segunda-feira, 21 de agosto de 2023

O populismo ameaça as metas ambientais da União Europeia / Populism threatens the European Union's environmental goals

 



O populismo ameaça as metas ambientais da União Europeia

 

Governos de direita radical em Itália e na Polónia tentam atrasar os objectivos do Pacto Ecológico Europeu. Na Alemanha e nos Países Baixos, as políticas verdes começam a ser contestadas.

 

Paulo Narigão Reis

18 de Agosto de 2023, 20:00

https://www.publico.pt/2023/08/18/azul/noticia/populismo-ameaca-metas-ambientais-uniao-europeia-2060237

 

A União Europeia quer que a neutralidade carbónica seja atingida em 2050 e, para tal, gizou um plano ambicioso que inclui cortes radicais nas emissões de gases com efeito de estufa já em 2030. Só que o chamado Pacto Ecológico Europeu, o "Green Deal", começa a enfrentar resistência em alguns países da UE, apesar das cada vez mais frequentes ondas de calor extremo ou dos dantescos fogos florestais.

 

O pacto verde, apresentado em 2019, ameaça ficar mais esbatido com a tentativa de alguns países da Europa a 27 de atrasar o processo, com os problemas energéticos provocados pela guerra na Ucrânia e os custos da transição verde em plena crise de custo de vida como justificação.

 

Comecemos por Itália, onde o governo de direita radical liderado por Giorgia Meloni está a pôr em causa várias iniciativas europeias com o argumento de que as empresas não conseguem suportar os objectivos delineados e acordados para a transição ecológica. Exemplos: alterou os planos para a eliminação gradual dos automóveis com motor de combustão e questionou uma directiva europeia destinada a melhorar a eficiência energética dos edifícios.

 

O recuo ganha maior dimensão com o atraso italiano em relação aos objectivos de descarbonização estabelecidos pela UE para 2030, como admite um documento do Ministério da Energia conhecido no mês passado.

 

A indústria automóvel garante, não só em Itália como em muitos outros países, dezenas de milhares de postos de trabalho, pelo que o Governo de Roma é um dos que têm questionado o padrão europeu de emissões, conhecido como Euro 7, definido em Novembro passado.

 

Em Maio, numa conferência de fabricantes de automóveis em Verona, o ministro italiano dos Transportes e líder da Liga, Matteo Salvini, disse que o Euro 7 estava “claramente errado”.

 

“A Itália, com a França, a República Checa, a Roménia, Portugal, a Eslováquia, a Bulgária, a Polónia e a Hungria, tem os números para bloquear este salto no escuro”, afirmou Salvini, citado pela Reuters.

 

Itália não está sozinha nas objecções às metas ambientais de Bruxelas. A Polónia, que vai a eleições em Outubro, está mesmo a processar Bruxelas por causa das políticas climáticas.

 

“A UE quer tomar decisões autoritárias sobre o tipo de veículos que os polacos vão conduzir?”, insurgiu-se a ministra do Clima e Ambiente, Anna Moskwa, no mês passado.

 

O Governo de Varsóvia já apresentou queixas no Tribunal de Justiça Europeu por causa da proibição de veículos a combustão em 2035, do aumento da meta de redução das emissões, da redução das licenças gratuitas de emissão de dióxido de carbono e do que classifica como interferência na gestão das florestas nacionais.

 

A Polónia adiou também o plano para reduzir a sua dependência do carvão, após a pressão exercida pelos sindicatos mineiros.

 

Há um padrão nesta contestação de italianos e polacos às políticas ambientais necessárias para a descarbonização da UE, o mesmo que ameaça outras nações do bloco, como a Alemanha e os Países Baixos: o crescimento da direita radical. Itália e Polónia fazem parte do grupo de países governados pelo lado mais à direita do espectro político, mas que pode alastrar a outros países da UE nos próximos anos.

 

Na Alemanha, a impopularidade de uma lei que prevê a eliminação progressiva do aquecimento a gás levou a coligação no poder a um ponto de elevado de tensão e à ascensão da Alternativa para a Alemanha (AfD) nas sondagens, onde o partido de extrema-direita ocupa, desde há alguns meses, o segundo lugar.

 

Os alemães só vão a votos em 2025, mas nos Países Baixos as eleições legislativas antecipadas (depois do colapso do governo centrista liderado por Mark Rutte) estão marcadas para Novembro próximo. E, tal como na Alemanha, o segundo lugar nas sondagens tem vindo a ser ocupado por um partido de matriz populista que fez da oposição às políticas ambientais o seu cavalo de batalha.

 

Nas eleições regionais de Março, o Movimento dos Cidadãos Agricultores (BBB), fundado em 2019 na sequência dos grandes protestos dos agricultores contra os planos do Governo para reduzir drasticamente as emissões de azoto nas explorações agrícolas, conquistou 15 lugares no Senado.

