Conservatório:
e pôr uma caixinha para recolher moedas no átrio?
ANDREIA SANCHES
03/11/2015 - PÚBLICO
A
Escola de Música do Conservatório Nacional pediu na semana passada
aos encarregados de educação donativos para pagar contas correntes.
Nesta terça-feira ao final do dia o ministério da Educação
garantiu reforço de verbas. Directora diz que não foi informada.
Os sons dos
instrumentos fogem pelas frestas e fazem-se ouvir no corredor. A
directora da Escola de Música do Conservatório Nacional vai batendo
em cada porta — “Posso?” — , para mostrar algumas das salas
que sofreram obras este ano, depois de terem chegado a ser encerradas
por representarem um perigo para a segurança dos alunos. As marcas
das infiltrações desapareceram. Numa sala está um professor e a
sua aluna que toca oboé, noutra um professor com três alunos que
tocam trompa, e mais à frente, noutra, uma professora com duas
alunas que acabam de arrumar nas mochilas as partituras e se preparam
para ir almoçar. “Por que é que não pomos uma caixa no átrio
para recolher moedas?”, sugere esta última professora à directora
que acaba de entrar.
“Ou então
organizamos uma ‘semana do euro’? Cada aluno traz um euro...”,
continua a professora, cheia de boa vontade. A directora admite que a
caixinha para as moedas pode ser uma ideia.
Já antes, na
portaria da escola o tema de conversa entre os funcionários era o
mesmo: a carta que Ana Mafalda Pernão, a directora deste
estabelecimento que tem mais de 900 alunos do ensino básico e
secundário, publicou no site do estabelecimento de ensino na
Internet, na semana passada, dirigida “aos pais, encarregados de
educação e amigos”. Uma carta com data de 26 de Outubro onde
escreveu: “Venho assim, e como principal responsável pela
viabilidade económica da escola, solicitar o vosso apoio, no que for
viável a cada um e nos actuais constrangimentos que todos sofremos,
para a entrega do donativo que considerarem possível e justo.”
No final, o NIB:
078101120112001264926. Até esta terça-feira, já tinha recebido 567
euros.
Não é que na
escola — uma das seis estatais de ensino especializado de música
que existem no país —, já não se adivinhasse que as contas não
andavam famosas. Por exemplo, deixou de haver papel higiénico nas
casas de banho. Como medida de controlo de custos, os alunos devem
pedir previamente a uma funcionária o papel de que precisem.
Mas mesmo assim
houve professores e funcionários que ficaram surpreendidos com o
apelo de Ana Mafalda na Internet. “O que se passa?”, tem ouvido.
“Se cada um der um
euro, já serão 900 euros e, neste momento, qualquer ajuda é
bem-vinda”, declarou à Lusa nesta segunda-feira. E o caso
tornou-se mediático. Nesta terça-feira de manhã os pedidos de
entrevistas sucediam-se — televisões, rádios, jornais... O que se
passa?
6000 euros de
electricidade
Ana Mafalda Pernão
já tinha dito publicamente, em Maio, que tinha sofrido um corte de
70 mil euros no orçamento. O dinheiro não ia chegar, avisou. E há
dias, mês de Outubro, requisitou à Direcção-Geral dos
Estabelecimentos Escolares “os últimos cinco mil euros” a que
tinha direito este ano.
No seu gabinete, Ana
Mafalda Pernão, que é directora da escola desde 2009, explicava ao
PÚBLICO, nesta manhã de terça: “Temos um orçamento de gestão,
que vem do Estado — e que rondava, por ano, nos últimos 10, 12
anos, os 180 mil euros — e um orçamento de compensação, que é
dinheiro que vamos conseguindo angariar, com fotocópias, inscrições
para exames, donativos, receitas de concertos que organizamos...”
As recentes obras no palco do salão nobre, por exemplo, foram pagas
com receitas próprias, angariadas com concertos, e um apoio da
Fundação Calouste Gulbenkian, contou.
Mas voltando ao
dia-a-dia: é então com este bolo, de verbas públicas e próprias,
que se pagam as contas básicas, as despesas de manutenção do
edifício e dos instrumentos. Só pianos a escola tem 67 e só eles
representam um gasto anual de 25 mil euros em arranjos e afinação —
todos os anos é feito um concurso público para que uma empresa
fique encarregada deste trabalho, diz a directora.
Depois há as
despesas com a água e a luz — neste edifício que ao longo de
décadas e décadas foi sofrendo acrescentos e transformações, as
janelas estão demasiado velhas para fecharem bem, deixam passar o
frio e as salas são mantidas quentes com aquecedores a óleo. “São
seis mil euros por mês de electricidade nos meses de Inverno. Os
aquecedores não se podem desligar, senão nenhum miúdo consegue
tocar nada de jeito com o frio.”
Sim, não será o
sistema mais económico, concede. Mas não há outro que esteja a
funcionar no velho edifício.
Em 2014, a verba
proveniente do Orçamento do Estado para estas e outras despesas de
funcionamento (“o cacifo que se estraga, o vidro que se parte, a
sanita que entope, essas coisas que acontecem numa escola”) passou
de 180 mil euros/ano para 90 mil. “Mas dissemos logo que aquilo era
impossível e ao longo do ano foram fazendo reforços”, prossegue.
“No final, com os reforços, a escola acabou por receber, no total,
à volta 162 mil.”
