Sintra um lugar que é nosso? Estão a gozar?
Nem é preciso ser residente, o estado do sítio torna a
propaganda da câmara ofensiva não só para os que vivem em Sintra como também
para quem a visita em busca do espírito do lugar.
Madalena Martins
21 de Agosto de
2022, 23:24
https://www.publico.pt/2022/08/21/opiniao/opiniao/sintra-lugar-estao-gozar-2017869
“Sintra um lugar
que é nosso” é o novo slogan da Câmara Municipal de Sintra.
Entre a confusão
do trânsito, as construções dissonantes ou mesmo monstruosas, o artesanato
feito na China, as esplanadas que invadem passeios e ruas, os letreiros
agressivos, a desqualificação generalizada do sítio, a propaganda mais parece
uma provocação.
Um lugar que é
nosso, de quem? Os poucos residentes que vão resistindo à pressão do turismo de
massas sentem na pele que Sintra é cada vez menos sua. O que, aliás, o
presidente da câmara faz questão de acentuar quando responde a críticas e
reclamações dos munícipes acusando-os de quererem ser donos de Sintra. Sintra é
de todos. Mas, por este andar, perderá o seu encanto e não interessará a
ninguém.
Sintra, um lugar que é “deles"…
“O lugar que é
nosso” é, na realidade, cada vez mais “deles”. É dos turistas, quantos mais
melhor, com os inerentes atropelos à paisagem e ao espírito do lugar. É dos
bandos de “tuk-tuks”, jipes e autocarros que entopem as ruas e poluem o ar. É
dos promotores imobiliários que fazem coisas como a Gandarinha, a Quinta de
Santo António ou o Vila Galé e outras novas construções e “reabilitações”
desastrosas. É das empresas de actividades ditas de desporto-aventura e de
todos os que exploram de forma agressiva o parque natural. É do alojamento
hoteleiro em cada esquina, das lojas de quinquilharia para o turista, dos
transportes para o turista, dos restaurantes e cafés para o turista.
E, antes de mais,
Sintra é, sem dúvida, da câmara municipal, dos detentores do poder que, sob o
discurso de transparência, de diálogo com a comunidade e de respeito pelo
património que apregoam, o que mostram é opacidade, desprezo pelos problemas
dos munícipes e insensibilidade àquilo que faz de Sintra um sítio único. E nem
é preciso ser residente, o estado do sítio torna a propaganda da câmara
ofensiva não só para os que vivem em Sintra como também para quem a visita em
busca do espírito do lugar. Estamos fartos de sofrer o inferno em que se tornou
viver em Sintra ou vir passear a Sintra. Um lugar que é nosso? Estão a gozar?
Uma responsabilidade que é de todos
Como tantos
outros sítios de Património Mundial, Sintra tem de ser protegida dos efeitos
predadores do turismo de massas e da especulação, para que possa ser usufruída,
valorizada e legada às próximas gerações naquilo que tem de exclusivo: uma
simbiose única entre a natureza e os monumentos, as pessoas e as suas casas.
Foi essa harmonia entre a natureza e a intervenção humana o principal
fundamento da inscrição da Paisagem Cultural de Sintra como Património da
Humanidade. Como alertava a UNESCO em 1995, a sua identidade é frágil e
vulnerável a métodos negligentes e insensíveis de gestão e de uso do
território. Hoje, 27 anos depois, Sintra precisa urgentemente de uma gestão eficaz
que garanta a sua integridade como património vivo e trave o negócio do turismo
de massas, o qual, como todos sabemos, acabará fatalmente por matar a galinha
dos ovos de ouro.
É óbvio que o
turismo é muito importante para Sintra mas é preciso ver mais longe, aprender
com as experiências boas e más de outros sítios de Património Mundial. Às
entidades responsáveis pela gestão do bem universal de valor excepcional - a
câmara, a DGPC, o ICNF, a APA, a PSML, o Turismo de Portugal -, cabe a
responsabilidade de preservar Sintra, em articulação com a comunidade e outras
partes interessadas. Só uma visão de futuro, que integre o ambiente, a cultura,
a sociedade, a economia, pode evitar que Sintra se torne em mais um parque de
diversões sem vida própria. Todos sabemos que é uma tarefa complexa que requer
vontade política e competência na administração do território. Mas é preciso
pôr mãos à obra, antes que seja tarde demais.
É óbvio que o turismo é muito importante para Sintra, mas
é preciso ver mais longe, aprender com as experiências boas e más de outros
sítios de Património Mundial
Não chega a
retórica oficial de defesa do património quando o que se vê na prática é a
degradação da paisagem, da qualidade de vida e, também, inevitavelmente, da
experiência dos visitantes. Contrariar a monocultura do turismo, dinamizar
outras actividades consentâneas com as características do lugar, introduzir
regulamentos e mecanismos que defendam eficazmente o património nas suas
múltiplas dimensões, incentivar o arrendamento permanente, criar um sistema de
transportes e de gestão de trânsito adequados, são alguns dos desafios
estratégicos que se colocam a Sintra. É isso que os sintrenses e os amantes de
Sintra exigem, não só da câmara como dos organismos centrais da administração
pública.
