segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Expansão da espanhola Renfe para Portugal coloca pressão sobre a CP / Expansion of Spain's Renfe to Portugal puts pressure on CP

 


COMBOIOS

Expansão da espanhola Renfe para Portugal coloca pressão sobre a CP

 

Um ambicioso plano espanhol está a ser gizado para explorar as linhas mais rentáveis em Portugal, mas a CP está sem meios para poder aguentar a concorrência da Renfe.

 

Carlos Cipriano

21 de Agosto de 2023, 6:42

https://www.publico.pt/2023/08/21/economia/noticia/expansao-espanhola-renfe-portugal-coloca-pressao-cp-2060594

 

Tudo começou em Maio, com uma notícia do El Economista que revelava a intenção da Renfe de entrar no território português no eixo La Coruña-Santiago de Compostela-Vigo-Porto-Lisboa. Depois, em Julho, um comunicado oficial da operadora pública espanhola anunciava um “novo serviço internacional transfronteiriço” entre Plasencia e Évora.

 

E agora foi a vez do La Información revelar, na semana passada, um plano detalhado da Renfe para entrar no mercado português, já em 2024, mal se conclua a linha que está em construção entre Évora e Elvas.

 

Num horizonte de 2027, a estratégia espanhola passa por realizar serviços entre Lisboa e Porto - competindo com a CP - Comboios de Portugal na linha que é a coluna vertebral da rede ferroviária portuguesa – e com ligações directas a Vigo e La Coruña.

 

Uma aposta que é em tudo idêntica à estratégia desenhada pelo ex-ministro das Infra-Estruturas, Pedro Nuno Santos, que privilegia a faixa atlântica com ligação à Galiza em vez da ligação a Madrid. Só que nuestros hermanos vão mais longe e prevêem comboios directos entre Madrid e Lisboa e até uma relação diária entre Madrid e o Porto por Salamanca e Guarda.

 

Segundo o mesmo jornal espanhol, a Renfe prevê um investimento inicial de 15 milhões de euros para adaptar o seu material circulante aos parâmetros das vias férreas portuguesas.

 

Contactada pelo PÚBLICO, fonte oficial da Renfe diz que o documento divulgado pelo La Información “é uma apresentação ou plano teórico (mais um entre os muitos que se fazem na empresa) para contemplar vários cenários”, não havendo nenhum plano de actuação aprovado.

 

Internacionalização em curso

Aprovado ou não, o plano existe e a própria Renfe já lançou um concurso público para o contrato de assessoria destinado a preparar, junto do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) nacional, o certificado de segurança que lhe permita operar na rede portuguesa. Também não é inocente um protocolo entre a Renfe e o Instituto Camões destinado a ensinar português aos maquinistas espanhóis que venham a conduzir comboios em Portugal.

 

Mais: as intenções do país vizinho são coerentes com a sua estratégia recente de internacionalização. A Renfe já entrou em França com uma rota entre Barcelona e Lyon e outra entre Madrid e Marselha, sendo sua intenção chegar a Paris. E já há algum tempo que detém uma empresa na República Checa, a Leo Express, com a qual espera operar também na Áustria e na Alemanha. Nos países bálticos, está associada a um projecto ferroviário entre a Letónia e a Estónia e, fora da Europa, tem actividade nos Estados Unidos da América (EUA) e no México.

 

Apesar destas evidências, questionada pelo PÚBLICO, a CP respondeu em Julho que soube das intenções espanholas pela comunicação social. Durante a semana passada, o PÚBLICO voltou a contactar a empresa, mas não obteve resposta. Também o gabinete do ministro das Infra-Estruturas, João Galamba, não respondeu às perguntas sobre qual a estratégia do Governo para dotar a CP de meios que lhe permitam suportar a concorrência da Renfe.

 

Neste momento, Portugal nem sequer tem material circulante para operar em Espanha. As próprias carruagens Arco, compradas em segunda mão à Renfe e entretanto renovadas e postas a circular na linha do Minho (e num comboio directo Valença-Figueira da Foz), não foram homologadas para voltarem a entrar no país vizinho. A CP não respondeu ao PÚBLICO por que motivo esse processo ainda não foi anunciado.

