OPINIÃO
Será Eduardo Cabrita a Margarida Martins de António
Costa?
Por uma vez, louve-se a sinceridade. Eduardo Cabrita
demitiu-se porque as eleições estão à porta e ele é um homem do partido.
João Miguel
Tavares
3 de Dezembro de
2021, 22:25
O inevitável
aconteceu, mas aconteceu com muitos meses de atraso, e de forma atabalhoada
mesmo até à última conferência de imprensa. No dia em que se soube que o carro
ia a 163km/h e que o motorista que atropelou Nuno Santos iria ser acusado de
homicídio por negligência, Eduardo Cabrita ainda conseguiu proferir uma longa
série de barbaridades e não se demitir no momento que se impunha.
Sim, ele saiu. Não,
ele não estava a pensar sair. Se estivesse, as declarações que fez aos
jornalistas pela manhã teriam sido de outro teor. Eduardo Cabrita ter-se-ia
remetido ao silêncio, ou então limitado a informar os jornalistas de que iria
dar uma conferência de imprensa à tarde para se pronunciar sobre a acusação do
Ministério Público. Não foi o que aconteceu. Eduardo Cabrita foi obviamente
empurrado porta fora após o desastre da sua intervenção matinal, na qual
conseguiu atirar de novo as culpas para cima do morto (“têm de ser esclarecidas
as condições do atravessamento da via”, disse ele), e somando-lhe desta vez a
culpa do motorista (“eu sou passageiro”, disse Cabrita). O ministro da
Administração Interna fez o bingo do descaramento e da insensibilidade.
Mas não se ficou
por aí. Na conferência de imprensa subiu a parada, desde logo com uma
formulação extraordinária no momento em que anunciava a sua demissão: “Como
sabem, no dia 18 de Junho, a viatura que me transportava foi vítima de um
acidente.” A viatura. Vítima. De um acidente. Cabrita levava uns papéis
rabiscados, mas custa a conceber que aquela frase pudesse ter sido escrita por
alguém – tenhamos a caridade de a considerar um improviso infeliz. Só que não
foi improviso o que se seguiu, porque Cabrita já o repetiu várias vezes: que
lamenta a perda de uma vida “mais do que ninguém” – incluindo a família de Nuno
Santos? –, e que viu “com estupefacção o aproveitamento político que foi feito
de uma tragédia pessoal”.
Eduardo Cabrita
insistiu em confundir “aproveitamento” com responsabilização política, e a
única razão pela qual cedeu desta vez à pressão não foi por o carro ir a mais
de 160km/h, ou por ser o chefe da comitiva e se sentir co-responsável pelo
acidente. A única razão foi esta, bem explicitada pelo próprio: “Não posso
permitir que este aproveitamento político absolutamente intolerável seja
utilizado no actual quadro para penalizar a acção do Governo, contra o senhor
primeiro-ministro ou mesmo contra o Partido Socialista.” Por uma vez, louve-se
a sinceridade. Eduardo Cabrita demitiu-se porque as eleições estão à porta e
ele é um homem do partido.
António Costa
cometeu um enorme erro ao não ter remodelado o Governo antes das negociações do
Orçamento do Estado, que nunca acreditou que chumbasse. Agora que o Parlamento
foi dissolvido, é obrigado a arrastar consigo um conjunto de ministros-zombie
ou de ministros-fantasma que ninguém está minimamente interessado em ver na
campanha eleitoral. Em vez de trunfos, são embaraços. E Cabrita era o maior
embaraço de todos – uma bomba a fazer tiquetaque até 30 de Janeiro.
Costa percebeu
que não podia correr o risco de repetir à escala do país o efeito Margarida
Martins na corrida à Câmara de Lisboa. Por isso, disse adeus ao velho amigo com
uma surpreendente frieza. Será essa frieza suficiente para o seu fantasma não
assombrar a campanha eleitoral? Vai depender da oposição. Eu colocaria três
cartazes de Cabrita à beira da estrada, para nunca nos esquecermos da sua cara
e do seu despudor.
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