sábado, 10 de maio de 2014

Miguel Sousa Tavares. "Não tenho nenhuma consideração política por Cavaco e Barroso"


Miguel Sousa Tavares. "Não tenho nenhuma consideração política por Cavaco e Barroso"
Por Maria Ramos Silva
publicado em 10 Maio 2014 – 10-5-2014 in (jornal) i online
De "A Voz da Revolução" do pai à voz do comentário, a sua, sobre as crónicas, a política ou a "traição"do FCP

Reformule-se o tratamento no seio da família, já que o humor não naufraga: "Quero ser tratado por patrão em casa, e comandante no mar." Está dado o recado quando amanhã chegar a casa, terminado um dos exames do curso de patrão local. Os apontamentos sobre navegação seguiram com o aluno até ao monte do Alentejo onde, em tempos, soltou 20 patos. Sobram hoje não mais que quatro. Ou três, se o maldito saca-rabos que o fez pular da cadeira - e tocar sem querer no gravador digital - tiver chegado a ferrar o dente. Desconhecemos o desfecho de presa e predador, mas sabemos como acabou a entrevista: devorada na íntegra por um botão assassino. De regresso a Lisboa, novo encontro, à distância da fauna. Gravadores, esses, são agora dois, que a prova é de fogo redobrado. Ainda assim, um desafio menor que o próximo do comentador: deixar de fumar antes do Verão.

António Barreto recorda no prefácio de "A Voz da Revolução" alguns traços do seu pai: um condutor louco e um desorganizado que adormecia em público. Herdou algum deles?

Segundo toda a gente, conduzo muito bem. Já fui muito desorganizado, mas achei que era mais fácil ser organizado. Adormecer em público, ainda não, mas às vezes apetece.

Porque decidiu organizar em livro os textos políticos de Francisco Sousa Tavares?

Primeiro, fui convidado a fazer isto pelo editor. Pensei que gostava muito de fazer um tributo póstumo ao meu pai mas depois sobretudo porque, ao ler os textos, percebi como estavam actuais, o que chega a ser perturbante. Os problemas não se resolveram em 30 e tal anos. Depois, porque o meu pai foi uma testemunha privilegiada dos acontecimentos a seguir ao 25 de Abril, e acho que temos de deixar às gerações seguintes algum testemunho - não apenas dívidas para pagar.

Que escreveria de novo Francisco Sousa Tavares sobre o país de hoje?

Não sei prever, mas uma coisa sei de certeza. Ele arrasaria este Presidente da República. Provavelmente estaria contra o governo, mas não pelas mesmas razões que o Partido Socialista está. Acho que entenderia que Portugal tem um problema próprio para resolver e que o governo não o está a resolver da maneira adequada. É o que eu penso também.

O seu pai chamaria "palhaço" a Cavaco Silva?

Eu disse isso num contexto - palhaço político. Mas, politicamente, o que eu penso de Cavaco é bem pior que "palhaço".

Já se encontraram depois do episódio?

Não. Há duas pessoas na política portuguesa desde o 25 de Abril por quem não tenho nenhuma consideração política: Cavaco Silva e Durão Barroso. Devem tudo à democracia e a democracia portuguesa não lhes deve rigorosamente nada.

Um é presidente. O outro pode vir a ser?

Ele é português, é livre, pode regressar. Não tenho nada de pessoal contra nenhum dos dois. Agora, espero bem que Durão Barroso não tenha nenhum futuro político em Portugal. Aliás, até acho que seria bom que concorresse às eleições, para que os portugueses pudessem dizer nas urnas aquilo que pensam dele.

Não imagina que pudesse ganhar?

Não, não imagino. Mas também não sei. Cavaco Silva está na Presidência da República porque uma maioria de portugueses votaram nele, e eu nunca votei nele.

Muita gente fará o exercício mental de imaginar em quem vota o Miguel.

Se eu lhe disser que estamos a dias das europeias e eu não sei em quem vou votar, por exemplo... Já decidi no dia, já votei diferentemente muitas vezes, votei em branco outras. Só há uma coisa que nunca fiz: deixar de ir votar. Nulo também nunca votei. Não é um voto político, é um voto anti-sistema, e eu não sou anti-sistema. Sou pela democracia.

