EDITORIAL
A demissão inevitável do “excelente ministro”
Eduardo Cabrita percebeu, ou alguém o fez perceber, que a
sua carreira política tinha sido arruinada por uma exibição colossal de
arrogância, insensibilidade, desresponsabilização e falta de ética.
Manuel Carvalho
3 de Dezembro de
2021, 19:15
https://www.publico.pt/2021/12/03/politica/editorial/demissao-inevitavel-excelente-ministro-1987405
Ao final da
manhã, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, congratulava-se
com a luz do Estado de direito que levou o Ministério Público a acusar o seu
motorista de homicídio involuntário de um cidadão numa auto-estrada onde
circulava em excesso de velocidade; poucas horas depois, o mesmo ministro
demitia-se para evitar que um suposto “aproveitamento político absolutamente
intolerável seja utilizado no actual quadro para penalizar a acção do
Governo, contra o senhor primeiro-ministro ou mesmo contra o PS”.
Qual é o
verdadeiro ministro nesta história inenarrável? O que tenta limitar-se à
condição de passageiro para recusar qualquer responsabilidade no trágico
acidente? Ou o que percebe a indignidade da sua atitude e faz a única coisa que
pode fazer para salvar o pouco que resta da sua imagem pública e, dessa forma,
salvar o seu governo e o seu partido?
Não é difícil
encontrar a resposta. Eduardo Cabrita percebeu, ou alguém o fez perceber, que a
sua carreira política tinha sido arruinada por uma exibição colossal de
arrogância, insensibilidade, desresponsabilização e falta de ética. Como aqui
escrevemos, “ao dizer que era ‘só um passageiro’, ao imputar a responsabilidade
do homicídio por negligência a quem conduzia, ou ao recordar que a vítima
mortal fez um atravessamento em zona proibida, Eduardo Cabrita exibiu
perante o país uma horrenda falta de empatia pelos destinos da vítima e do
homem que o servia como motorista”.
Nenhum cidadão
poderia olhar para um ministro da sua República sem desdém e indignação, depois
de ele ter dito o que disse. Aceitar que um ministro tenta escapar à sua
responsabilidade numa história assim seria, afinal, aceitar a inimputabilidade
dos fortes e a culpabilidade natural dos mais fracos. Se o motorista conduzia
em excesso de velocidade, é porque cumpria ordens para violar a lei, ou porque
o seu superior não o obrigou a cumpri-la.
Eduardo Cabrita
poderia sempre comentar a acusação do MP lembrando que um acidente é um
acidente, assumindo a sua falha hierárquica, e, como fez na sua declaração de
demissão, mostrando solidariedade com a família. Dizendo o que disse na sua
primeira reacção, cavou a sepultura política, o que de alguma forma tentara
evitar com a invocação do seu estatuto de “passageiro”.
Já não estava em
causa o risco do “aproveitamento político”, mas a certeza de uma censura
pública legítima. Mesmo que as suas primeiras palavras fossem consequência de
um momento irreflectido e infeliz (e também o foram, seguramente), jamais seria
tolerável manter no Governo de Portugal o homem que as disse. António Costa
aceitou de imediato a demissão de alguém que definiu há pouco tempo como “um
excelente ministro”, porque percebeu essa inevitabilidade.
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