Vieira ganha 30 milhões com venda secreta da Benfica SAD
Jose Santos
FELÍCIA CABRITA
11/07/2021 09:26
O negócio só foi fechado há 3 semanas: Vieira e o ‘Rei
dos Frangos’ venderam 25% da Benfica SAD a um milionário americano por 50
milhões de euros. Tinham pago 20 milhões.
A venda secreta
por 50 milhões de euros de 25% da Benfica SAD
a um milionário norte-americano, pelo presidente do clube, Luís Filipe
Vieira, e o acionista seu amigo e sócio José António dos Santos (conhecido por
‘O Rei dos Frangos’). é um dos elementos centrais que levaram o Ministério
Público (MP) a desencadear esta semana a Operação Cartão Vermelho, de que
resultou na passada quarta-feira a detenção em Lisboa do líder encarnado e do
seu associado – soube o Nascer do SOL de fonte próxima do processo.
O milionário em
causa é John Textor, que nos anos 1990 fez fortuna como um dos proprietários da
empresa de efeitos especiais Digital Domain, sediada em Los Angeles e com
muitos trabalhos produzidos para Hollywood (nomeadamente para o filme Titanic,
vencedor de 11 Oscars em 1998 – incluindo o de melhor película, melhor
realizador e também melhores efeitos especiais). Textor, considerado um
apaixonado do futebol, é o principal acionista da FuboTV, uma plataforma de
streaming (transmissão de vídeo em direto via internet) sediada nos EUA e
vocacionada para eventos desportivos, e o seu nome tem estado nas últimas
semanas em foco na Grã-Bretanha por ter lançado, no mês passado, uma proposta
de aquisição do clube londrino Crystal Palace.
A negociação
entre Vieira, o ‘Rei dos Frangos’ e Textor culminou há menos de três semanas
com a assinatura de um contrato-promessa de compra e venda para a aquisição
pelo empresário americano de 25% das ações da Benfica SAD, sem que a venda
tivesse sido comunicada à entidade reguladora portuguesa, a Comissão do Mercado
de Valores Mobiliários (CMVM) – o que pode configurar uma grave
contraordenação, sujeita a multa elevada –, e até agora Textor apenas adiantou
um milhão de euros como sinal, por conta dos 50 milhões de euros que se dispôs
a pagar.
Os 25% da SAD
vendidos ao norte-americano eram os cerca de 20% que estavam nas mãos de José
António dos Santos e de Luís Filipe Vieira, mais à volta de 5% que entretanto –
e segundo terá concluído a investigação – o presidente da empresa e do clube –
considerado o cérebro da operação – incentivou o ‘Rei dos Frangos’ a adquirir
junto dos empresários José Guilherme (conhecido construtor da região de Lisboa,
que surgiu envolvido no caso BES/Ricardo Salgado, entre outros) e António
Martins, da Quinta de Jugais (empresa de Oliveira do Hospital que produz
cabazes de Natal). O clube (Sport Lisboa e Benfica, SGPS) controla 70% do
capital da Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD (Sociedade Anónima
Desportiva), sendo que o representante dessa parcela do capital é Vieira, que
assim continuaria à frente da empresa. Mas, com a venda ao milionário
norte-americano, ele e sobretudo o ‘Rei dos Frangos’ terão obtido uma
mais-valia superior a 30 milhões de euros (já que estas ações ter-lhes-iam
custado à volta de 20 milhões), numa operação em que o MP investiga a
possibilidade de ter havido abuso de confiança, relativamente aos restantes
acionistas da SAD, uma vez que o negócio não lhes foi comunicado.
Consideram os
investigadores que essa mais-valia serviria sobretudo para compensar José
António dos Santos (anteriormente detentor, com a sua família, de cerca de 17%
da SAD, da qual era o maior acionista individual, possuindo Vieira apenas 3,28%
dos títulos) pelo facto de ao longo dos anos ter servido de testa-de-ferro do
presidente do clube em diversos negócios em que não podia ser ele a dar o nome.
