COMBOIOS
Expansão da espanhola Renfe para Portugal coloca pressão
sobre a CP
Um ambicioso plano espanhol está a ser gizado para
explorar as linhas mais rentáveis em Portugal, mas a CP está sem meios para
poder aguentar a concorrência da Renfe.
Carlos Cipriano
21 de Agosto de
2023, 6:42
Tudo começou em
Maio, com uma notícia do El Economista que revelava a intenção da Renfe de
entrar no território português no eixo La Coruña-Santiago de
Compostela-Vigo-Porto-Lisboa. Depois, em Julho, um comunicado oficial da
operadora pública espanhola anunciava um “novo serviço internacional
transfronteiriço” entre Plasencia e Évora.
E agora foi a vez
do La Información revelar, na semana passada, um plano detalhado da Renfe para
entrar no mercado português, já em 2024, mal se conclua a linha que está em
construção entre Évora e Elvas.
Num horizonte de
2027, a estratégia espanhola passa por realizar serviços entre Lisboa e Porto -
competindo com a CP - Comboios de Portugal na linha que é a coluna vertebral da
rede ferroviária portuguesa – e com ligações directas a Vigo e La Coruña.
Uma aposta que é
em tudo idêntica à estratégia desenhada pelo ex-ministro das Infra-Estruturas,
Pedro Nuno Santos, que privilegia a faixa atlântica com ligação à Galiza em vez
da ligação a Madrid. Só que nuestros hermanos vão mais longe e prevêem comboios
directos entre Madrid e Lisboa e até uma relação diária entre Madrid e o Porto
por Salamanca e Guarda.
Segundo o mesmo
jornal espanhol, a Renfe prevê um investimento inicial de 15 milhões de euros
para adaptar o seu material circulante aos parâmetros das vias férreas
portuguesas.
Contactada pelo
PÚBLICO, fonte oficial da Renfe diz que o documento divulgado pelo La
Información “é uma apresentação ou plano teórico (mais um entre os muitos que
se fazem na empresa) para contemplar vários cenários”, não havendo nenhum plano
de actuação aprovado.
Internacionalização em curso
Aprovado ou não,
o plano existe e a própria Renfe já lançou um concurso público para o contrato
de assessoria destinado a preparar, junto do Instituto da Mobilidade e dos
Transportes (IMT) nacional, o certificado de segurança que lhe permita operar
na rede portuguesa. Também não é inocente um protocolo entre a Renfe e o
Instituto Camões destinado a ensinar português aos maquinistas espanhóis que
venham a conduzir comboios em Portugal.
Mais: as
intenções do país vizinho são coerentes com a sua estratégia recente de
internacionalização. A Renfe já entrou em França com uma rota entre Barcelona e
Lyon e outra entre Madrid e Marselha, sendo sua intenção chegar a Paris. E já
há algum tempo que detém uma empresa na República Checa, a Leo Express, com a
qual espera operar também na Áustria e na Alemanha. Nos países bálticos, está
associada a um projecto ferroviário entre a Letónia e a Estónia e, fora da
Europa, tem actividade nos Estados Unidos da América (EUA) e no México.
Apesar destas
evidências, questionada pelo PÚBLICO, a CP respondeu em Julho que soube das
intenções espanholas pela comunicação social. Durante a semana passada, o
PÚBLICO voltou a contactar a empresa, mas não obteve resposta. Também o
gabinete do ministro das Infra-Estruturas, João Galamba, não respondeu às
perguntas sobre qual a estratégia do Governo para dotar a CP de meios que lhe
permitam suportar a concorrência da Renfe.
Neste momento,
Portugal nem sequer tem material circulante para operar em Espanha. As próprias
carruagens Arco, compradas em segunda mão à Renfe e entretanto renovadas e
postas a circular na linha do Minho (e num comboio directo Valença-Figueira da
Foz), não foram homologadas para voltarem a entrar no país vizinho. A CP não
respondeu ao PÚBLICO por que motivo esse processo ainda não foi anunciado.
Já do lado
espanhol, a Renfe possui comboios eléctricos e a diesel que, após certificação,
podem facilmente circular na rede portuguesa. Os S-120, por exemplo, podem
fazer a ligação entre Lisboa e La Coruña porque suportam diferentes tipos de
tensão eléctrica, e os S-730, híbridos (funcionam a diesel ou com energia
eléctrica em linhas electrificadas), podem operar entre a Extremadura e Lisboa.