O que o norteia? Causas, pessoas?

As duas coisas. Programas não são porque nunca os li e acho que ninguém os lê. Campanhas eleitorais, muito pouco. Aquilo que me norteia são ideias dominantes e as pessoas que as vão aplicar. Posso dizer que, se houvesse legislativas agora, queria votar contra esta maioria, mas também não quero votar em António José Seguro. Portanto, está a ver... É um problema. Não penso que o país saia a ganhar muito mais com isso.

No começo apoiou esta maioria?

Não, nunca.

Qual é a melhor saída neste momento?

Bem, nas europeias acho que vamos ter uma abstenção brutal, infelizmente. E até acho que, sendo eleições europeias e estando nós a votar para um parlamento comum na Europa, devíamos ser livres de votar em qualquer partido europeu, e não necessariamente nos nacionais. Uma coisa que me faz impressão é a total ausência de debate sobre a Europa, como já temia.

Temos melhores líderes lá fora?

Nuns casos sim, noutros não, mas temos sobretudo outras opções que são mais influentes ao nível da Europa. Por exemplo, é mais útil votar no SPD alemão do que votar no PS português.

Há pouco falava das pessoas a quem a democracia não deve nada. Com quem temos dívida?

Há muitas, com certeza. Começando pelos capitães de Abril, Mário Soares, Ramalho Eanes, António Guterres. Os dois únicos casos que devem tudo à democracia, de facto, são Cavaco e Durão Barroso. Cavaco Silva era um simpatizante do antigo regime no 25 de Abril e Durão Barroso era um maoista, contra a democracia. Acho extraordinário que Durão Barroso venha agora fazer o elogio do ensino do Estado Novo quando, a seguir ao Estado Novo, quis acabar com o ensino burguês.

Não é possível ir revendo a opinião ao longo do tempo?

É possível, com certeza, rever as opiniões; agora, o que não é possível é ser um salta-pocinhas ao sabor dos acontecimentos.

Diz que governar é o pior emprego do mundo. Já foi convidado para diferentes cargos, recusou todos, mas admitia assumir um deles.

Sim, concorrer à câmara de Lagos como independente. Primeiro, porque conheço muito bem Lagos e estou-lhe ligado afectivamente desde a infância. Dar-me-ia algum gozo tentar melhorar uma terra de que gosto. Segundo, porque acho que, a nível autárquico, é possível melhorar alguma coisa de concreto, sobretudo em autarquias de pequena dimensão.

Lisboa, de que é tão crítico, jamais seria uma hipótese?

Não, de todo. Há 11 mil funcionários na câmara; só saber o que teriam de fazer já era um quebra-cabeças. Lisboa é um desastre. O único bom presidente de câmara que Lisboa teve em toda a democracia foi João Soares. Os outros andaram em obras que paralisaram a cidade durante anos. Ainda hoje quis passar no Terreiro do Paço e não consegui. Está em obras há 20 anos, meu Deus! Não me venham cá com desculpas das estacas e disto e daquilo. Aquilo é incompetência pura.

Não está melhor, apesar de tudo?

Sim, e vai sempre ficar melhor, mas a gente não pode esperar uma geração. Acredito que, no tempo dos meus netos, o Terreiro do Paço esteja melhor, mas eu estou vivo hoje [risos.] É um absurdo.

Era possível há 40 anos ter um MST a comentar como hoje faz?

Não, não era. Para ter um pensamento político solidificado e que seja capaz de ser traduzido num texto de jornal tem de ter lido muito, visto muito. Há 40 anos seria muitíssimo mais radical a escrever do que sou hoje. Hoje sei que governar Portugal é o pior emprego do mundo. Levo isso em conta. Mas muitas pessoas não levam em conta.

Daí a sua crítica à crítica fácil?