O trio que deteve José Sócrates
A Operação Cartão
Vermelho, coordenada pelo procurador da República Rosário Teixeira, pelo
inspetor da delegação de Braga da Inspeção Tributária (IT) Paulo Silva e pelo
juiz Carlos Alexandre (o trio que há quase sete anos deteve o ex-primeiro
ministro José Sócrates), foi levada a cabo por diversos procuradores do MP e
por mais de uma centena de agentes da PSP e da IT, e incluiu 44 buscas,
abrangendo instalações do Benfica, a sede do Novo Banco, os escritórios da Promovalor
(empresa imobiliária de Vieira, em Santo António dos Cavaleiros) e da Avibom
(firma de avicultura do grupo Valouro), as sociedades gestoras de fundos C2
Capital Partners (antiga Capital Criativo) e Iberis Semper, bem como a casa do
presidente encarnado. Tratou-se do culminar de um longo processo de
investigação com origem na Operação Monte Branco, que em 2011 desmantelou uma
rede dedicada à prática de crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais
(incidindo sobre movimentos financeiros ilícitos no valor de centenas de milhões de euros), que operava a partir da
Suíça e permitiu a muitos empresários portugueses fugir aos impostos e apagar o
rasto das suas fortunas.
Nas buscas feitas
ao então Banco Espírito Santo (cuja resolução, em 2014, deu origem ao Novo
Banco) foi descoberta informação que permitiu mais tarde a extração de uma
certidão judicial com vista a investigar a dívida de Vieira ao banco extinto, a
qual já havia transitado para a instituição que lhe sucedera.
Ganhos também com
a compra de jogadores
Também existem
fortes suspeitas na transação de três jogadores latino-americanos para a equipa
de futebol do Benfica: o brasileiro César Martins e os paraguaios Derlis
González e Cláudio Correa Cañiza. Há indícios de circulação de dinheiros que
terão ido parar à esfera do presidente do clube.
O modus operandi
da operação estará exemplificado na aquisição em 2014 do passe de César
Martins, que antes alinhava na equipa do Ponte Negra (do Estado brasileiro de
São Paulo).
Segundo os
investigadores, Luís Filipe Vieira montou um esquema com o bracarense Bruno
Macedo para se apropriar de dinheiro do Benfica. O clube apenas pagou ao Ponte
Preta 15% do passe do jogador, tendo pago outros 35% (1,5 milhões de euros) a
uma sociedade offshore de Bruno Macedo registada na Tunísia, a Trade In, que
comprara o restante desse mesmo passe (85%) por apenas 600 mil euros,
realizando por isso um ganho instantâneo de 900 mil euros.
Com o lucro,
Macedo adquiriu uma participação de 50% numa empresa imobiliária de Vieira, a
Promotav, detentora de um empreendimento em construção em Olhão, que estava
parado devido a uma dívida ao Montepio Geral.
Entretanto,
através de outra offshore que registou na Tunísia, nos EUA e nos Emirados
Árabes Unidos, a ICC – International Consulting Company (depois designada
International Consulting Company), Bruno Macedo injetou na Promotav o dinheiro
que ganhou do Benfica com a inflação do passe de César Martins. E a Promotav,
por sua vez, reencaminhou o dinheiro para liquidar a dívida ao Montepio – o que
permite a Vieira terminar o empreendimento e fazer com que se livrasse de mais
um complicado crédito bancário.
O MP suspeita
que, através das suas offshores, Macedo introduziu cerca de 2,5 milhões de
euros em sociedades imobiliárias da esfera pessoal do líder encarnado.
No final destas
triangulações, foi o Benfica quem saiu prejudicado, por se tratar de negócios
feitos à custa de jogadores que contratou – e por isso, mais uma vez, o MP
julga ver nesta operação outro crime de abuso de confiança por parte do líder
benfiquista.
Amigo de Vieira no
avião da droga
Recorde-se que
Bruno Macedo foi um dos passageiros que, em fevereiro deste ano, estavam para
viajar com João Loureiro, ex-presidente do Boavista, do Brasil para Portugal,
num avião privado. Antes da partida, porém, foram descobertos 500 quilos de
cocaína armazenados em fardos ocultos na fuselagem. O caso levou os jornalistas
a investigarem as ligações empresariais em causa, tendo o Correio da Manhã,
nomeadamente, descoberto que o advogado bracarense se tornara sócio de Luís
Filipe Vieira na Promotav. Nessa altura, o agente desportivo desvinculou-se da
sociedade.
É convicção do
MP, contudo, que Macedo não terá ganho com a criação da offshore tunisina mais
do que as habituais comissões pagas aos intermediários na transação de
futebolistas e que se terá limitado a servir de testa-de-ferro a Luís Filipe
Vieira.
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