O populismo ameaça as metas ambientais da União Europeia
Governos de direita radical em Itália e na Polónia tentam
atrasar os objectivos do Pacto Ecológico Europeu. Na Alemanha e nos Países
Baixos, as políticas verdes começam a ser contestadas.
Paulo Narigão
Reis
18 de Agosto de
2023, 20:00
A União Europeia
quer que a neutralidade carbónica seja atingida em 2050 e, para tal, gizou um
plano ambicioso que inclui cortes radicais nas emissões de gases com efeito de
estufa já em 2030. Só que o chamado Pacto Ecológico Europeu, o "Green Deal",
começa a enfrentar resistência em alguns países da UE, apesar das cada vez mais
frequentes ondas de calor extremo ou dos dantescos fogos florestais.
O pacto verde,
apresentado em 2019, ameaça ficar mais esbatido com a tentativa de alguns
países da Europa a 27 de atrasar o processo, com os problemas energéticos
provocados pela guerra na Ucrânia e os custos da transição verde em plena crise
de custo de vida como justificação.
Comecemos por
Itália, onde o governo de direita radical liderado por Giorgia Meloni está a
pôr em causa várias iniciativas europeias com o argumento de que as empresas
não conseguem suportar os objectivos delineados e acordados para a transição
ecológica. Exemplos: alterou os planos para a eliminação gradual dos automóveis
com motor de combustão e questionou uma directiva europeia destinada a melhorar
a eficiência energética dos edifícios.
O recuo ganha
maior dimensão com o atraso italiano em relação aos objectivos de
descarbonização estabelecidos pela UE para 2030, como admite um documento do
Ministério da Energia conhecido no mês passado.
A indústria
automóvel garante, não só em Itália como em muitos outros países, dezenas de
milhares de postos de trabalho, pelo que o Governo de Roma é um dos que têm
questionado o padrão europeu de emissões, conhecido como Euro 7, definido em
Novembro passado.
Em Maio, numa
conferência de fabricantes de automóveis em Verona, o ministro italiano dos
Transportes e líder da Liga, Matteo Salvini, disse que o Euro 7 estava
“claramente errado”.
“A Itália, com a
França, a República Checa, a Roménia, Portugal, a Eslováquia, a Bulgária, a
Polónia e a Hungria, tem os números para bloquear este salto no escuro”,
afirmou Salvini, citado pela Reuters.
Itália não está
sozinha nas objecções às metas ambientais de Bruxelas. A Polónia, que vai a
eleições em Outubro, está mesmo a processar Bruxelas por causa das políticas
climáticas.
“A UE quer tomar
decisões autoritárias sobre o tipo de veículos que os polacos vão conduzir?”,
insurgiu-se a ministra do Clima e Ambiente, Anna Moskwa, no mês passado.
O Governo de
Varsóvia já apresentou queixas no Tribunal de Justiça Europeu por causa da
proibição de veículos a combustão em 2035, do aumento da meta de redução das
emissões, da redução das licenças gratuitas de emissão de dióxido de carbono e
do que classifica como interferência na gestão das florestas nacionais.
A Polónia adiou
também o plano para reduzir a sua dependência do carvão, após a pressão
exercida pelos sindicatos mineiros.
Há um padrão
nesta contestação de italianos e polacos às políticas ambientais necessárias
para a descarbonização da UE, o mesmo que ameaça outras nações do bloco, como a
Alemanha e os Países Baixos: o crescimento da direita radical. Itália e Polónia
fazem parte do grupo de países governados pelo lado mais à direita do espectro
político, mas que pode alastrar a outros países da UE nos próximos anos.
Na Alemanha, a
impopularidade de uma lei que prevê a eliminação progressiva do aquecimento a
gás levou a coligação no poder a um ponto de elevado de tensão e à ascensão da
Alternativa para a Alemanha (AfD) nas sondagens, onde o partido de
extrema-direita ocupa, desde há alguns meses, o segundo lugar.
Os alemães só vão
a votos em 2025, mas nos Países Baixos as eleições legislativas antecipadas
(depois do colapso do governo centrista liderado por Mark Rutte) estão marcadas
para Novembro próximo. E, tal como na Alemanha, o segundo lugar nas sondagens
tem vindo a ser ocupado por um partido de matriz populista que fez da oposição
às políticas ambientais o seu cavalo de batalha.
Nas eleições
regionais de Março, o Movimento dos Cidadãos Agricultores (BBB), fundado em
2019 na sequência dos grandes protestos dos agricultores contra os planos do
Governo para reduzir drasticamente as emissões de azoto nas explorações
agrícolas, conquistou 15 lugares no Senado.
A última sondagem
da Ipsos coloca o BBB em segundo lugar, com quase 15% dos votos, apenas três
pontos percentuais atrás do VVD, que durante mais de uma década foi liderado
por Mark Rutte. E uma subida significativa do BBB nas eleições de Novembro pode
complicar a política ambiental dos Países Baixos, onde o centro-esquerda aposta
em Frans Timmermans, vice-presidente da Comissão Europeia com a pasta do clima
e visto como o pai do Pacto Ecológico Europeu.