As pessoas não sabem que um ministro em Portugal ganha quatro mil euros por mês ilíquidos, que não tem vida privada, fins-de-semana, coisa nenhuma. Ou, se sabem, acham que é a obrigação dele. O bota-abaixo dos políticos, que é o desporto nacional, conduziu a que cada vez mais se tenha piores políticos. Ninguém se escandaliza com as fortunas que ganha o treinador do Benfica, ou os jogadores de futebol. São capazes de estar uma noite de vigília no Estádio da Luz para comprar um bilhete.

Se o seu Porto fosse a uma final europeia, provavelmente veria o mesmo...

Há essa paixão, mas sabe que menos.

Há menos portistas que benfiquistas, é natural que a fila seja menor.

Pois somos menos mas, quando vejo as filas dos benfiquistas, pergunto-me se aquela gente não tem nada que fazer. E não são todos reformados, há ali gente na flor da idade. Não me venham dizer que está tudo desempregado. Se está tudo desempregado, não têm dinheiro para dar cem euros e ir a Turim.

Não se deve exigir mais de um ministro que de um treinador, mesmo que mais mal pago?

Mas as pessoas acham que é escandaloso um político ser bem pago, e não acham escandaloso um futebolista ganhar 20 vezes mais. Nem ter um tratamento fiscal de favor. Há ali batotas. Na vox populi tem de haver um critério uniforme do que se exige eticamente às pessoas. Se é evidente que se tem de exigir mais aos políticos, o que se tem de exigir é a nível de serviço público. O que acho insuportável nos políticos é que sejam apenas a voz do partido. Deviam ser mais bem pagos, para serem melhores e mais responsabilizáveis.

Já o acusaram de bota-abaixo indiscriminado?

Nunca fiz isso. Se ler o que escrevi de textos políticos nos últimos 20 anos, nunca alinhei no bota-abaixo dos políticos. Alguém tem de nos governar em democracia. Prefiro eleger políticos que ter uma junta militar a governar ou um qualquer Salazar. Isto não impede que seja crítico com o que fazem na prática.

Há pouco perguntava como se imaginaria há 40 anos. E se tivesse a bagagem que tem hoje?

Atravessei todo o 25 de Abril sempre com a mesma posição política. Sempre fui um social-democrata. Dissidência anarquista, tendência ecológica e opção romântica. Mas sempre fui desde os 16 anos. No PREC vi amigos meus a virarem extremistas, do PRP, do MRPP, do PCP. Eu deixei-os ir. É como uma corrida de fundo. Parte na sua passada, vêm uns tipos de trás que, de repente, a ultrapassam, e dali a pouco rebentam e você volta a passar por eles. Cheguei a pensar que devo ser um chato do caraças, porque nunca mudei de opiniões políticas.

Como viram os seus amigos o facto de não mudar de opinião?

Houve alguns que deixaram de me falar.

Alguns para sempre?

Não, voltaram a falar-me. A consciência pesava-lhes [risos]. Quando as pessoas fizeram percursos como o Durão Barroso, que passaram directamente do maoismo para a direita e para grandes apoiantes dos americanos e do Bush... claro que a consciência lhes pesa.

Uma das suas cidades preferidas é Nova Iorque, "apesar de ser na América". Não nutre especial afecto pelo país?

Nutro muita admiração em coisas que são importantes. Quando se trata de defender o seu país, de correr riscos para defender a liberdade, os americanos estão lá. Vi isso na primeira guerra do Iraque. Depois há coisas que me irritam profundamente. Também depende da administração no poder. Nos anos de Bush foi um milagre não termos ido para a terceira guerra mundial. Era de tal maneira bronco, belicista, cretino que foi uma sorte não ter carregado no botão. Há uma grande América, uma outra que não é tão boa assim. Por alguma razão continua a ser o país que atrai os sonhos de todos os descamisados do mundo.

E esta Europa?

A Europa também atrai. Já estou como o Garrett McNamara, que dizia há dias numa entrevista: "Estou apaixonado por Portugal, mas não percebo porque é que os portugueses estão sempre a queixar-se." Queixam-se, mas se fossem a África viam o que era uma vida dura.

Por esse prisma, há sempre gente pior que nós. Não é legítimo aspirar a mais que não morrer de fome?

