Miguel Sousa Tavares. "Não
tenho nenhuma consideração política por Cavaco e Barroso"
Por Maria Ramos
Silva
publicado em 10
Maio 2014 – 10-5-2014 in
(jornal) i online
De "A Voz da Revolução" do pai à voz do comentário, a sua, sobre
as crónicas, a política ou a "traição"do FCP
Reformule-se o
tratamento no seio da família, já que o humor não naufraga: "Quero ser
tratado por patrão em casa, e comandante no mar." Está dado o recado
quando amanhã chegar a casa, terminado um dos exames do curso de patrão local. Os
apontamentos sobre navegação seguiram com o aluno até ao monte do Alentejo
onde, em tempos, soltou 20 patos. Sobram hoje não mais que quatro. Ou três, se
o maldito saca-rabos que o fez pular da cadeira - e tocar sem querer no
gravador digital - tiver chegado a ferrar o dente. Desconhecemos o desfecho de
presa e predador, mas sabemos como acabou a entrevista: devorada na íntegra por
um botão assassino. De regresso a Lisboa, novo encontro, à distância da fauna. Gravadores,
esses, são agora dois, que a prova é de fogo redobrado. Ainda assim, um desafio
menor que o próximo do comentador: deixar de fumar antes do Verão.
António Barreto
recorda no prefácio de "A Voz da Revolução" alguns traços do seu pai:
um condutor louco e um desorganizado que adormecia em público. Herdou algum
deles?
Segundo toda a
gente, conduzo muito bem. Já fui muito desorganizado, mas achei que era mais
fácil ser organizado. Adormecer em público, ainda não, mas às vezes apetece.
Porque decidiu
organizar em livro os textos políticos de Francisco Sousa Tavares?
Primeiro, fui
convidado a fazer isto pelo editor. Pensei que gostava muito de fazer um
tributo póstumo ao meu pai mas depois sobretudo porque, ao ler os textos,
percebi como estavam actuais, o que chega a ser perturbante. Os problemas não
se resolveram em 30 e tal anos. Depois, porque o meu pai foi uma testemunha
privilegiada dos acontecimentos a seguir ao 25 de Abril, e acho que temos de
deixar às gerações seguintes algum testemunho - não apenas dívidas para pagar.
Que escreveria de
novo Francisco Sousa Tavares sobre o país de hoje?
Não sei prever,
mas uma coisa sei de certeza. Ele arrasaria este Presidente da República. Provavelmente
estaria contra o governo, mas não pelas mesmas razões que o Partido Socialista
está. Acho que entenderia que Portugal tem um problema próprio para resolver e
que o governo não o está a resolver da maneira adequada. É o que eu penso
também.
O seu pai
chamaria "palhaço" a Cavaco Silva?
Eu disse isso num
contexto - palhaço político. Mas, politicamente, o que eu penso de Cavaco é bem
pior que "palhaço".
Já se encontraram
depois do episódio?
Não. Há duas
pessoas na política portuguesa desde o 25 de Abril por quem não tenho nenhuma
consideração política: Cavaco Silva e Durão Barroso. Devem tudo à democracia e
a democracia portuguesa não lhes deve rigorosamente nada.
Um é presidente.
O outro pode vir a ser?
Ele é português,
é livre, pode regressar. Não tenho nada de pessoal contra nenhum dos dois. Agora,
espero bem que Durão Barroso não tenha nenhum futuro político em Portugal. Aliás,
até acho que seria bom que concorresse às eleições, para que os portugueses
pudessem dizer nas urnas aquilo que pensam dele.
Não imagina que
pudesse ganhar?
Não, não imagino.
Mas também não sei. Cavaco Silva está na Presidência da República porque uma
maioria de portugueses votaram nele, e eu nunca votei nele.
Muita gente fará
o exercício mental de imaginar em quem vota o Miguel.
Se eu lhe disser
que estamos a dias das europeias e eu não sei em quem vou votar, por exemplo...
Já decidi no dia, já votei diferentemente muitas vezes, votei em branco outras.
Só há uma coisa que nunca fiz: deixar de ir votar. Nulo também nunca votei. Não
é um voto político, é um voto anti-sistema, e eu não sou anti-sistema. Sou pela
democracia.
O que o norteia?
Causas, pessoas?
As duas coisas. Programas
não são porque nunca os li e acho que ninguém os lê. Campanhas eleitorais,
muito pouco. