A grande orgia global
Os líderes do mundo têm vindo a adiar as decisões urgentes e o relógio
do Apocalipse continua o seu percurso determinante.
ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO
9 de Agosto de 2018, 6:30
O dia 1 de Julho de 2018 foi uma data histórica para o
Planeta Terra. Neste dia contaram-se 200.000 aviões simultaneamente no ar. Um
número culminante, nunca antes alcançado. O dia 6 de Agosto de 2018 foi a data
da publicação de um artigo na revista científica PNAS, da autoria de, entre
outros, Johan Rockström, director executivo do Centro de Resiliência de
Estocolmo.
Este artigo avisa-nos de que a simples ideia propagada pelo
Acordo de Paris (2015) de que estabilizar a temperatura nos dois graus acima do
período pré-industrial será suficiente para estabilizar o efeito de estufa é
irrealista e insuficiente. A situação é mais complexa, pois trata-se de uma
teia de processos e de um encadeamento de fenómenos que mutuamente se
influenciam, e que a partir de um certo limite podem transformar-se num efeito
de dominó activo, acelerador e imparável, tornando o Planeta inabitável.
Eles são conhecidos: o degelo do Pólo Norte com o perigo do
descongelamento da permafrost e a libertação do metano. A alteração da corrente
do Golfo, que já está neste momento ao nível mais baixo dos últimos 1600 anos.
O degelo na Gronelândia, etc..
A data limite para descarbonizar situa-se entre 2040-2050. A
partir daí as reacções conjuntas e irreversíveis podem iniciar-se, num cenário
capaz de ultrapassar qualquer fantasia catastrófica.
Os líderes do mundo têm vindo a adiar as mega-urgentes
decisões e o relógio do Apocalipse continua o seu percurso determinante.
Neste momento em que escrevo, encontro-me em Amesterdão e a
temperatura é de 34 graus. Não chove desde Maio, e as conhecidas paisagens
verdes foram transformadas num amarelo expectável no Verão alentejano mas
simplesmente alarmantes na Holanda. O mesmo se verifica em toda a Europa do
Norte, tendo a Suécia sido confrontada com incêndios florestais.
Simultaneamente, as cidades europeias conheceram o conhecido
e sempre crescente fluxo imparável de turismo, sustentado pelo “low cost” que
permite e possibilita deslocações em massa, intuitivas, inconscientes e
predadoras, que já transformaram as cidades europeias, antigos locais
representantes de identidade cultural, em “sítios” a serem consumidos e
devorados em banquetes de hedonismo e orgias globalizadoras.
A redução de uma cidade a uma plataforma monofuncional
reduzindo e sacrificando tudo a uma só actividade, leia-se turismo, apresenta
sintomas destruidores para o ecossistema urbano, que estão na mesma linha,
embora em escalas diferentes, dos sintomas planetários.
Qual é a pegada e o preço ambiental deste modelo de
“desenvolvimento”? Qual é a pegada e o preço ambiental do “low cost flying”?
O país foi dominado pelo caso Robles e pela queda dos seus
pedestais das “santas” Catarina e Joana, o que levou a tsunamis de opinião e de
indignação. No entanto, com Robles & Companhia ou não, com aproveitamento
político ou não destes fenómenos, os verdadeiros problemas ligados à
especulação imobiliária, ao aumento apocalíptico do preço da habitação, à
catastrófica dependência e vassalagem do Alojamento Local “à rédea solta” e ao
flagelo dos despejos, mantêm-se na sua crescente omnipresença e omnipotência
erosiva e destruidora.
E a “festa” continua imparável, no seu carácter de “festa
titânica”, contribuindo na sua mobilidade incontrolada para mais C02. Em última
análise, em absoluto desespero, nem nos precisamos de preocupar.
Este modelo de viagens ilimitadas, e de mobilidade predadora
e consumidora da autenticidade cultural e da identidade local, é ambientalmente
completamente insustentável e incomportável e na sua inconsciência criminosa. O
momento de paragem desta grande orgia global aproxima-se inevitavelmente,
momento dramático para Portugal, que irá acordar do seu torpor e ser obrigado a
reconhecer a sua dependência e os limites da aposta exclusiva num modelo
auto-destruidor e alienante.
Historiador de Arquitectura
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