Obviamente que sim. O que acho é que em Portugal há a mentalidade de que as coisas não dão trabalho a conseguir. Dantes, as pessoas poupavam para a reforma. Sempre ouvi os meus avós dizer isso. De repente, toda a gente achou que já não era preciso, porque o Estado tratava disso. Neste momento temos um conflito intergeracional. As pessoas na reforma ou à beira dela não querem saber se a Segurança Social é ou não sustentável. Percebo que sintam os cortes na pele; agora, não percebo que não aceitem sentar--se perante o argumento: "Então e a reforma dos teus filhos? E dos teus netos?" Diga o Tribunal Constitucional o que quiser, os reformados do futuro vão estar sempre pior.

Muito antes da reforma, já o o dia-a-dia é um drama para muitos.

Pois. Mas também fala com as pessoas que têm 55 anos e já só estão a pensar na reforma. Acho um contra-senso. Todos na reforma se queixam, mas todos ambicionam ir para a reforma. Mas não há ninguém que tenha vontade de trabalhar neste país?

Mencionou o tribunal. Tem algumas saudades do direito?

Nenhumas. As coisas melhoraram mas, quando fui advogado, a coisa mais difícil que havia era conseguir fazer um julgamento. Os juízes usavam todos os pretextos que podiam para adiar julgamentos. Depois queixam-se dos códigos, mas são feitos por eles. Se não conseguisse ter julgamentos e sentenças, não era pago pelos clientes, ia morrendo à fome como advogado. Não era um tempo de sociedades de advogados, trabalhava por conta própria e ia a todas. Quando chegava lá de manhã e era tudo adiado, era altamente deprimente.

É mais producente escrever?

Prestei muito mais serviço à justiça escrevendo sobre ela do que tendo estado 14 anos a fazer advocacia.

Esteve um ano no jornal "A Luta", com um exercício de estágio em jornalismo que o deixou sem dinheiro.

Entrei por concurso para o internacional. O chefe fez-nos uma pergunta sobre a guerra entre o Bangladesh e o Paquistão. Ganhei e fui seleccionado para a vaga. Apresentei-me ao serviço todo entusiasmado e o tipo mandou-me ir conhecer a imprensa estrangeira em Portugal. Percebi que, para os encontrar, só ao fim do dia, no bar do Hotel Mundial ou Tivoli. Para os fazer falar tinha de lhes oferecer copos, portanto, quando chegou o fim do mês, apresentei um artigo mas não tinha dinheiro nenhum [risos]. Bom, o chefe mandou-me voltar. "Mas eu gastei o ordenado todo!" Paciência. Depois lá teve misericórdia e deixou-me em paz. Eu era um maçarico. Ia buscar cafés, ia para a rua fazer cada coisa...

Já escrevia com os pés em cima da secretária?

Isso foi mais tarde, quando já tinha estatuto de semichefe. Trabalhava sempre com os pés em cima da secretária. As redacções eram um monte de papéis acumulados, casacos por todo o lado, garrafas de whiskey, tudo a fumar, alguns desconfio que até a charrar, pelo cheiro. Nos bons tempos do "Expresso" era assim. Fui só colaborador, mas lembro-me de entrar na redacção e ser impressionante. Na "Grande Reportagem" também.

Quando assinou a primeira coluna?

N'"A Capital", muito mais tarde, era o Mário Crespo director. Escrevi um artigo que se chamava "A ordem é rica?", a criticar a construção sumptuosa da Caixa Geral de Depósitos no Campo Pequeno, que foi apresentada na altura como a maior sede bancária da Europa. Perguntava se o Estado era rico - um texto premonitório. Foi com muitas cenas destas que chegámos onde chegámos.

Alguém lhe caiu em cima?

Não, pelo contrário. Foi muito aplaudida. Mas, hoje em dia, quando vejo o Presidente da República a condecorar o Faria de Oliveira pelos seus méritos na internacionalização da economia portuguesa, acho que nada mudou. O meu pai tinha uma frase muito engraçada. "Já se disse tudo mas, como ninguém ouviu, vou dizer outra vez." É a lei do eterno retorno.

Quando sentiu que compravam o jornal para o ler, na fase do "Público"?