 

A última sondagem da Ipsos coloca o BBB em segundo lugar, com quase 15% dos votos, apenas três pontos percentuais atrás do VVD, que durante mais de uma década foi liderado por Mark Rutte. E uma subida significativa do BBB nas eleições de Novembro pode complicar a política ambiental dos Países Baixos, onde o centro-esquerda aposta em Frans Timmermans, vice-presidente da Comissão Europeia com a pasta do clima e visto como o pai do Pacto Ecológico Europeu.

 

“As circunstâncias são, definitivamente, diferentes das de 2019, quando começámos este pacto com o apoio máximo e a vontade política de agir de todos os partidos”, disse recentemente o comissário europeu do Ambiente, Virginijus Sinkevicius, em entrevista à Reuters, para quem os políticos têm de ter em conta as sondagens que mostram que uma grande maioria dos cidadãos europeus está preocupada com as alterações climáticas.

 

"Temos uma maioria estável que apoia o Pacto Ecológico Europeu”, acrescenta Sinkevicius, referindo-se ao nível de apoio no Parlamento Europeu à agenda verde da UE. Mas, para o ano, há eleições para o Parlamento Europeu, onde o grupo Reformistas e Conservadores Europeus, que inclui, entre outros, os Irmãos de Itália, o polaco PiS, os Democratas Suecos e o espanhol Vox, poderá ver a sua representação crescer e, consequentemente, reduzir o apoio ao plano ambiental, contagiando um centro-direita com medo de perder votos nos seus próprios países.

 

“As eleições para o Parlamento Europeu no próximo ano serão muito decisivas para o futuro", afirmou à Reuters Mats Engström, do European Council on Foreign Relations, "porque o grupo de centro-direita está a tornar-se mais negativo em relação às políticas verdes".

 

Alemanha é o maior emissor

Apresentado em Dezembro de 2019 por Ursula von der Leyen, o Pacto Ecológico Europeu é um programa da Comissão Europeia para tornar a economia da UE sustentável. Define como objectivos a redução das emissões de gases com efeito de estufa em 55% até 2030 e a neutralidade carbónica até 2050, através de uma transição “justa e inclusiva”.

 

Conduzido pelo actual vice-presidente da Comissão, o socialista Frans Timmermans, este enorme programa prevê um conjunto de instrumentos legislativos, como a Lei Europeia do Clima aprovada em 2021 e as minuciosas revisões do pacote “Fit for 55”, aliados a uma série de planos sectoriais, como a estratégia de biodiversidade, a nova estratégia industrial e o plano RePowerEU, o plano de acção para a economia circular, o Novo Bauhaus Europeu (com foco nas cidades), a estratégia “Do Prado ao Prato” (que abrange todo o sistema alimentar) ou o objectivo de poluição zero.

 

Em termos de emissões de gases com efeito de estufa, a Alemanha lidera de longe a tabela da União Europeia — em 2021, emitia mais de 782 milhões de toneladas de CO2 equivalente (medida que inclui outros gases além do dióxido de carbono). Seguem-se França (406,2Mt CO2eq), Itália (395,1Mt CO2eq) e Polónia (382,3Mt CO2eq). Portugal, a meio da tabela, emitiu 52,5Mt de CO2 equivalente em 2021.

 

De acordo com o Eurobarómetro de Julho, mais de metade dos europeus (58%) considera que é preciso acelerar a transição para uma economia verde, face ao aumento dos preços da energia e as questões relacionadas com o fornecimento de gás russo. Do ponto de vista económico, 73% dos europeus concordam que os custos das alterações climáticas são muito maiores do que o investimento necessário para uma transição ecológica. Aline Flor


Populism threatens the European Union's environmental goals

 

Radical right-wing governments in Italy and Poland are trying to delay the goals of the European Green Deal. In Germany and the Netherlands, green policies are beginning to be challenged.

 

Paulo Narigão Reis

18 August 2023, 20:00

https://www.publico.pt/2023/08/18/azul/noticia/populismo-ameaca-metas-ambientais-uniao-europeia-2060237

 

The European Union wants carbon neutrality to be achieved by 2050 and to this end has drawn up an ambitious plan that includes radical cuts in greenhouse gas emissions as early as 2030. But the so-called European Green Deal, the Green Deal, is beginning to face resistance in some EU countries, despite increasingly frequent extreme heat waves or Dantesque forest fires.

 

The Green Deal, introduced in 2019, threatens to fade further with the attempt by some countries in Europe to 27 to delay the process, with the energy problems caused by the war in Ukraine and the costs of the green transition in the midst of the cost-of-living crisis as justification.

 

Let's start with Italy, where the radical right government led by Giorgia Meloni is calling into question several European initiatives on the grounds that companies cannot support the outlined and agreed objectives for the ecological transition. Examples: it changed plans for the phasing out of combustion engine cars and questioned a European directive aimed at improving the energy efficiency of buildings.

 

The retreat is magnified by Italy's lagging behind the EU's 2030 decarbonisation targets, as an Energy Ministry document admitted last month.

