
tais condicionantes económicas que foram chumbadas pelo próprio PS, como
recordou Rui Rio na sua declaração de domingo.
Para João Miranda também não se trata de dar o dito, por não
dito. “Antes pelo contrário”, porque a direita foi coerente com aquilo que tem
vindo “a apregoar durante tanto tempo”. Caso esta clarificação de posição não
tivesse ocorrido, o responsável pela Frulact, uma empresa familiar com perfil
altamente exportador, e com fábricas em Marrocos, África do Sul e Canadá
admitiu que estava “preocupado” porque era uma prova de que “a direita acabava
por se ajustar ao seu interesse mais populista e eleitoralista, completamente
ao contrário do que Rui Rio evidencia”.
Uma satisfação idêntica foi demonstrada por Pires de Lima,
empresário e ex-ministro da Economia. “Não há maior virtude num líder do que
saber ouvir”, disse ao Expresso, este domingo depois de o CDS ter anunciado o
recuo na votação da contagem de serviço dos professores. Na edição impressa do
semanário, o centrista tinha assumido que estava dececionado com o partido:
“Estou dececionado e que não haja ilusões: ou se está com os contribuintes, ou
se está com Mário Nogueira. E mais não quero dizer, para não perturbar a
campanha do CDS para as europeias”.
O responsável da Calvelex, questionado pelo ECO se tinha
ficado surpreendido pela posição da direita, lembra que “esta é uma altura de
eleições” — europeias, na Madeira e legislativas –, mas, na sua opinião, é
necessário “ter uma forma de estar na política”. “Não sei até que ponto se pode
ter uma opinião nas eleições e outra fora delas”, sublinha César Araújo.
Este empresário, que produz vestuário para marcas da gama
média-alta e luxo, e exporta as cerca de 800 mil peças que fabrica anualmente,
lembra que “o país passou por uma grande crise, foi intervencionado, as pessoas
sofreram e a imagem do país, a nível internacional também”. “Não devemos
repetir o mesmo erro, não podemos constantemente cair em crises. Isso é demais
para a economia do país. Agora que Portugal tem boa uma imagem a nível mundial,
e está a dar cartas, as políticas têm de ser responsáveis de modo a manter essa
boa imagem”, apela César Araújo, que dá emprego a cerca de 700 pessoas.
A fatura política
Se a direita não tivesse emendado a mão isso poderia
“desencadear o descrédito das agências de rating e ter uma fatura elevada para
o país”, defende José Manuel Fernandes. O fundador da Frezite, uma empresa
maioritariamente exportadora e presente em mais de 50 países, acredita que o PS
“vai buscar sinergias e valorização” com este episódio e que “haverá um jogo de
cintura para que isto reverta a favor de uma maioria”. E será possível
alcançá-la? José Manuel Fernandes deixa essa análise para os comentadores, mas
admite que “os partidos da oposição deram um tiro no pé e estão a ajudar a
valorizar o Governo”.
Posição idêntica tem Adelino Silva Matos. “A direita
portou-se mal e acho que vai ser castigada nas urnas“, defende o empresário que
criou, com a sua mulher, em 1980, um grupo com várias unidades de negócio em
torno da metalomecânica e da energia. Na sua avaliação, outro dos resultados
desta crise poderá ser um aumento ainda maior da abstenção.
“O primeiro-ministro é muito hábil”, reconhece Basílio
Simões, mas, na sua opinião, conquistar “a maioria será difícil” ainda que “a
direita possa ser penalizada nas urnas. O cofundador da ISA, empresa da qual já
não faz parte porque vendeu a sua posição para abraçar um novo projeto, a
Energia Simples, admite que veria com bons olhos um bloco central PS/PSD: “Até
pode ser o melhor para o país, haver estabilidade e acordo entre os principais
partidos para reformas que deveriam ter sido feitas, mas nunca foram”.
Não devemos repetir o mesmo erro, não podemos constantemente
cair em crises. Isso é demais para a economia do país. Agora que Portugal tem
boa uma imagem a nível mundial, e está a dar cartas, as políticas têm de ser
responsáveis de modo a manter essa boa imagem.
César Araújo
Presidente da Calvelex
O bloco central também é do agrado de José Manuel Fernandes
porque se traduz num “Governo coeso e a defender uma economia baseada na
iniciativa privada”, mas o empresário não se alonga sobre qual deveria ser a
composição específica desse bloco central.
“A geringonça não é boa para o país”, sublinha ainda Basílio
Simões. “Estamos a viver à custa de um enorme aumento de impostos porque as
reformas estruturais não foram feitas. Estamos a viver da enorme carga fiscal.”
E acrescenta que preferia “um PS minoritário do que uma nova geringonça, porque
foram feitas muitas cedências que não são boas para o país.”
“O Fisco é o nosso sócio mais importante“, diz em tom
brincalhão Adelino Silva Matos. Mas para o empresário da metalomecânica, apesar
de a situação o preocupar, “o importante é arregaçar as mangas” e continuar a
trabalhar.
Bom ou mau, para João Miranda “o atual modelo de geringonça
vai passar a ser a normalidade”. O empresário, que dá emprego a cerca de 755
colaboradores, acredita que, mesmo com este episódio, o PS não vai ter maioria.
“Mas desde as últimas legislativas abriu-se um novo ciclo com uma tendência
clara de esquerda. Dificilmente a direita vai voltar a governar“, defende. João
Miranda lamenta ainda o facto de “a esquerda mais à esquerda não ser muito
adepta da iniciativa privada”, o que faz com que não haja “um apoio ou suporte
a políticas de estímulo à própria economia”
O aumento da receita fiscal não é para o CEO da Frulact uma
mera tradução do crescimento da economia nacional — que cresceu acima de 2%
durante nove trimestres consecutivos –, mas também das alterações fiscais
introduzidas. “Ir buscar mais receita ao turismo, aos combustíveis, faz o país
perder competitividade e tem impacto sobre todos, sejam pessoas ou empresas”,
sublinha.
As suas preocupações não se ficam por aqui. “O que será da
nossa dívida quando tivermos de investir nos hospitais, escolas, tribunais,
estruturas de segurança?“, questiona o empresário que recorda que mesmo sem
investimento público a dívida bruta aumentou. Numa analogia empresarial, João
Miranda lembrou que a situação em Portugal “é como ter uma máquina e não
investir na sua manutenção. Quando for necessário repará-la sairá muito mais
caro”. “Quando tivermos mesmo de investir vai causar um rombo tremendo nas contas
públicas”, assegura.
A curtíssima duração da crise política — 48 horas quase
exatas — garantiu que não tivesse quaisquer impactos sobre a atividade
económica. Mas ao longo do fim de semana e antes de se saber o desfecho, os
empresários admitiam ligeiros impactos, sobretudo se a incerteza se
prolongasse, com especial incidência nas empresas mais dependentes do mercado
nacional. Más notícias a acrescer ao já anunciado abrandamento económico. Mas
foi só um susto
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