As estrelas-do-mar estão a morrer
e ninguém sabe porquê
MARTA LOURENÇO
09/05/2014 - PÚBLICO
Na América do Norte, ao longo de toda a costa, alguma coisa as está a
dizimar, ainda sem explicação científica. Por outro lado, na Austrália há uma
espécie que está a ser abatida para proteger a Grande Barreira Coral.
Sejam azuis, cor
de laranja ou vermelhas, tenham cinco, sete, dez ou 50 braços, as
estrelas-do-mar costumam captar a atenção de todos. Porém, estes animais estão
debaixo de uma ameaça — de origem ainda desconhecida — nas costas da América do
Norte, no lado do Atlântico e principalmente no Pacífico. Desde 2013 que
milhões de estrelas-do-mar estão a aparecer mortas.
Apesar do
trabalho desenvolvido por vários cientistas, a origem destas mortes é um
mistério, como relatou no início deste mês Maio a revista Science num artigo
noticioso. Comparando com os registos de surtos idênticos em 1978 e em 1997,
ocorridos na Califórnia, agora a dimensão da devastação é muito maior. O
problema apareceu em 2013: primeiro atingiu a estrela-do-mar-púrpura (Pisaster
ochraceus) e a estrela-do-mar-sol (Pycnopodia helianthoides), depois foi a
estrela-do-mar-morcego (Asterina miniata). Mas, ao longo de milhares de
quilómetros da costa, estão a ser afectadas cerca de 20 espécies, como a estrela-de-espinhos-gigantes
(Pisaster giganteus).
“Nas últimas
décadas, tem-se observado, em diversos grupos marinhos, um aumento do número e
da intensidade de surtos de doenças. A grande novidade desta morte maciça de
estrelas-do-mar nas zonas costeiras do Norte do Pacífico está relacionada com a
extensão geográfica do fenómeno”, explica Joana Micael, doutorada em ciências
do mar e investigadora no pólo dos Açores, em Ponta Delgada, do Centro de
Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-Açores).
“Não há registos
de uma área tão extensa — desde o Alasca até ao Sul da Califórnia — e que tenha
sido afectada em simultâneo. Na costa Leste, uma versão menos acentuada do
fenómeno já tinha ocorrido em 2010” ,
acrescenta a cientista portuguesa. “Se o número de mortes continuar a aumentar,
pode falar-se em extinção local. Estas espécies têm uma ampla distribuição
geográfica, pelo que falar em espécies em vias de extinção é muito prematuro.”
Quando são
afectadas por este problema enigmático, as estrelas-do-mar têm lesões brancas à
superfície do corpo. Os tecidos tornam-se moles, os animais ficam sem braços, o
corpo rompe-se e os órgãos internos saem. “Com esta síndrome, o epitélio das
estrelas, a camada de tecido que está em contacto com o ambiente, desintegra-se”,
explica Joana Micael.
Até agora,
desconhece-se a causa desta mortandade. Persiste a dúvida se é uma bactéria, um
vírus, se são factores ambientais da água (como níveis baixos de oxigénio), se
são as alterações climáticas, se é algo que vem das aves marinhas ou de outros
animais. Apenas uma certeza: nos indivíduos já afectados, temperaturas mais
elevadas da água aceleram a progressão desta síndrome.
Por exemplo, uma
veterinária do aquário de Seattle, nos EUA, começou a ver estrelas-do-mar num
canal à volta das instalações do aquário a morrer repentinamente em Outubro do
ano passado. Em Novembro, Lesanna Lahner já não via nenhuma das três espécies
que costumavam andar por ali, relatou a revista Science.
Pouco depois,
também as estrelas-do-mar nos tanques do aquário estavam afectadas e a
veterinária isolou as mais doentes. Para encontrar uma solução, pediu ajuda a
Gregory Lewbart, autor do manual Invertebrate Medicine, que tem um só parágrafo
sobre como tratar estrelas-do-mar e outros equinodermes como elas. E a resposta
dele foi: “Lamento.”