Sim, eu sabia que era lido. Embora o feedback pessoal, às vezes, possa ser enganador, era demasiado importante para ser enganador. Desconfiava que o jornal vendia mais à sexta, mas nunca tinha visto os números. Alguém da administração passou-mos, discretamente, para que soubesse. Estava a tentar renegociar a minha colaboração. Olhei para os números e fiquei, de facto, espantado. Acabou por me fazer sair do "Público" para o "Expresso". Fiz contas ao dinheiro que tinha ganho e ao que dava a ganhar ao engenheiro Belmiro de Azevedo e, quer dizer... Não sou capaz de morder a mão que me dá de comer, mas tem de haver algum equilíbrio.

O estatuto permite-lhe sair quando quiser e recomeçar onde quiser?

Sabe... shit happens. Às vezes, acontecem coisas que não prevemos. Sou freelancer há 12 anos. Não me preocupa muito. Acredito sempre no dia de amanhã.

Tem poupado para a reforma?

Tenho feito o que posso por isso. Desde os 40 anos que me convenci de que não iria ter reforma quando lá chegasse. Foi uma aposta que fiz. Agora, ninguém está a salvo de um acidente, e acabou-se.

Costuma dar muitas dores de cabeças às administrações?

Nunca me chatearam. Neste momento escrevo para o "Expresso" e comento na SIC. O doutor Balsemão, que foi jornalista, é um defensor da liberdade de imprensa. Se amanhã fosse obrigado a ter só colaboradores do lado do governo, ele próprio se chatearia de morte a ler o "Expresso". Agora, quando fui director da primeira versão da "Sábado", senti muitas pressões e acabei despedido pela administração.

Tem mais medo de ser duro demais ou brando demais?

Brando. Tentar ser justo é uma coisa que me condiciona à partida, ver as coisas friamente. Nunca entrego um artigo quando acabei de o escrever. No caso do "Expresso", passam dias, noites, e quando o entrego já reflecti várias horas sobre ele. Sinto algum constrangimento quando há um texto meu que conduz a algum processo contra mim e contra o jornal. É raro, mas o ano passado caiu-me tudo em cima. Tive seis processos na vida, cinco foram o ano passado.

Venceu-os todos.

Sim, era o João Rendeiro, o Armando Vara, o Gonçalo Amaral... Venci-os todos, mas não impede que o jornal e eu tenhamos de nos incomodar. Estou há 14 anos n'"A Bola" e nunca me tinham posto um processo. Pôs agora o Futebol Clube do Porto. Fico um bocado constrangido, embora sinta que não tenha culpa e tenha 99% de esperanças de ser absolvido.

O caso do Porto custa-lhe especialmente?

Considero uma traição mas, como digo, sou do Porto, não sou da SAD do Porto. Não posso impedir que o meu clube seja gerido por gente que não gostava de ver lá à frente e que entenda que os jornalistas se dividam entre serventuários ou inimigos. Já li hoje que o presidente está preparado para ficar outros 32 anos [risos]. Eu não estou é preparado para continuar a escrever sobre futebol muito mais tempo, embora goste.

Por causa de casos como este?

Não, gosto de escrever sobre futebol. É o lado absurdo da vida, irracional. É um bom escape. Agora, não é o fundamental da vida. Está a dar-se importância demais. É frequentado por gente que eu não gostaria de ter em minha casa a jantar. Se calhar, o melhor é afastar-me. Não gosto de ser ingrato ou desmemoriado. O Pinto da Costa pegou num clube de província e fez dele duas vezes campeão do mundo de clubes. É notável. Só que chega um ponto da vida em que temos de dizer "acabou". Não sabe retirar-se de cena, tal como o caso patético do doutor Jardim na Madeira.

Quando se imagina a retirar-se?

Nunca irei deixar de escrever enquanto tiver lucidez. Retirar-me é sair da televisão, deixar de escrever sobre futebol. Hei--de sempre escrever livros. Mas tenho um imenso desejo, que eu não consigo cumprir, que é ir desaparecendo devagarinho de vista. Não dá. Vai ter de ser radical. Um dia acordo e acabou-se a televisão.

