sábado, 4 de dezembro de 2021

A demissão inevitável do “excelente ministro”

 


EDITORIAL

A demissão inevitável do “excelente ministro”

 

Eduardo Cabrita percebeu, ou alguém o fez perceber, que a sua carreira política tinha sido arruinada por uma exibição colossal de arrogância, insensibilidade, desresponsabilização e falta de ética.

 

Manuel Carvalho

3 de Dezembro de 2021, 19:15

https://www.publico.pt/2021/12/03/politica/editorial/demissao-inevitavel-excelente-ministro-1987405

 

Ao final da manhã, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, congratulava-se com a luz do Estado de direito que levou o Ministério Público a acusar o seu motorista de homicídio involuntário de um cidadão numa auto-estrada onde circulava em excesso de velocidade; poucas horas depois, o mesmo ministro demitia-se para evitar que um suposto “aproveitamento político absolutamente intolerável seja utilizado no actual quadro para penalizar a acção do Governo, contra o senhor primeiro-ministro ou mesmo contra o PS”.

 

Qual é o verdadeiro ministro nesta história inenarrável? O que tenta limitar-se à condição de passageiro para recusar qualquer responsabilidade no trágico acidente? Ou o que percebe a indignidade da sua atitude e faz a única coisa que pode fazer para salvar o pouco que resta da sua imagem pública e, dessa forma, salvar o seu governo e o seu partido?

 

Não é difícil encontrar a resposta. Eduardo Cabrita percebeu, ou alguém o fez perceber, que a sua carreira política tinha sido arruinada por uma exibição colossal de arrogância, insensibilidade, desresponsabilização e falta de ética. Como aqui escrevemos, “ao dizer que era ‘só um passageiro’, ao imputar a responsabilidade do homicídio por negligência a quem conduzia, ou ao recordar que a vítima mortal fez um atravessamento em zona proibida, Eduardo Cabrita exibiu perante o país uma horrenda falta de empatia pelos destinos da vítima e do homem que o servia como motorista”.

 

Nenhum cidadão poderia olhar para um ministro da sua República sem desdém e indignação, depois de ele ter dito o que disse. Aceitar que um ministro tenta escapar à sua responsabilidade numa história assim seria, afinal, aceitar a inimputabilidade dos fortes e a culpabilidade natural dos mais fracos. Se o motorista conduzia em excesso de velocidade, é porque cumpria ordens para violar a lei, ou porque o seu superior não o obrigou a cumpri-la.

 

Eduardo Cabrita poderia sempre comentar a acusação do MP lembrando que um acidente é um acidente, assumindo a sua falha hierárquica, e, como fez na sua declaração de demissão, mostrando solidariedade com a família. Dizendo o que disse na sua primeira reacção, cavou a sepultura política, o que de alguma forma tentara evitar com a invocação do seu estatuto de “passageiro”.

 

Já não estava em causa o risco do “aproveitamento político”, mas a certeza de uma censura pública legítima. Mesmo que as suas primeiras palavras fossem consequência de um momento irreflectido e infeliz (e também o foram, seguramente), jamais seria tolerável manter no Governo de Portugal o homem que as disse. António Costa aceitou de imediato a demissão de alguém que definiu há pouco tempo como “um excelente ministro”, porque percebeu essa inevitabilidade.

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