Em Portugal, não
há registo do problema, onde quer no Continente quer nos Açores e na Madeira
vivem dezenas de espécies de estrelas-do-mar (nos Açores, a nível costeiro,
existem cerca de 12). “Há espécies que se encontram tanto no Continente como
nas ilhas e outras que se encontram só nas ilhas ou só no Continente”, diz
Joana Micael.
“Seria
fundamental que decorressem monitorizações específicas [em Portugal],
nomeadamente com a colaboração das empresas de mergulho, que poderiam enviar os
seus registos fotográficos de indivíduos potencialmente afectados para
cientistas, para que estes possam intervir de forma antecipada e tentar
contribuir para a solução de um problema mundial”, defende a investigadora.
Na Austrália, o
abate
Enquanto na
América do Norte as estrelas-do-mar estão a morrer e ninguém sabe porquê, na
Austrália a sua morte é propositada. Nos últimos dois anos, o Governo
australiano supervisionou o abate de 250.000 coroas-de-espinhos (Acanthaster
planci), uma estrela-do-mar nativa da Austrália, anunciou o ministro do
Ambiente Greg Hunt em Abril, segundo noticiou a revista Nature.
Após um período
de relativa raridade, a coroa-de-espinhos pode ter um aumento populacional
abrupto, considerado uma das grandes ameaças da Grande Barreira de Coral, uma
faixa de corais com cerca de 2300 quilómetros de comprimento, entre o Nordeste
da Austrália e Papuásia-Nova Guiné. Este abate faz parte do plano australiano
de gestão sustentável da Grande Barreira até 2050.
“Nas últimas
décadas, as coroas-de-espinhos foram responsáveis por 42% das perdas de corais
na Grande Barreira de Coral”, disse Greg Hunt, citado em Abril pelo jornal The
Sydney Morning Herald.
“Estes aumentos
populacionais podem originar uma mortalidade maciça dos corais”, refere ainda
Joana Micael, acrescentando que esse fenómeno contribuiu para destruir a
estrutura complexa dos recifes.
Para controlar
essa explosão, cientistas da Universidade James Cook, em Cairns, na Austrália,
desenvolveram um método de abate: as coroas-de-espinhos são apanhadas por
mergulhadores, que lhes aplicam uma injecção letal, provocando uma reacção
alérgica e a morte em 24 horas.
Mas o problema na
Austrália também inclui outra espécie, a estrela-do-pacífico-norte (Asterias
amurensis). Introduzida acidentalmente na Tasmânia, na década de 1980,
tornou-se um predador dominante de invertebrados no estuário de Derwent. Para
minimizar a situação, milhares de estrelas desta espécie têm sido removidas das
zonas costeiras. “Devido ao seu comportamento alimentar voraz, é uma espécie
que provoca constantemente impactos negativos na aquacultura de espécies de
bivalves”, explica Joana Micael.
Seja como for, as
inúmeras espécies de estrelas-do-mar têm um papel ecológico importante nos
ecossistemas. Sensíveis à poluição, se desaparecerem, a cadeia alimentar é
perturbada e os moluscos — que as espécies carnívoras de estrelas-do-mar comem
— irão aumentar consideravelmente, alterando os habitats. “As espécies
carnívoras predam esponjas, moluscos, caranguejos, corais, vermes ou outros
equinodermes”, refere a investigadora. “Algumas estrelas são raspadoras,
alimentando-se de peixes e invertebrados em decomposição. Outras são
detritívoras, enchendo os seus estômagos com sedimentos, de onde extraem
organismos microscópicos e matéria orgânica.”
Para lá do papel
ecológico, as cerca de 1800 espécies de estrelas-do-mar em todo o mundo, nas
mais diversas cores e formas, incluindo a grande variedade no número de braços,
tornam a Terra mais rica e bela.
Texto editado por Teresa Firmino
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