Saneamento da CP ainda em 2023
Mas a maior
debilidade da CP é a sua situação financeira, cuja dívida histórica ascende a
2,1 mil milhões de euros, o que esmaga as suas contas e a impede de se
financiar junto da banca para comprar comboios de longo curso, aptos para a
alta velocidade e essenciais para fazer face à concorrência.
O saneamento da
dívida já esteve previsto no Orçamento do Estado de 2022, mas não foi
executado. A medida consta agora no Orçamento do Estado de 2023 e, à margem de
uma visita às oficinas de Guifões realizada no dia 17 de Julho, o ministro João
Galamba garantiu “que será executada antes do final do ano”.
O governante
explicou que “a CP prestou durante muitos anos um serviço público sem ser
adequadamente remunerada e, portanto, acumulou dívida, não por gestão
incompetente ou irresponsável, mas sobretudo pela ausência de mecanismos de
pagamento desse serviço prestado”. Por isso, “estamos a trabalhar activamente
com o Ministério das Finanças na resolução dessa questão”, disse.
A compra destes
comboios de longo curso é essencial para a CP explorar a futura linha
Lisboa-Porto, sob pena de Portugal construir uma “auto-estrada ferroviária” que
será depois utilizada apenas pela concorrência. Um cenário dramático para a CP,
que ficaria condenada a explorar os serviços menos rentáveis, no âmbito do
serviço público, enquanto outros lucrariam com os percursos mais rentáveis.
Nessa
concorrência inclui-se também a interna. A Barraqueiro, através da sua empresa
B-Rail (já constituída e com licença para operar), também quer uma parte do
corredor nuclear do mercado ferroviário de passageiros. Depois de ter tentado,
sem sucesso, iniciar o serviço na linha do Norte (a empresa pediu 24 canais
horários entre Lisboa e Porto e a IP disse que só podia disponibilizar dez), a
empresa resolveu adiar a sua estreia para 2029, quando já estiver construído o
primeiro troço de alta velocidade, entre Porto e Soure.
Em declarações ao
PÚBLICO, Castanho Ribeiro, administrador da B-Rail, constata que “a Renfe já
estendeu a sua rede para França e é natural que o queira fazer para Portugal”.
O gestor considera que “o mercado dificilmente suportará novos operadores, mas
por vezes o aumento da oferta gera nova procura, como se viu no
Madrid-Barcelona com a entrada da Ouigo e da Iryo”.
Curiosamente, a
concorrência da Renfe em Espanha é feita por empresas maioritariamente
públicas. A Iryo é parcialmente detida pela operadora estatal Trenitalia e a
Ouigo pertence aos caminhos-de-ferro franceses (SNCF).
TRAIN
Expansion of Spain's Renfe to Portugal puts
pressure on CP
An ambitious Spanish plan is being hatched to exploit
the most profitable lines in Portugal, but CP is out of means to be able to
withstand competition from Renfe.
Carlos Cipriano
21 August 2023,
06:42
It all
started in May, with a report from El Economista that revealed Renfe's
intention to enter the territory Portuguese on the La Coruña-Santiago de
Compostela-Vigo-Porto-Lisbon axis. Then, in July, an official statement from
the Spanish public operator announced a "new cross-border international
service" between Plasencia and Évora.
And now it
was the turn of La Información to reveal, last week, a detailed plan by Renfe
to enter the Portuguese market, as early as 2024, as soon as the line that is
under construction between Évora and Elvas is completed.
In a
horizon of 2027, the Spanish strategy is to carry out services between Lisbon
and Porto - competing with CP - Comboios de Portugal on the line that is the
backbone of the Portuguese railway network - and with direct connections to
Vigo and La Coruña.
A bet that
is identical in everything to the strategy designed by the former Minister of
Infrastructure, Pedro Nuno Santos, which privileges the Atlantic strip with
connection to Galicia instead of the connection to Madrid. But our hermanos go
further and provide direct trains between Madrid and Lisbon and even a daily
relationship between Madrid and Porto by Salamanca and Guarda.