Este ano, 2015, o
orçamento inicial conhecido em Maio voltou a ser de 90 mil. “Temos
sistematicamente enviado emails, cartas, fazendo exposições,
enviando folhas excel com as rubricas da manutenção, da
electricidade, do economato, dos telefones... mas o que pesa mais é
a água e a electricidade”, diz Ana Mafalda. “Faço pedidos quase
diariamente”, acrescenta. E na carta aos pais fez contas: “O
orçamento do Estado foi reduzido em 43% em relação ao orçamento
do ano anterior, no montante aproximado de 70 mil euros.”
MEC autoriza reforço
O que a escola tem
de receitas próprias não chega, acrescenta, até porque algumas
resultam de protocolos específicos, para objectivos específicos,
caso dos celebrados com as autarquias para o funcionamento dos pólos
em Loures, Amadora e Seixal.
Mas ao final da
tarde desta terça-feira, por volta das 19h00, o gabinete de
comunicação da nova ministra da Educação Margarida Mano tinha uma
informação nova. Os pedidos de reforço da directora tinham sido
ouvidos, fez saber em resposta às várias perguntas colocadas pelo
PÚBLICO.
“O ministério tem
estado atento às necessidades manifestadas pela escola, tendo por
isso mesmo autorizado em situações anteriores reforços de verbas.
Relativamente ao pedido de reforço mais recente, recebido em 29 de
Outubro, este foi, na sequência do parecer positivo proferido ontem
[segunda-feira], já autorizado", explicou por escrito.
O gabinete de
comunicação informava ainda que já tinha comunicado isso mesmo à
escola. Mas, contactada uma vez mais Ana Mafalda Pernão, esta
garantiu ao PÚBLICO que não sabia. “Ainda não recebi essa
informação”, disse. “Mas é uma excelente notícia, se for
verdade. Sabe quanto será?”
O ministério não
deu valores. E a directora diz que só poderá dizer se, de facto, os
problemas imediatos da escola estão ultrapassados — pagamento de
luz, água, etc. — quando tiver noção dos montantes envolvidos.
Certo é que em
Janeiro, tudo recomeça, pode recorrer aos duodécimos — o que
significa que pode requerer um valor que não pode ultrapassar 1/12
do valor global da despesa definida para 2016 e que se baseará,
provavelmente, nos 90 mil euros de 2015 que se revelaram
insuficientes, nota. “São 7500 euros por mês, ou seja, é quase a
despesa com a luz nos meses de Inverno.”
Mais obras
Na visita guiada
pela escola, feita de manhã, ainda antes das notícias ministeriais,
encontrámos Alexandre Branco, professor de Orquestra, encarregue de
130 alunos. Também ele anda envolvido nesta coisa de arranjar
receitas que aliviem o sufoco. “Pode divulgar: dia 16 de Novembro
teremos um concerto com os alunos, a ideia é angariar fundos para
ajudar.”
Este professor é
dos que acreditam que o que o Ministério da Educação fez foi
descontar no orçamento da escola a verba que gastou nas obras de
urgência, depois de em Fevereiro uma vistoria da Câmara Municipal
de Lisboa ter obrigado a fechar dez salas. Chovia dentro de algumas,
havia risco de incêndio e no pátio central — o único espaço ao
ar livre que os alunos da escola têm para os recreios — caiam
pedaços de frisos das paredes, “felizmente nunca caíram quando lá
estavam estudantes”, segundo Ana Mafalda Pernão. Foram 43.500
euros em obras, financiadas pelo Ministério da Educação.
“Mas mesmo
considerando que este valor foi incluído no nosso orçamento, a
redução do mesmo ainda se cifrou nos 16%, ficando a escola impedida
de realizar todos os seus compromissos, que há muito são
contemplados, em virtude da obra que foi realizada”, escreveu a
directora na carta aos pais.
O Conservatório de
Música em Lisboa foi criado em Maio de 1835 e incorporado em
Novembro de 1836 no Conservatório Geral de Arte Dramática tendo-se
instalado no antigo Convento dos Caetanos. E é nesse mesmo edifício,
entretanto aumentado, que continua a funcionar. Os seus alunos
frequentam-no em diferentes regimes: alguns no chamado ensino
integrado (ou seja, têm ali todas as suas aulas, as do currículo
geral do básico e secundário e as do ensino especializado de
Música); outros estão no regime articulado ou supletivo (frequentam
as disciplinas de carácter geral noutras escolas e vão ao
conservatório para ter a formação vocacional).
Ana Mafalda Pernão
percorre os corredores, os átrios, as escadarias, para cima e para
baixo. Os sinais de degradação continuam presentes, apesar das
obras mais urgentes terem sido feitas. Nos últimos dias de Nuno
Crato como ministro da Educação foi-lhe entregue uma proposta,
feita pela Parque Escolar em conjunto com a escola. A directora não
sabe se foi aprovada.
Ao PÚBLICO o
ministério fez saber apenas que “conhece as necessidades de
reabilitação do edifício em que funciona o Conservatório de
Música, estando a Parque Escolar EPE a acompanhar este processo”.
O ministério não
esclareceu, contudo, quais os critérios de financiamento para o
orçamento de gestão destas escolas — mas a Escola de Música do
Conservatório de Lisboa não foi a única a ser alvo de cortes. Por
exemplo, António José Moreira, director do Conservatório de Música
do Porto, conta que também ele sofreu uma redução de 25% este ano.
Com cerca de 1100 alunos recebeu em 2015 pouco mais de 80 mil euros.
Para compensar, disse ao PÚBLICO, tem introduzido medidas como
“pedir uma taxa de utilização dos instrumentos aos alunos”, de
forma a custear as despesas com manutenção e afinação, e apenas
os mais pobres, do escalão A de acção social escolar, estão
isentos. Admite que não está a ser fácil a gestão — apesar de
não ter chegado ao ponto de pedir donativos aos encarregados de
educação.
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