 

Já do lado espanhol, a Renfe possui comboios eléctricos e a diesel que, após certificação, podem facilmente circular na rede portuguesa. Os S-120, por exemplo, podem fazer a ligação entre Lisboa e La Coruña porque suportam diferentes tipos de tensão eléctrica, e os S-730, híbridos (funcionam a diesel ou com energia eléctrica em linhas electrificadas), podem operar entre a Extremadura e Lisboa.

 

Saneamento da CP ainda em 2023

Mas a maior debilidade da CP é a sua situação financeira, cuja dívida histórica ascende a 2,1 mil milhões de euros, o que esmaga as suas contas e a impede de se financiar junto da banca para comprar comboios de longo curso, aptos para a alta velocidade e essenciais para fazer face à concorrência.

 

O saneamento da dívida já esteve previsto no Orçamento do Estado de 2022, mas não foi executado. A medida consta agora no Orçamento do Estado de 2023 e, à margem de uma visita às oficinas de Guifões realizada no dia 17 de Julho, o ministro João Galamba garantiu “que será executada antes do final do ano”.

 

O governante explicou que “a CP prestou durante muitos anos um serviço público sem ser adequadamente remunerada e, portanto, acumulou dívida, não por gestão incompetente ou irresponsável, mas sobretudo pela ausência de mecanismos de pagamento desse serviço prestado”. Por isso, “estamos a trabalhar activamente com o Ministério das Finanças na resolução dessa questão”, disse.

 

A compra destes comboios de longo curso é essencial para a CP explorar a futura linha Lisboa-Porto, sob pena de Portugal construir uma “auto-estrada ferroviária” que será depois utilizada apenas pela concorrência. Um cenário dramático para a CP, que ficaria condenada a explorar os serviços menos rentáveis, no âmbito do serviço público, enquanto outros lucrariam com os percursos mais rentáveis.

 

Nessa concorrência inclui-se também a interna. A Barraqueiro, através da sua empresa B-Rail (já constituída e com licença para operar), também quer uma parte do corredor nuclear do mercado ferroviário de passageiros. Depois de ter tentado, sem sucesso, iniciar o serviço na linha do Norte (a empresa pediu 24 canais horários entre Lisboa e Porto e a IP disse que só podia disponibilizar dez), a empresa resolveu adiar a sua estreia para 2029, quando já estiver construído o primeiro troço de alta velocidade, entre Porto e Soure.

 

Em declarações ao PÚBLICO, Castanho Ribeiro, administrador da B-Rail, constata que “a Renfe já estendeu a sua rede para França e é natural que o queira fazer para Portugal”. O gestor considera que “o mercado dificilmente suportará novos operadores, mas por vezes o aumento da oferta gera nova procura, como se viu no Madrid-Barcelona com a entrada da Ouigo e da Iryo”.

 

Curiosamente, a concorrência da Renfe em Espanha é feita por empresas maioritariamente públicas. A Iryo é parcialmente detida pela operadora estatal Trenitalia e a Ouigo pertence aos caminhos-de-ferro franceses (SNCF).


TRAIN

Expansion of Spain's Renfe to Portugal puts pressure on CP

 

An ambitious Spanish plan is being hatched to exploit the most profitable lines in Portugal, but CP is out of means to be able to withstand competition from Renfe.

 

Carlos Cipriano

21 August 2023, 06:42

https://www.publico.pt/2023/08/21/economia/noticia/expansao-espanhola-renfe-portugal-coloca-pressao-cp-2060594

 

It all started in May, with a report from El Economista that revealed Renfe's intention to enter the territory Portuguese on the La Coruña-Santiago de Compostela-Vigo-Porto-Lisbon axis. Then, in July, an official statement from the Spanish public operator announced a "new cross-border international service" between Plasencia and Évora.

 

And now it was the turn of La Información to reveal, last week, a detailed plan by Renfe to enter the Portuguese market, as early as 2024, as soon as the line that is under construction between Évora and Elvas is completed.

 

In a horizon of 2027, the Spanish strategy is to carry out services between Lisbon and Porto - competing with CP - Comboios de Portugal on the line that is the backbone of the Portuguese railway network - and with direct connections to Vigo and La Coruña.

 

A bet that is identical in everything to the strategy designed by the former Minister of Infrastructure, Pedro Nuno Santos, which privileges the Atlantic strip with connection to Galicia instead of the connection to Madrid. But our hermanos go further and provide direct trains between Madrid and Lisbon and even a daily relationship between Madrid and Porto by Salamanca and Guarda.

