sábado, 4 de dezembro de 2021

Será Eduardo Cabrita a Margarida Martins de António Costa?

 



OPINIÃO

Será Eduardo Cabrita a Margarida Martins de António Costa?

 

Por uma vez, louve-se a sinceridade. Eduardo Cabrita demitiu-se porque as eleições estão à porta e ele é um homem do partido.

 

João Miguel Tavares

3 de Dezembro de 2021, 22:25

https://www.publico.pt/2021/12/03/opiniao/opiniao/sera-eduardo-cabrita-margarida-martins-antonio-costa-1987425

 

O inevitável aconteceu, mas aconteceu com muitos meses de atraso, e de forma atabalhoada mesmo até à última conferência de imprensa. No dia em que se soube que o carro ia a 163km/h e que o motorista que atropelou Nuno Santos iria ser acusado de homicídio por negligência, Eduardo Cabrita ainda conseguiu proferir uma longa série de barbaridades e não se demitir no momento que se impunha.

 

Sim, ele saiu. Não, ele não estava a pensar sair. Se estivesse, as declarações que fez aos jornalistas pela manhã teriam sido de outro teor. Eduardo Cabrita ter-se-ia remetido ao silêncio, ou então limitado a informar os jornalistas de que iria dar uma conferência de imprensa à tarde para se pronunciar sobre a acusação do Ministério Público. Não foi o que aconteceu. Eduardo Cabrita foi obviamente empurrado porta fora após o desastre da sua intervenção matinal, na qual conseguiu atirar de novo as culpas para cima do morto (“têm de ser esclarecidas as condições do atravessamento da via”, disse ele), e somando-lhe desta vez a culpa do motorista (“eu sou passageiro”, disse Cabrita). O ministro da Administração Interna fez o bingo do descaramento e da insensibilidade.

 

Mas não se ficou por aí. Na conferência de imprensa subiu a parada, desde logo com uma formulação extraordinária no momento em que anunciava a sua demissão: “Como sabem, no dia 18 de Junho, a viatura que me transportava foi vítima de um acidente.” A viatura. Vítima. De um acidente. Cabrita levava uns papéis rabiscados, mas custa a conceber que aquela frase pudesse ter sido escrita por alguém – tenhamos a caridade de a considerar um improviso infeliz. Só que não foi improviso o que se seguiu, porque Cabrita já o repetiu várias vezes: que lamenta a perda de uma vida “mais do que ninguém” – incluindo a família de Nuno Santos? –, e que viu “com estupefacção o aproveitamento político que foi feito de uma tragédia pessoal”.

 

Eduardo Cabrita insistiu em confundir “aproveitamento” com responsabilização política, e a única razão pela qual cedeu desta vez à pressão não foi por o carro ir a mais de 160km/h, ou por ser o chefe da comitiva e se sentir co-responsável pelo acidente. A única razão foi esta, bem explicitada pelo próprio: “Não posso permitir que este aproveitamento político absolutamente intolerável seja utilizado no actual quadro para penalizar a acção do Governo, contra o senhor primeiro-ministro ou mesmo contra o Partido Socialista.” Por uma vez, louve-se a sinceridade. Eduardo Cabrita demitiu-se porque as eleições estão à porta e ele é um homem do partido.

 

António Costa cometeu um enorme erro ao não ter remodelado o Governo antes das negociações do Orçamento do Estado, que nunca acreditou que chumbasse. Agora que o Parlamento foi dissolvido, é obrigado a arrastar consigo um conjunto de ministros-zombie ou de ministros-fantasma que ninguém está minimamente interessado em ver na campanha eleitoral. Em vez de trunfos, são embaraços. E Cabrita era o maior embaraço de todos – uma bomba a fazer tiquetaque até 30 de Janeiro.

 

Costa percebeu que não podia correr o risco de repetir à escala do país o efeito Margarida Martins na corrida à Câmara de Lisboa. Por isso, disse adeus ao velho amigo com uma surpreendente frieza. Será essa frieza suficiente para o seu fantasma não assombrar a campanha eleitoral? Vai depender da oposição. Eu colocaria três cartazes de Cabrita à beira da estrada, para nunca nos esquecermos da sua cara e do seu despudor.

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