 

The car industry guarantees, not only in Italy but in many other countries, tens of thousands of jobs, so the Government of Rome is one of those who have questioned the European emission standard, known as Euro 7, set last November.

 

In May, at a conference of car manufacturers in Verona, Italian Transport Minister and League leader Matteo Salvini said Euro 7 was "clearly wrong".

 

"Italy, with France, the Czech Republic, Romania, Portugal, Slovakia, Bulgaria, Poland and Hungary, has the numbers to block this leap in the dark," Salvini said.

 

Italy is not alone in its objections to Brussels' environmental targets. Poland, which is going to elections in October, is even suing Brussels over climate policies.

 

"Does the EU want to make authoritarian decisions about the kind of vehicles Poles will drive?" said Climate and Environment Minister Anna Moskwa last month.

 

The Warsaw government has already lodged complaints with the European Court of Justice over the 2035 ban on combustion vehicles, the increase in the emissions reduction target, the reduction of free carbon dioxide emission allowances and what it classifies as interference in the management of national forests.

 

Poland also postponed the plan to reduce its dependence on coal after pressure from miners' unions.

 

There is a pattern to this challenge by Italians and Poles to the environmental policies needed for the decarbonization of the EU, the same one that threatens other nations in the bloc, such as Germany and the Netherlands: the growth of the radical right. Italy and Poland are part of the group of countries governed by the far right side of the political spectrum, but which could spread to other EU countries in the coming years.

 

In Germany, the unpopularity of a law providing for the phasing out of gas heating has pushed the ruling coalition to a high point of tension and the rise of the Alternative for Germany (AfD) in the polls, where the far-right party has been in second place for a few months.

 

Germans will only go to the polls in 2025, but in the Netherlands early parliamentary elections (after the collapse of the centrist government led by Mark Rutte) are scheduled for next November. And, as in Germany, the second place in the polls has been occupied by a populist party that has made opposition to environmental policies its workhorse.

 

In the March regional elections, the Farmers' Citizens' Movement (BBB), founded in 2019 in the wake of large farmers' protests against the government's plans to drastically reduce nitrogen emissions on farms, won 15 seats in the Senate.

 

The latest Ipsos poll puts the BBB in second place with nearly 15 percent of the vote, just three percentage points behind the VVD, which for more than a decade was led by Mark Rutte. And a significant rise in the BBB in November's elections could complicate environmental policy in the Netherlands, where the centre-left is betting on Frans Timmermans, the European Commission's vice-president with the climate portfolio and seen as the father of the European Green Deal.

 

"The circumstances are definitely different from those of 2019, when we started this pact with the maximum support and the political will to act from all parties," European Environment Commissioner Virginijus Sinkevicius said recently in an interview with Reuters, for whom politicians have to take into account polls showing that a large majority of European citizens are concerned about climate change.

 

"We have a stable majority that supports the European Green Deal," Sinkevicius adds, referring to the level of support in the European Parliament for the EU's green agenda. But for the year, there are elections to the European Parliament, where the European Reformists and Conservatives group, which includes, among others, the Brothers of Italy, the Polish PiS, the Sweden Democrats and the Spanish Vox, could see its representation grow and, consequently, reduce support for the environmental plan, infecting a centre-right afraid of losing votes in their own countries.

 

"The European Parliament elections next year will be very decisive for the future," Mats Engström of the European Council on Foreign Relations told Reuters, "because the centre-right group is becoming more negative about green policies."

 

Germany is the largest emitter

Presented in December 2019 by Ursula von der Leyen, the European Green Deal is a programme of the European Commission to make the EU economy sustainable. It sets as objectives the reduction of greenhouse gas emissions by 55% by 2030 and carbon neutrality by 2050, through a "just and inclusive" transition.

 

Led by the current Vice-President of the Commission, the Socialist Frans Timmermans, this huge programme provides for a set of legislative instruments, such as the European Climate Law adopted in 2021 and the thorough revisions of the "Fit for 55" package, together with a series of sectoral plans, such as the biodiversity strategy, the new industrial strategy and the RePowerEU plan,  the action plan for the circular economy, the New European Bauhaus (focusing on cities), the "From Meadow to Plate" strategy (covering the entire food system) or the goal of zero pollution.

 

In terms of greenhouse gas emissions, Germany leads by far in the European Union table — in 2021, it emitted more than 782 million tons of CO2 equivalent (a measure that includes gases other than carbon dioxide). This is followed by France (406.2Mt CO2eq), Italy (395.1Mt CO2eq) and Poland (382.3Mt CO2eq). Portugal, in the middle of the table, emitted 52.5Mt of CO2 equivalent in 2021.

 

According to the July Eurobarometer, more than half of Europeans (58%) believe that the transition to a green economy needs to be accelerated, given rising energy prices and issues related to Russian gas supplies. From an economic point of view, 73% of Europeans agree that the costs of climate change are much greater than the investment needed for an ecological transition. Aline Flor.


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