According
to the same Spanish newspaper, Renfe foresees an initial investment of 15
million euros to adapt its rolling stock to the parameters of the Portuguese
railways.
Contacted
by PÚBLICO, Renfe's official source says that the document released by La
Información "is a presentation or theoretical plan (one more among the
many that are made in the company) to contemplate various scenarios", with
no approved action plan.
Internationalization in progress
Approved or
not, the plan exists and Renfe itself has already launched a public tender for
the advisory contract aimed at preparing, with the national Institute of
Mobility and Transport (IMT), the safety certificate that will allow it to
operate on the Portuguese network. Nor is a protocol between Renfe and the
Camões Institute designed to teach Portuguese to Spanish train drivers who
drive trains in Portugal.
What's
more, the intentions of the neighbouring country are consistent with its recent
internationalisation strategy. Renfe has already entered France with a route
between Barcelona and Lyon and another between Madrid and Marseille, with its
intention being to reach Paris. And for some time now it has owned a company in
the Czech Republic, Leo Express, with which it hopes to operate also in Austria
and Germany. In the Baltic countries, it is associated with a railway project
between Latvia and Estonia and, outside Europe, it operates in the United
States of America (USA) and Mexico.
Despite
this evidence, questioned by PÚBLICO, CP responded in July that it learned of
the Spanish intentions from the media. During the past week, PÚBLICO contacted
the company again, but did not receive a response. Also the office of the
Minister of Infrastructure, João Galamba, did not respond to questions about
the Government's strategy to provide CP with the means to withstand competition
from Renfe.
At the
moment, Portugal does not even have rolling stock to operate in Spain. The Arco
carriages themselves, bought second-hand from Renfe and meanwhile renovated and
put to circulation on the Minho line (and on a direct train Valença-Figueira da
Foz), were not approved to re-enter the neighboring country. CP did not respond
to PÚBLICO why this process has not yet been announced.
On the
Spanish side, Renfe has electric and diesel trains that, after certification,
can easily circulate on the Portuguese network. The S-120s, for example, can
make the connection between Lisbon and La Coruña because they support different
types of electrical voltage, and the S-730, hybrids (run on diesel or with
electric power on electrified lines), can operate between Extremadura and
Lisbon.
Sanitation of CP still in 2023
But CP's
greatest weakness is its financial situation, whose historical debt amounts to
2.1 billion euros, which crushes its accounts and prevents it from financing
itself from the banks to buy long-distance trains, suitable for high speed and
essential to face competition.
The debt
reorganization was already foreseen in the 2022 State Budget, but it has not
been executed. The measure is now included in the 2023 State Budget and, on the
sidelines of a visit to the Guifões workshops held on July 17, Minister João
Galamba assured "that it will be executed before the end of the
year."
The
official explained that "the CP provided for many years a public service
without being adequately remunerated and, therefore, accumulated debt, not by
incompetent or irresponsible management, but above all by the absence of
payment mechanisms for this service provided." Therefore, "we are
actively working with the Ministry of Finance in resolving this issue," he
said.
The
purchase of these long-distance trains is essential for CP to operate the
future Lisbon-Porto line, otherwise Portugal will build a "railway
motorway" that will then be used only by the competition. A dramatic
scenario for CP, which would be condemned to exploit the less profitable
services within the public service, while others would profit from the most
profitable routes.
This
competition also includes internal competition. Barraqueiro, through its
company B-Rail (already incorporated and licensed to operate), also wants a
part of the nuclear corridor of the passenger rail market. After having tried,
without success, to start the service on the Northern line (the company asked
for 24 train paths between Lisbon and Porto and IP said it could only provide
ten), the company decided to postpone its debut to 2029, when the first
high-speed section between Porto and Soure, is already built.
Speaking to
PÚBLICO, Castanho Ribeiro, director of B-Rail, notes that "Renfe has
already extended its network to France and it is natural that it wants to do so
for Portugal." The manager considers that "the market will hardly
support new operators, but sometimes the increase in supply generates new
demand, as seen in Madrid-Barcelona with the entry of Ouigo and Iryo."
Interestingly,
Renfe's competition in Spain is made by mostly public companies. Iryo is partly
owned by the state-owned operator Trenitalia and Ouigo belongs to the French
Railways (SNCF).
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