 

According to the same Spanish newspaper, Renfe foresees an initial investment of 15 million euros to adapt its rolling stock to the parameters of the Portuguese railways.

 

Contacted by PÚBLICO, Renfe's official source says that the document released by La Información "is a presentation or theoretical plan (one more among the many that are made in the company) to contemplate various scenarios", with no approved action plan.

 

Internationalization in progress

Approved or not, the plan exists and Renfe itself has already launched a public tender for the advisory contract aimed at preparing, with the national Institute of Mobility and Transport (IMT), the safety certificate that will allow it to operate on the Portuguese network. Nor is a protocol between Renfe and the Camões Institute designed to teach Portuguese to Spanish train drivers who drive trains in Portugal.

 

What's more, the intentions of the neighbouring country are consistent with its recent internationalisation strategy. Renfe has already entered France with a route between Barcelona and Lyon and another between Madrid and Marseille, with its intention being to reach Paris. And for some time now it has owned a company in the Czech Republic, Leo Express, with which it hopes to operate also in Austria and Germany. In the Baltic countries, it is associated with a railway project between Latvia and Estonia and, outside Europe, it operates in the United States of America (USA) and Mexico.

 

Despite this evidence, questioned by PÚBLICO, CP responded in July that it learned of the Spanish intentions from the media. During the past week, PÚBLICO contacted the company again, but did not receive a response. Also the office of the Minister of Infrastructure, João Galamba, did not respond to questions about the Government's strategy to provide CP with the means to withstand competition from Renfe.

 

At the moment, Portugal does not even have rolling stock to operate in Spain. The Arco carriages themselves, bought second-hand from Renfe and meanwhile renovated and put to circulation on the Minho line (and on a direct train Valença-Figueira da Foz), were not approved to re-enter the neighboring country. CP did not respond to PÚBLICO why this process has not yet been announced.

 

On the Spanish side, Renfe has electric and diesel trains that, after certification, can easily circulate on the Portuguese network. The S-120s, for example, can make the connection between Lisbon and La Coruña because they support different types of electrical voltage, and the S-730, hybrids (run on diesel or with electric power on electrified lines), can operate between Extremadura and Lisbon.

 

Sanitation of CP still in 2023

But CP's greatest weakness is its financial situation, whose historical debt amounts to 2.1 billion euros, which crushes its accounts and prevents it from financing itself from the banks to buy long-distance trains, suitable for high speed and essential to face competition.

 

The debt reorganization was already foreseen in the 2022 State Budget, but it has not been executed. The measure is now included in the 2023 State Budget and, on the sidelines of a visit to the Guifões workshops held on July 17, Minister João Galamba assured "that it will be executed before the end of the year."

 

The official explained that "the CP provided for many years a public service without being adequately remunerated and, therefore, accumulated debt, not by incompetent or irresponsible management, but above all by the absence of payment mechanisms for this service provided." Therefore, "we are actively working with the Ministry of Finance in resolving this issue," he said.

 

The purchase of these long-distance trains is essential for CP to operate the future Lisbon-Porto line, otherwise Portugal will build a "railway motorway" that will then be used only by the competition. A dramatic scenario for CP, which would be condemned to exploit the less profitable services within the public service, while others would profit from the most profitable routes.

 

This competition also includes internal competition. Barraqueiro, through its company B-Rail (already incorporated and licensed to operate), also wants a part of the nuclear corridor of the passenger rail market. After having tried, without success, to start the service on the Northern line (the company asked for 24 train paths between Lisbon and Porto and IP said it could only provide ten), the company decided to postpone its debut to 2029, when the first high-speed section between Porto and Soure, is already built.

 

Speaking to PÚBLICO, Castanho Ribeiro, director of B-Rail, notes that "Renfe has already extended its network to France and it is natural that it wants to do so for Portugal." The manager considers that "the market will hardly support new operators, but sometimes the increase in supply generates new demand, as seen in Madrid-Barcelona with the entry of Ouigo and Iryo."

 

Interestingly, Renfe's competition in Spain is made by mostly public companies. Iryo is partly owned by the state-owned operator Trenitalia and Ouigo belongs to the French Railways (SNCF).


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