“As
circunstâncias são, definitivamente, diferentes das de 2019, quando começámos
este pacto com o apoio máximo e a vontade política de agir de todos os
partidos”, disse recentemente o comissário europeu do Ambiente, Virginijus
Sinkevicius, em entrevista à Reuters, para quem os políticos têm de ter em
conta as sondagens que mostram que uma grande maioria dos cidadãos europeus
está preocupada com as alterações climáticas.
"Temos uma
maioria estável que apoia o Pacto Ecológico Europeu”, acrescenta Sinkevicius,
referindo-se ao nível de apoio no Parlamento Europeu à agenda verde da UE. Mas,
para o ano, há eleições para o Parlamento Europeu, onde o grupo Reformistas e
Conservadores Europeus, que inclui, entre outros, os Irmãos de Itália, o polaco
PiS, os Democratas Suecos e o espanhol Vox, poderá ver a sua representação
crescer e, consequentemente, reduzir o apoio ao plano ambiental, contagiando um
centro-direita com medo de perder votos nos seus próprios países.
“As eleições para
o Parlamento Europeu no próximo ano serão muito decisivas para o futuro",
afirmou à Reuters Mats Engström, do European Council on Foreign Relations,
"porque o grupo de centro-direita está a tornar-se mais negativo em
relação às políticas verdes".
Alemanha é o maior emissor
Apresentado em
Dezembro de 2019 por Ursula von der Leyen, o Pacto Ecológico Europeu é um
programa da Comissão Europeia para tornar a economia da UE sustentável. Define
como objectivos a redução das emissões de gases com efeito de estufa em 55% até
2030 e a neutralidade carbónica até 2050, através de uma transição “justa e
inclusiva”.
Conduzido pelo
actual vice-presidente da Comissão, o socialista Frans Timmermans, este enorme
programa prevê um conjunto de instrumentos legislativos, como a Lei Europeia do
Clima aprovada em 2021 e as minuciosas revisões do pacote “Fit for 55”, aliados
a uma série de planos sectoriais, como a estratégia de biodiversidade, a nova
estratégia industrial e o plano RePowerEU, o plano de acção para a economia
circular, o Novo Bauhaus Europeu (com foco nas cidades), a estratégia “Do Prado
ao Prato” (que abrange todo o sistema alimentar) ou o objectivo de poluição
zero.
Em termos de
emissões de gases com efeito de estufa, a Alemanha lidera de longe a tabela da
União Europeia — em 2021, emitia mais de 782 milhões de toneladas de CO2
equivalente (medida que inclui outros gases além do dióxido de carbono).
Seguem-se França (406,2Mt CO2eq), Itália (395,1Mt CO2eq) e Polónia (382,3Mt
CO2eq). Portugal, a meio da tabela, emitiu 52,5Mt de CO2 equivalente em 2021.
De acordo com o
Eurobarómetro de Julho, mais de metade dos europeus (58%) considera que é
preciso acelerar a transição para uma economia verde, face ao aumento dos
preços da energia e as questões relacionadas com o fornecimento de gás russo.
Do ponto de vista económico, 73% dos europeus concordam que os custos das
alterações climáticas são muito maiores do que o investimento necessário para
uma transição ecológica. Aline Flor
Populism threatens the European Union's
environmental goals
Radical right-wing governments in Italy and Poland are
trying to delay the goals of the European Green Deal. In Germany and the
Netherlands, green policies are beginning to be challenged.
Paulo Narigão
Reis
18 August 2023,
20:00
The
European Union wants carbon neutrality to be achieved by 2050 and to this end
has drawn up an ambitious plan that includes radical cuts in greenhouse gas
emissions as early as 2030. But the so-called European Green Deal, the Green
Deal, is beginning to face resistance in some EU countries, despite
increasingly frequent extreme heat waves or Dantesque forest fires.
The Green
Deal, introduced in 2019, threatens to fade further with the attempt by some
countries in Europe to 27 to delay the process, with the energy problems caused
by the war in Ukraine and the costs of the green transition in the midst of the
cost-of-living crisis as justification.
Let's start
with Italy, where the radical right government led by Giorgia Meloni is calling
into question several European initiatives on the grounds that companies cannot
support the outlined and agreed objectives for the ecological transition.
Examples: it changed plans for the phasing out of combustion engine cars and
questioned a European directive aimed at improving the energy efficiency of
buildings.
The retreat
is magnified by Italy's lagging behind the EU's 2030 decarbonisation targets,
as an Energy Ministry document admitted last month.
The car
industry guarantees, not only in Italy but in many other countries, tens of
thousands of jobs, so the Government of Rome is one of those who have
questioned the European emission standard, known as Euro 7, set last November.
