EDITORIAL / PÚBLICO
António
Costa e o perigo dos sinais errados
DIRECÇÃO EDITORIAL
02/02/2016 – PÚBLICO
O mal foi negociar
acordos a pensar que este é um governo efémero. Bruxelas pode não
perdoar.
Não fora estar toda
a gente a pensar em eleições e não precisaríamos agora de reviver
os tempos sinistros da troika e da austeridade. A última semana tem
sido uma espécie de revisitação dos preliminares desse regresso ao
passado, quando a invocação dos mercados, a pressão das agências
de rating, os avisos de Bruxelas e o confronto da retórica política
pré-anunciavam más notícias. Nesta terça-feira, nos noticiários,
nem faltou aquela expressão superlativa das “medidas adicionais”
a propósito das negociações entre as autoridades europeias e o
Governo português sobre a redução do défice estrutural. O sr.
Dombrovskis, vice-presidente da Comissão foi claro: sim, já foram
feitos progressos, mas não chega. Percebemos o recado.
Como se vê, nada
mudou em Bruxelas, que na sua agenda autista e desenfreada continua a
agir como se não tivesse mudado nada em Lisboa. E, já agora, como
se não houvesse hoje noção dos erros grosseiros cometidos nos
chamados programas de ajustamento. Esses erros não são invenção
de eurocépticos ou delírio de prevaricadores para justificar
eventuais incumprimentos, nada disso! São relatórios subscritos
pelos credores, membros da troika, que escrevem uma coisa e fazem
outra, como inimputáveis em permanente risco de surto psicótico. As
consequências políticas desta irresponsabilidade são dia a dia
mais visíveis por toda a Europa e não são um espectáculo
agradável para quem preza a democracia, a solidariedade e a justiça.
Recém-chegado ao
poder, o Governo de António Costa pensou que a Europa, a braços com
problemas como o terrorismo, a crise dos refugiados ou o referendo no
Reino Unido, iria fazer vista grossa ao irrelevante caso do défice
português. Foi sob a égide desta ingénua previsão que o PS
negociou os acordos com o PCP e o BE, acordos em parte alinhados com
o seu próprio programa eleitoral. Sempre se soube que as eleições
de Outubro não trariam maiorias absolutas, o poder seria efémero e
o segredo a preparação do futuro. O futuro, neste caso, não seria
um lugar estranho, mas um cenário com ritual de passagem pela
governação com um programa e um, dois?, orçamentos para aprovar.
Todos os partidos com assento parlamentar sabem que é quase
impossível que este Governo cumpra uma legislatura; os três que o
apoiam negociaram os acordos com os olhos no dia seguinte à sua
queda. A pressa de satisfazer as clientelas eleitorais justifica a
pressa em executar todas as medidas de supetão, como se o critério
fosse apenas reverter tudo sem cuidar da equidade nem da justeza do
que vem a seguir?
É fundamental que
Bruxelas perceba que a vontade dos portugueses conta e que há um
antes e um depois de 4 de Outubro de 2015. Um Governo que não faça
valer a sua legitimação nas urnas não está só a defraudar os
eleitores, mas a contribuir também para a criação de uma
caricatura da própria democracia. Mas quem se quer fazer respeitar e
ouvir não pode enviar sinais errados. As 35 horas e a reintrodução
dos feriados são mesmo prioridades?
Entre
o que a CE quer e os acordos feitos com PCP e BE, Governo tem margem
de manobra curta
Depois de Portugal
falhar, por causa do custo associado à resolução do Banif, o
objectivo de colocar o défice abaixo de 3% em 2015, a CE quer ver no
OE para este ano uma meta que fique de forma confortável dentro dos
limites estabelecidos pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento. O
anterior Governo tinha apontado em Julho para uma meta de 1,8% do PIB
(depois dos 2,7% não cumpridos em 2015). O actual Governo começou
por apresentar uma meta de 2,8% no programa do Governo, que baixou
para 2,6% no esboço do Orçamento e que agora parece disposto a
colocar em 2,4%. O problema é que, nas contas da CE, os números do
Governo não batem certo e o défice pode ficar mesmo acima de 3%
outra vez. Uma redução no défice estrutural A última recomendação
feita pelo Conselho Europeu a Portugal era, depois de mais uma meta
falhada em 2015, de uma redução do défice estrutural em 2016 de
0,6 pontos percentuais. No esboço do OE, o Governo apenas prometeu
0,2 pontos, o suficiente para deixar desde logo a CE insatisfeita.
