Erro condicionou processo em que
ex-secretário de Estado foi absolvido
Procuradora exigia condenação de Francisco José Viegas por não ter
entregado declarações de rendimentos em 2007, 2008 e 2009. Supremo lembra que
então o escritor nem tinha chegado ao Governo
Justiça Pedro
Sales Dias / 9 jul 2014 / PÚBLICO
O Ministério
Público (MP) define como um simples “erro de escrita” aquilo que condicionou
todo o processo em que exigia a condenação do ex-secretário de Estado da
Cultura Francisco José Viegas. O ex-governante, acusado de não ter entregado ao
Tribunal Constitucional (TC) a declaração de património e rendimentos na
cessação de funções em 2012, admitiu até a falha. O MP acusava-o, porém, de não
o ter feito em 2007, 2008 e 2009. Nesses anos, Viegas dedicava-se apenas à
literatura. Esteve no Governo entre 2011 e 2012.
A procuradora
pretendia que José Viegas fosse condenado a uma pena até cinco anos de inibição
do exercício de cargos públicos sujeitos à entrega daquelas declarações, a que
estão obrigados os titulares de cargos políticos. Viegas foi repetidamente
absolvido. Só depois de o processo subir até ao Supremo Tribunal Administrativo
é que a incorrecção foi detectada. Os juízes, no acórdão ao qual o PÚBLICO teve
acesso, não vislumbraram, contudo, um “erro”. Consideram que o MP pretendia
antes uma “alteração substancial” que implicaria “uma mudança da imputação
temporal” e da “omissão assacada”.
Não acolheram,
por isso, o apelo do MP. “Lapsos de escrita”, disseram, são apenas aqueles
notados de forma “ostensiva”. Aliás, os juízes consideraram que o MP denunciou
o próprio erro “em desespero de causa”. Antes, confrontada com a impugnação do
ex-secretário de Estado, a procuradora nem o invocou. Questionada pelo PÚBLICO,
a Procuradoria-Geral da República não respondeu até ao fecho desta edição. Também
o TC não quis comentar “decisões de outros tribunais”.
O desfecho do
caso resulta na absolvição formal de Francisco José Viegas, mas o seu advogado,
Nuno Dente, sublinha que, na verdade, restará sempre uma dúvida “que não é boa”
para o ex- governante e escritor. “Nunca se saberá se ele seria ou não
absolvido”, não tivesse existido a falha do MP. Os factos não chegaram a ser
analisados pelos juízes. Viegas argumentava questões pessoais e de saúde para
não ter apresentado em tempo a declaração que entregaria depois, no final de
2013.
“Esse erro
reduziu as garantias de defesa de Francisco [ José Viegas], que sempre entregou
todas as declarações. Estava em causa apenas aquela, relativa ao tempo da sua
cessação de funções. E, mesmo nesse caso, a declaração que entregou no início
do ano em nada era diferente daquela que tinha de entregar”, realçou o
advogado.
“Razões de saúde”
na saída
O actual editor
no grupo Bertrand abandonou a tutela da Cultura no Governo de Passos Coelho em
Outubro de 2012, alegando “razões graves de saúde”. Foi já no recurso para o
Supremo que o MP “reconheceu que cometeu um erro de escrita quando na sua
petição inicial acusou” o exsecretário de Estado “pela prática de uma
ilegalidade com fundamento na falta de declarações relativas aos anos de 2007,
2008 e 2009.
O Supremo não
teve outra opção senão considerar que os factos imputados ao escritor não foram
provados. “O secretário de Estado da Cultura iniciou funções em 2011 e não em
2007 como alegou o MP” e a “cessação das funções ocorreu em 2012 e não em 2009” , criticaram os juízes,
apontando as discrepâncias óbvias entre as alegadas declarações em falta” e o
“verdadeiro e único incumprimento na apresentação da declaração”.
No acórdão, os
juízes do Supremo Tribunal Administrativo avisam ainda o MP de que não lhes
caberia “indagar” se a “acção administrativa” se referia a outros anos e
corrigi-la. O processo terminou, então, com os juízes da secção de contencioso
administrativo do Supremo a rejeitar o recurso do MP, mantendo a decisão das
duas anteriores instâncias judiciais.
A acção do MP
ficou marcada ainda por outras divergências. A procuradora garantia que o
antigo governante foi “notificado em Maio de 2012” para apresentar a
declaração. Viegas, que teve de apresentar provas de só ter exercido o cargo
entre 2011 e 2012, garantiu no processo só ter sido notificado em Maio de 2013.
Insistiu ainda que faltou “sem culpa” à entrega.
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