Para se dedicar ao seu curso de patrão local?

Tenho exame domingo, às nove da manhã. Tenho esperança de passar. Tenho gozado imenso com a família. Se correr bem, tenho o direito de ser tratado em casa por patrão, e no mar por comandante [risos].

Hoje não escolheria entre direito nem economia, mas sim arquitectura?

Ia decididamente para arquitectura. Já fiz, em administração directa e em concepção, duas casas literalmente de raiz, no Alentejo. Já remodelei três em Lisboa. Adoro obras. Quando comprei o terreno no Alentejo, ia lá de jipe e não havia sequer caminho, perdia-me. Exige infinita paciência. Fiz mais de 200 viagens de ida e volta durante o ano e meio de construção.

Tem paciência fora da construção?

Sou uma pessoa de objectivos. Meto-os na cabeça e vou lá chegar. O curso de patrão local, por exemplo: tenho aulas de noite às sextas-feiras. Só sabia o que era bombordo e estibordo e pouco mais. E vou passar no domingo e chegar ao fim.

E impacienta muita gente?

Não sei. Há muita gente que diz que compra o "Expresso" e vai direita à minha página, e sei que há outros que devem ter medo dela, porque se portaram mal durante a semana. Mas tento mesmo controlar-me. A escrita é uma arma terrível e sei que é mais fácil dizer mal que bem, embora, ao contrário do que as pessoas julgam, ser um crítico longo e consistente das coisas não é uma tarefa fácil. Há pessoas que escrevem que nunca criticaram ninguém em concreto, fogem de ter opiniões de fundo, como eu faço. Enfie a carapuça quem quiser.

Não gosta das redes sociais. Lê o que dizem de si?

Não. É uma amostra errada e falseada do leitor comum. A maioria está ali para vomitar raivas pessoais. Só serve para me deprimir e me irritar. Quero paz.

Já criticou amigos?

Tenho poucos amigos em quem confio. Aconteceu-me só umas duas ou três vezes. Tive de escrever contra eles ou contra interesses que representavam. Aí, pego no telefone e aviso.

Admite já se ter excedido?

Não muitas vezes, mas já. Excedi-me no caso do "palhaço". Posso não gostar do presidente, mas respeito o cargo e a instituição. Mas também acho que somos uns picuinhas. Mais um processo-crime que ganhei.

Foi depois de um processo que começou a escrever livros infantis.

Exacto. Chamei "pedofilia editorial" a um livro que li e comecei a escrever livros para crianças. Hei-de fazer mais. Agora estou em período de amadurecimento de outro romance; vou no início.

Já escreveu poesia?

Já tentei e foi sempre um desastre. Ainda hoje tento, mas é inacreditável como é que eu, sendo filho de uma grande poetisa, sou incapaz de escrever um poema.

Não será por isso?

Não, sempre me defendi escrevendo, desde os tempos do liceu; safava-me. Em poesia, não escrevo nada decente. Teoricamente tenho o talento, mas não consigo.

Como vê a trasladação de Sophia para o panteão?

Com mixed feelings. Foi uma decisão tomada pelas minhas irmãs. Acompanhei pouco porque estava no Brasil a pesquisar para este novo livro. Por um lado, tenho orgulho e gratidão, como filho, que o país lhe reconheça a importância. Por outro lado, tenho dúvidas de que a minha mãe gostasse de estar ali - e as maiores dúvidas de que o panteão seja um sítio onde um filho vai quando lhe apetece conversar com a mãe.

Costuma fazê-lo?

Isso é uma coisa muito pessoal para responder. Pedem-me para falar dos meus pais, mas as pessoas não se dão conta de que separo esse lado público. Eram a minha mãe e o meu pai.

É desta que vai deixar de fumar?


Pela segunda vez na minha vida tomei a decisão de tentar fazer uma tentativa para deixar de fumar [risos]. Tenho um enfisema. A primeira vez falhou há uns anos, quando fiz hipnose. Chorei e estive curado 45 minutos, até acender um cigarro. Vou tentar antes do Verão, desta vez com a acupunctura.

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