Mas o problema tornou-se ainda maior porque, para atingir esse valor,
o executivo classificou como medidas extraordinárias muitas das
reversões de austeridade previstas para 2016, como o desaparecimento
dos cortes salariais na função pública ou a redução mais rápida
da sobretaxa. A CE e o Governo estão a negociar qual a melhor forma
de contabilização destas medidas, mas o que é certo é que
Bruxelas quer ver um maior esforço de consolidação orçamental e
não apenas uma redução do défice baseado no crescimento da
economia.
Mais reformas
estruturais
No passado, em
países que não cumpriam nos seus orçamentos com as metas exigidas
para o défice, Bruxelas aceitou como atenuante a apresentação de
planos de reformas estruturais ambiciosos. Para a CE, fazer reformas
estruturais significa flexibilizar os mercados laboral e de produtos,
por forma a reduzir os custos das empresas, tornando a economia mais
competitiva. Bruxelas gostaria de ver o Governo a apresentar mais
medidas deste tipo.
O que o Governo
garantiu aos partidos à esquerda
Reposição salarial
O documento prevê “a reposição integral, ao longo do ano de
2016, dos salários dos trabalhadores do Estado”.
Prestações
sociais
No Complemento
Solidário para Idosos, o esboço prevê a reposição do valor de
referência, passando de 4909 para 5022 euros anuais, repondo assim
os valores em vigor até 2012 e permitindo que voltem a beneficiar
desta prestação idosos que ficaram excluídos. Prevê-se que sejam
abrangidos, em 2016, cerca de 200.000 idosos. No Rendimento Social de
Inserção, prevê-se a reposição dos níveis de protecção,
existentes até 2011, abrangendo cerca de 240.000 portugueses em
2016.
Prestações
familiares
Aumento do valor do
abono de família, com uma actualização de 3,5% no 1.º escalão,
de 2,5% no 2.º
escalão e de 2% no
3.º escalão.
Pensões
Actualização de
0,4% de pensões e complementos até 628,82 euros. A partir de 1 de
Janeiro de 2016, por aplicação das regras de actualização
suspensas desde 2010, pretende actualizar-se 2,5 milhões de pensões.
Sobretaxa de IRS
Redução gradual da
sobretaxa de IRS: 0% para rendimentos colectáveis anuais até 7000
mil euros (primeiro escalão do IRS); 1% para rendimentos colectáveis
anuais entre 7000 e 20.000 mil euros (segundo escalão do IRS); 1,75%
para rendimentos colectáveis anuais entre 20.000 e 40.000 (terceiro
escalão do IRS); 3% para rendimentos colectáveis anuais entre
40.000 e 80.000 (quarto escalão do IRS).
Taxa Social Única
(TSU)
Redução até ao
limite de 1,5 pontos percentuais, sem consequência na formação das
pensões, da TSU paga pelos trabalhadores com salário-base bruto
igual ou inferior a 600 euros mensais.
Outras medidas
O documento estipula
como meta “melhorar a sustentabilidade do sistema de pensões a
médio prazo”. Neste aspecto, compromete-se, entre outros pontos, a
estudar a diversificação das fontes de financiamento da Segurança
Social. E não prevê qualquer nova privatização. Tendo garantido
no seu programa de Governo, apoiado por uma maioria parlamentar, que
irá proceder a uma recuperação do rendimento dos portugueses,
agravar os impostos directos sobre os salários seria uma hipótese
com elevados custos políticos. O Governo poderia centrar-se apenas
nos escalões mais elevados de rendimento mais altos e nos
rendimentos sobre o capital. A esse nível, as dúvidas que se
colocariam seriam sobre a fiabilidade das estimativas de obtenção
de receita adicional, já que neste tipo de impostos, um aumento de
taxas pode conduzir a alterações do comportamento dos agentes
económicos que minimizam o impacto na receita fiscal. Nos impostos
indirectos, o Governo tem mais hipóteses de garantir ganhos
imediatos de receita. A hipótese de um aumento do IVA, por afectar a
generalidade da população e diminuir o poder de compra, parece
também ser difícil em termos políticos, por isso o Governo tenderá
a virar-se para produtos específicos, como combustíveis e
automóveis. Nas negociações com a CE estas são duas áreas que
fizeram parte das propostas do Governo. Por fim, o Governo pode optar
por sugerir um agravamento dos impostos sobre a banca e as empresas.
Reduzir despesa
de funcionamento
Com as principais
rubricas da despesa intocáveis (salários e pensões), o Governo
pode apresentar a intenção de cortar nas despesas correntes de
funcionamento. Já o fez no esboço do OE e poderá voltar a fazê-lo.
O problema é que, não havendo uma medida concreta por trás dessa
intenção, a CE pode considerar as metas de cortes de despesa pouco
credíveis.
Sérgio Aníbal e
Maria João Lopes / PÚBLICO / 3-2-2016
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