Só assim, Sintra
poderá continuar a ser um lugar que é nosso, dos que aqui vivem, dos que a
visitam, hoje e no futuro, sem demagogias nem jogos de palavras.
OPINIÃO
A abertura do Chalet Biester e a Sintra experience
O “enxame” de
tuk-tuks e os trovadores de vários géneros musicais que, com amplificação de
alto potencial ocupam o espaço físico da serra e do centro histórico, tornam
impossível qualquer experience etérea ou poética metafísica.
António Sérgio
Rosa de Carvalho
23 de Maio de
2022, 23:53
https://www.publico.pt/2022/05/23/opiniao/opiniao/abertura-chalet-biester-sintra-experience-2007397
A recente abertura do notável Chalet Biester
veio reforçar o potencial de excelência da “experiência cultural” Sintra. Esta,
garantida pela conjugação única de Património Cultural e Património Natural,
definidos na atribuição da classificação da UNESCO como Paisagem Cultural /
Natural. Esta classificação traz também enormes responsabilidades e imperativos
de gestão.
Este pequeno artigo pretende precisamente
tratar dos imperativos mínimos para garantir a excelência da internacionalmente
prometida Sintra experience.
A
abertura ao público do Chalet Biester ( 1 ) veio
confirmar e reforçar os temas da vizinha Regaleira não só no plano da
arquitectura e dos fabulosos projectos paisagísticos e respectivos
investimentos botânicos completando a “visão” de D. Fernando, mas também no
plano do núcleo de interesses esotéricos e iniciáticos, que remontam aos mitos
Templários.
Ora, as qualidades descritas exigem serenidade
contemplativa em sintonia com a Natureza e possibilidade de focagem e
concentração mental só possível com a garantia do silêncio.
FOTO: Em 19 de
agosto de 2020, condutores de animação turística e animadores turísticos
manifestaram-se para reivindicar que os alertas laranjas não sejam decretados
pelo risco de incêndio rural no concelho se Sintra TIAGO PETINGA/LUSA
A tentativa de alcançar a experiência
prometida, num presente dificultado por afluências massificadas de turistas,
torna-se simplesmente impossível pela presença constante de um “zumbido”
motorizado produzido por um “enxame” de tuk-tuks que incessantemente circulam
de forma caótica e perigosa na estrada da Pena, ou em baixo, junto à saída da
Regaleira.
Em 2015, quando Fernando Medina conseguiu
finalmente impor um regulamento em Lisboa para os tuk-tuks com a exigência de
circulação exclusiva de veículos electrificados em 2017, muitos dos motorizados
fugiram para Sintra, dominando de forma caótica e assertiva o já difícil
trânsito local e impondo-se num permanente assédio agressivo, desde o primeiro
momento de chegada à estação, ao visitante de Sintra.
Em 2015, quando
Fernando Medina conseguiu finalmente impor um regulamento em Lisboa para os
tuk-tuks com a exigência de circulação exclusiva de veículos electrificados em
2017, muitos dos motorizados fugiram para Sintra
Basílio Horta tentou impor um imprescindível
regulamento em 2017, mas uma providência cautelar em 2018 determinou uma
incompreensível suspensão deste tão necessário regulamento.
Os episódios negativos têm-se sucedido, desde
um agente de polícia ferido numa manifestação ( 2
) a um recente acidente com quatro
feridos.( 3 ) Tudo isto culminado com o episódio
da não declaração de 189.000 euros de lucros por um proprietário da frota de
tuk-tuks.( 4 )
Junto a este fenómeno que exige soluções e
medidas urgentes, toda a Sintra experience é também dominada por trovadores de
vários géneros musicais que com amplificação de alto potencial ocupam o espaço
físico da serra e do centro histórico, tornando impossível qualquer experience
etérea ou poética metafísica.
Por este andar, estes fenómenos associados aos
números incomportáveis e irresponsáveis de turistas vão levar a uma intervenção
da UNESCO, impondo limites
Por este andar, estes fenómenos associados aos números
incomportáveis e irresponsáveis de turistas vão levar a uma intervenção da
UNESCO, impondo limites
Sintra, no caso de não impor regulamento e
medidas dirigidas à imposição e restabelecimento de um equilíbrio, está a
desenvolver à sua escala uma síndroma “Veneza” que vai forçosamente e
inevitavelmente culminar em cancelas limitativas com um preço global para o
pacote de atracções para a sua experience.
Historiador de Arquitectura
( 1 )
https://www.publico.pt/2022/03/31/fugas/noticia/palacio-biester-abre-visitas-primeira-tesouro-seculo-xix-sintra-2000859
( 2 )
https://www.jn.pt/local/noticias/lisboa/sintra/policia-ferida-em-protesto-de-tuk-tuk-devido-a-interdicao-na-serra-de-sintra-10965458.html
( 3 )
https://www.noticiasaominuto.com/pais/1987538/despiste-de-tuk-tuk-provoca-quatro-feridos-em-sintra
( 4 )
https://www.cmjornal.pt/portugal/detalhe/dono-de-frota-de-tuk-tuk-nao-declara-189-mil-euros
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