sábado, 10 de maio de 2014

Vítor Gaspar: o homem que fez quase tudo ao contrário



Vítor Gaspar: o homem que fez quase tudo ao contrário
O dia em que Gaspar saiu do governo foi aquele em que Passos passou a ter hipóteses de recuperação
Por Eduardo Oliveira Silva
publicado em 10 Maio 2014 in (Jornal) i online

Não falta muito para que Vítor Gaspar ocupe um tranquilo lugar no FMI da amiga Lagarde, deixando o aconchego do posto de recuo no Banco de Portugal.
É escusado recordar que Vítor Gaspar foi guindado a número dois do governo por ser tido como uma espécie de enciclopédia ambulante cheia de teoria, mas sem qualquer experiência prática, o que veio a revelar-se dramático para os portugueses, quando impôs um choque de impostos em detrimento de reformas estruturais e do Estado, fugindo à negociação da dilatação do tempo de ajustamento.
E é também escusado lembrar que Gaspar desertou num momento particularmente difícil, deixando na caixa de correio de Passos Coelho uma carta que parecia uma bomba-relógio, abrindo uma crise que ia levando ao fim da coligação quando Portas a aproveitou para fazer uma birra que só passou quando chegou a vice-primeiro-ministro.
Até na hora da saída, Gaspar foi inábil. Afirmou que era preciso um novo ciclo, mas percebia-se que não acreditava que as coisas melhorassem. Por isso, afastou-se de forma calculista, mas voltou a enganar-se. Não contou que, por causa dos vetos do Tribunal Constitucional e de uma nova abordagem da crise por parte da Europa e da Alemanha, a espiral recessiva para a qual ele atirava o país fosse evitada ao ponto de a economia começar a dar ténues sinais de retoma.

Ainda por cima sucedeu-lhe uma Maria Luís Albuquerque que mostrou mais flexibilidade, mais sensibilidade, mais maturidade e mais perspicácia política, técnica e económica, contando ainda com uma certa telegenia e educação cívica que ajudaram a imagem do governo. A ministra conseguiu também uma melhor articulação com o CDS, beneficiando da circunstância de Portas ter passado a ser o número dois do governo, quando antes era formalmente o terceiro. Mesmo que tenha aumentado impostos depois de ter também prometido o contrário, Albuquerque tem uma quota de popularidade bem melhor que a de Gaspar.
Muito dos excessos de austeridade que os portugueses sofreram vieram da ascendência intelectual de Gaspar sobre um Passos Coelho vergado à ideia absurda de ir para além da troika e de que o empobrecimento geral é uma estratégia económica válida. Trata-se, aliás, de uma teoria que o primeiro--ministro ainda não afastou, como é patente pela tentativa de alterar certos preceitos da contratação colectiva.


Gaspar não teve nem teria nunca a versatilidade para sair dos modelos teóricos e jogar com o facto de a economia ser uma ciência social, e não mera matéria de aplicação de estudos e fórmulas ou uma ortodoxia matemática. Em boa hora saiu e levou a sua ironia provocatória. Foi nesse dia que Passos teve a primeira oportunidade de recuperar a sua credibilidade, coisa que tem conseguido lenta mas gradualmente, ao ponto de não se poder excluir que chegue a 2015 com alguma perspectiva de não perder as eleições, o que era impensável se Gaspar não tem saído. Daí que talvez não tenha sido por acaso que ainda ontem, na Assembleia da República, Passos Coelho não teve uma palavra para o lembrar. Ele lá saberá porquê… nós compreendemos.

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