sábado, 10 de julho de 2021

Notas sobre a ofensiva da direita radical (2)




OPINIÃO

Notas sobre a ofensiva da direita radical (2)

 

Diogo Pacheco de Amorim e Carlos Blanco de Morais são dois mestres de pensamento da direita radical. Não são os mais influentes, nem os mais respeitados, mas são significativos.

 

José Pacheco Pereira

10 de Julho de 2021, 0:10

https://www.publico.pt/2021/07/10/opiniao/opiniao/notas-ofensiva-direita-radical-2-1969705

 

1. Há alguns anos, no Parlamento, o PS e o PCP não queriam, por qualquer razão de que já não me lembro, abrir uma excepção aos tempos para que um deputado do CDS pudesse falar. Eu e o Silva Marques estivemos para aí uma hora numa troca de palavras para que se abrisse essa excepção e conseguimos que houvesse tempo extraordinário para o CDS. Um muito respeitado e conhecido deputado do CDS levantou-se e começou a sua intervenção por mostrar o seu desprezo pela “chicana” parlamentar da última hora. Eu e o Silva Marques ficámos furiosos, para não dizer “passados”, levantei-me e disse ao muito respeitado deputado do CDS que se não fosse nós termos metido a mão na massa, e feito aquilo a que, com asco, agora chamava “chicana”, ele não poderia ter falado.

 

2. Infelizmente, isto é muito comum. Quando alguém mete a mão na massa, aparece sempre um grupo de nefelibatas a mostrar o seu desprezo por ambos os campos de uma qualquer contenda, que não começaram, nem começariam, mas em que querem intervir limpos e lustrais por cima. Convém lembrar que esta atitude é um pecado mortal, aquilo que vulgarmente é conhecido como preguiça, mas que é na verdade a acídia descrita por Tomás de Aquino. Em tempos como estes, o efeito da acídia é devastador. É de facto mais cómodo ficar calado, ou fazer de Arlequim Servidor de Dois Amos.

 

3. Continuemos com dois exemplos de discursos recentes reveladores da ofensiva da direita radical de que comecei a falar na semana passada. Não se trata de os censurar, escusam de se vitimizar por aí, porque tenho reiteradamente defendido todos os aspectos da liberdade de expressão contra novas formas de censura, a começar pelos discursos deste tipo. Defendi Trump face ao Twitter e ao Facebook – imaginem com que gosto! – e denunciei várias vezes a censura do Facebook em Portugal.

 

4. Trata-se de uma intervenção de Diogo Pacheco de Amorim (DPA) e de um texto de Carlos Blanco de Morais (C.B.A.), de que tratarei para a semana, ambos ideólogos da direita radical, que neste caso estão mesmo na margem da classificação de extrema-direita. Ambos têm dezenas de anos de doutrinação, com D.P.A. a dizer que “evoluiu pouco”, e C.B.A. a ser apenas mais prudente na ostentação das referências. São dois mestres de pensamento dessa área. Não são os mais influentes, nem os mais respeitados, mas são significativos.

 

5. Comecemos por uma intervenção testemunhal de D.P.A. dirigida a jovens do Chega, em que conta a sua experiência à volta do 25 de Abril, antes e depois. Para D.P.A., tudo o que se passou tem duas causas principais: uma, a mão do PCP, da URSS, das grandes potências; e outra, a cobardia dos “defensores” do regime que na hora decisiva capitularam, quando não colaboraram como Marcello Caetano ao não querer defrontar Spínola. O sentido explícito da “lição” é o ataque ao 25 de Abril que acabou com o “ultramar” e com as “virtudes” da nação.

 

6. D.P.A. repete todas as teses conspirativas sobre o modo como o PCP actuou para afastar os oficiais spinolistas, logo no 16 de Março, e como os comunistas controlavam todo o MFA. Isto não tem nenhum fundamento histórico. Li centenas de documentos por causa da biografia de Cunhal, muitos dos quais era suposto não verem a luz, muitos com origem noutros partidos comunistas como o PCUS, o francês e o romeno, que tinham relações próximas com o PCP, documentos da CIA e do FBI, e nunca encontrei nada que suportasse essa tese conspirativa. Mas ela é cómoda para demonizar o 25 de Abril como intervenção soviética: “Toda a estratégia foi controlada pela União Soviética.”

 

7. A intervenção está cheia de falsificações históricas. Uma delas começa por um testemunho interessante, a entrega ao Partido do Progresso dos ficheiros da antiga União Nacional (então Acção Nacional Popular). Depois de várias peripécias, os ficheiros teriam ido parar ao PPD, que os aceitou, enquanto o CDS fugiu deles. Seria o acesso a esses ficheiros que deu ao PPD “toda a estrutura nacional” e a vantagem sobre o CDS, isso logo em 1974-5. Embora D.P.A. não seja o único a ter esta tese, também não tem fundamento histórico. Se há coisa que Sá Carneiro quis evitar a todo o custo foi a entrada da ANP no PPD, incluindo uma cláusula de exclusão na ficha de filiado, e procedendo a uma investigação do passado dos novos candidatos através de um “serviço de informações”, muito mal conhecido. Nem sempre o conseguiu, como foi o caso da Distrital do Porto, mas que foi à sua revelia, há abundante documentação. É igualmente falso que a composição da ANP fosse “interclassista”, numa organização de partido único que dava acesso a lugares e prebendas e não tinha quase nenhuma vida para além disso.

 

8. Os “alunos” da Academia são mais radicais do que o mestre, se é que isso é possível, mas revelam o caldo de cultura do Chega. Algumas vezes entalam o mestre com perguntas inconvenientes como a de lhe pedir que diga se o nacional-socialismo ou o fascismo são de esquerda ou de direita. D.P.A. hesita, gagueja e acaba por sugerir que pelo menos o nacional-socialismo era provavelmente de esquerda porque tinha “socialismo” no nome.

 

No seu conjunto, por ironia, Pacheco de Amorim consegue ser mais moderado do que Carlos Blanco de Morais. Mas ambos vêm da mesma escola da extrema-direita portuguesa que agora, pela primeira vez, começa a ter uma significativa expressão política e mediática

9. Depois há afirmações avulsas que são igualmente reveladoras, como a defesa da ilegalização do PCP, a propósito da intervenção de Melo Antunes no 25 de Novembro, ou a afirmação do “poder desmesurado dos sindicatos”, ou a apologia da Mocidade Portuguesa como “escola de valores”.

 

10. O que não está lá é uma frase sobre a repressão ou a PIDE, sobre a ausência de liberdade, e a única condenação que se faz do regime ditatorial é por ser demasiado brando com os seus inimigos. Estes silêncios bastam.

 

11. A seguir virá Carlos Blanco de Morais. No seu conjunto, por ironia, Pacheco de Amorim consegue ser mais moderado do que Carlos Blanco de Morais. Mas ambos vêm da mesma escola da extrema-direita portuguesa que se formou nos últimos anos do regime contra Marcello Caetano e continuou depois do 25 de Abril e que agora, pela primeira vez, começa a ter uma significativa expressão política e mediática. (Continua.)

 

Historiador


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