Lisboa: Cidade de alto risco
sísmico
por Sónia
Balasteiro / 8 de Maio, 2014 / SOL online
Quando ocorrer o
próximo sismo de grandes dimensões em Lisboa - uma certeza científica, segundo
os especialistas, que avisam que poderá verificar-se um tremor de terra a
qualquer momento -, grande parte dos hospitais públicos, escolas e até
ministérios não deverá resistir.
Hospitais como S.
José, Capuchos ou mesmo Santa Maria poderão ser destruídos por um sismo como o
que devastou Lisboa em 1755. “Do ponto de vista sísmico, grande parte dos
hospitais públicos terá uma grande vulnerabilidade” - diz João Appleton,
engenheiro civil especializado em reforço sísmico, responsável por obras em
vários edifícios públicos, incluindo escolas intervencionadas pela Parque
Escolar e o próprio Parlamento. “Estes hospitais foram construídos muito antes
de haver qualquer regulamentação sísmica. Apenas no Santa Maria foi feito um
estudo, em que se detectaram algumas vulnerabilidades”, explica o engenheiro.
Mário Lopes,
engenheiro sísmico e professor do Instituto Superior Técnico (IST), acrescenta
que, apesar de ter sido projectado numa época em que não se pensava dar
resistência sísmica aos edifícios, Santa Maria apresenta “mais resistência do
que se esperava”. “O que, sendo positivo, não é suficiente para nos deixar
tranquilos”.
Escolas
em perigo
A maioria das
escolas públicas não está em melhor situação. “Apenas as que foram
intervencionadas pela Parque Escolar estão seguras”, diz Appleton, que
participou nos projectos de 10 estabelecimentos de ensino secundário.
Um dos casos mais
dramáticos, com uma “vulnerabilidade gravíssima”, é o Liceu Camões, onde
estudaram ilustres personalidades. “O Camões chegou a ter os planos de reforço
sísmico aprovados, prontos a pôr em prática, mas as obras nunca avançaram”,
conta o engenheiro civil, lembrando que a “vulnerabilidade também está
relacionada com a quantidade de pessoas dentro dos edifícios”. Por ironia, a
escola, cujas obras são urgentes, fica ao lado de um dos edifícios mais seguros
do país, a recém-inaugurada sede da Polícia Judiciária.
Mas em situação
idêntica estão vários ministérios, que ocupam velhos edifícios públicos. “Nunca
foi feita qualquer análise para determinar a segurança dos edifícios”, refere
João Appleton.
AR e pontes estão seguras
Já a Assembleia
da República sofreu, em 2008, obras de reforço na parede da sala das sessões,
que revelara debilidades.
Também as pontes
25 de Abril e Vasco da Gama deverão estar seguras: “Foram projectadas para
resistir a vibrações”, sintetiza Mário Lopes.
Os edifícios
públicos são apenas uma ponta do icebergue da vulnerabilidade de Lisboa e Vale
do Tejo a um sismo, que poderá matar entre 17 mil e 27 mil pessoas, segundo o
simulador do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC).
Grande parte das
habitações privadas da capital também não está preparada para resistir. O
próprio LNEC alertava, há já cerca de 15 anos (ver texto ao lado), para a
urgência de obras de reforço anti-sísmico das estruturas - um aviso que foi
ignorado por todos os governos. O actual Executivo, aliás, aprovou em
Fevereiro, o chamado 'programa low cost' da reabilitação urbana, sem incluir
essa necessidade. O diploma foi entretanto promulgado, em Abril, pelo
Presidente da República, apesar dos avisos dos especialistas (que o SOL então
noticiou).
“A seguir ao
terramoto de 1755, houve um grande cuidado. A construção pombalina é bastante
resistente”, explica Mário Lopes, ressalvando que se refere à construção
original, com as estruturas em gaiola de madeira, dispostas em triângulo. “Muitas
vezes, os edifícios sofreram obras posteriores para incluir canalizações, por
exemplo, que os debilitaram”, avisa o professor.
A verdade é que
há poucas certezas no que diz respeito à segurança das habitações. “Sem uma
análise detalhada, é impossível ter a certeza se uma casa está segura ou não, a
não ser que se tenha acompanhado a construção”, sustenta o especialista.
Mas é possível
ter alguns indicadores da resistência, ou da sua falta, pelo tipo de
construção. “Quando procurei casa, excluí à partida casas anteriores aos anos
60, porque foi a partir dessa altura que o cálculo sísmico se tornou
obrigatório”, conta Mário Lopes. “Não é garantia nenhuma, mas é mais natural
que as casas anteriores a essa data não contemplem esse tipo de cuidados”,
explica. Teve também atenção à estrutura. “Mesmo assim, se o empreiteiro tiver
usado menos ferro do que devia, por exemplo, é insegura. Mas é um bom indicador
de risco”.
Outro aspecto a
ter em conta poderá ser, em certos casos, a altura: “Os prédios mais baixos, em
particular os de betão com uma qualidade razoável, serão relativamente seguros,
uma vez que a resistência que precisam de ter para aguentar o seu próprio peso
também lhes confere alguma resistência a sismos”, aponta Mário Lopes.
Das gaiolas ao betão armado
A seguir à
construção em gaiola, apareceram os chamados 'gaioleiros', edifícios que ainda
utilizavam a madeira nas construções, mas sem o mesmo cuidado da sua disposição
- ou seja, não utilizando já as cruzes que conferiam estabilidade às estruturas
de gaiola. “As ligações entre elementos estruturais passam a ser menos
cuidadosos”, refere Mário Lopes.
Estes edifícios,
distintos pela riqueza decorativa das fachadas, acabariam, no séc. XX, por dar
lugar aos chamados edifícios de transição, com a introdução do betão. Nessa
altura, começou a usar-se alvenaria de tijolo e betão em pilares de canto e
betão armado nas lajes das varandas. São ainda edifícios inseguros, sobretudo
devido ao peso dos pisos e aos diferentes materiais utilizados. E os edifícios
de alvenaria “não têm cuidados do ponto de vista sísmico”, explica o
engenheiro.
Nas décadas de 40
e 50, entrou-se “no betão armado” - que, na primeira fase, era ainda de baixa
resistência e sem estruturas regulares e harmoniosas. Com a regulamentação de
1958, começam a ser observadas condições de segurança sísmica nas construções.
Mas mesmo em
relação aos edifícios desta época é preciso ter cuidado, avisa Mário Lopes,
pois “não há fiscalização eficiente e a falta de resistência não se nota a não
ser quando há sismos”. “Por isso, o cidadão fica exposto a riscos que não
conhece e que poderiam ser muito inferiores”.
sonia.balasteiro@sol.pt
Sem comentários:
Enviar um comentário