In May, at
a conference of car manufacturers in Verona, Italian Transport Minister and
League leader Matteo Salvini said Euro 7 was "clearly wrong".
"Italy,
with France, the Czech Republic, Romania, Portugal, Slovakia, Bulgaria, Poland
and Hungary, has the numbers to block this leap in the dark," Salvini
said.
Italy is
not alone in its objections to Brussels' environmental targets. Poland, which
is going to elections in October, is even suing Brussels over climate policies.
"Does
the EU want to make authoritarian decisions about the kind of vehicles Poles
will drive?" said Climate and Environment Minister Anna Moskwa last month.
The Warsaw
government has already lodged complaints with the European Court of Justice
over the 2035 ban on combustion vehicles, the increase in the emissions
reduction target, the reduction of free carbon dioxide emission allowances and
what it classifies as interference in the management of national forests.
Poland also
postponed the plan to reduce its dependence on coal after pressure from miners'
unions.
There is a
pattern to this challenge by Italians and Poles to the environmental policies
needed for the decarbonization of the EU, the same one that threatens other
nations in the bloc, such as Germany and the Netherlands: the growth of the
radical right. Italy and Poland are part of the group of countries governed by the
far right side of the political spectrum, but which could spread to other EU
countries in the coming years.
In Germany,
the unpopularity of a law providing for the phasing out of gas heating has
pushed the ruling coalition to a high point of tension and the rise of the
Alternative for Germany (AfD) in the polls, where the far-right party has been
in second place for a few months.
Germans
will only go to the polls in 2025, but in the Netherlands early parliamentary
elections (after the collapse of the centrist government led by Mark Rutte) are
scheduled for next November. And, as in Germany, the second place in the polls
has been occupied by a populist party that has made opposition to environmental
policies its workhorse.
In the
March regional elections, the Farmers' Citizens' Movement (BBB), founded in
2019 in the wake of large farmers' protests against the government's plans to
drastically reduce nitrogen emissions on farms, won 15 seats in the Senate.
The latest
Ipsos poll puts the BBB in second place with nearly 15 percent of the vote,
just three percentage points behind the VVD, which for more than a decade was
led by Mark Rutte. And a significant rise in the BBB in November's elections
could complicate environmental policy in the Netherlands, where the centre-left
is betting on Frans Timmermans, the European Commission's vice-president with
the climate portfolio and seen as the father of the European Green Deal.
"The
circumstances are definitely different from those of 2019, when we started this
pact with the maximum support and the political will to act from all
parties," European Environment Commissioner Virginijus Sinkevicius said
recently in an interview with Reuters, for whom politicians have to take into
account polls showing that a large majority of European citizens are concerned
about climate change.
"We
have a stable majority that supports the European Green Deal," Sinkevicius
adds, referring to the level of support in the European Parliament for the EU's
green agenda. But for the year, there are elections to the European Parliament,
where the European Reformists and Conservatives group, which includes, among
others, the Brothers of Italy, the Polish PiS, the Sweden Democrats and the
Spanish Vox, could see its representation grow and, consequently, reduce
support for the environmental plan, infecting a centre-right afraid of losing
votes in their own countries.
"The
European Parliament elections next year will be very decisive for the
future," Mats Engström of the European Council on Foreign Relations told
Reuters, "because the centre-right group is becoming more negative about
green policies."
Germany is the largest emitter
Presented
in December 2019 by Ursula von der Leyen, the European Green Deal is a
programme of the European Commission to make the EU economy sustainable. It
sets as objectives the reduction of greenhouse gas emissions by 55% by 2030 and
carbon neutrality by 2050, through a "just and inclusive" transition.
Led by the
current Vice-President of the Commission, the Socialist Frans Timmermans, this
huge programme provides for a set of legislative instruments, such as the
European Climate Law adopted in 2021 and the thorough revisions of the
"Fit for 55" package, together with a series of sectoral plans, such
as the biodiversity strategy, the new industrial strategy and the RePowerEU
plan, the action plan for the circular
economy, the New European Bauhaus (focusing on cities), the "From Meadow
to Plate" strategy (covering the entire food system) or the goal of zero
pollution.
In terms of
greenhouse gas emissions, Germany leads by far in the European Union table — in
2021, it emitted more than 782 million tons of CO2 equivalent (a measure that
includes gases other than carbon dioxide). This is followed by France (406.2Mt
CO2eq), Italy (395.1Mt CO2eq) and Poland (382.3Mt CO2eq). Portugal, in the
middle of the table, emitted 52.5Mt of CO2 equivalent in 2021.
According
to the July Eurobarometer, more than half of Europeans (58%) believe that the
transition to a green economy needs to be accelerated, given rising energy
prices and issues related to Russian gas supplies. From an economic point of
view, 73% of Europeans agree that the costs of climate change are much greater
than the investment needed for an ecological transition. Aline Flor.
Sem comentários:
Enviar um comentário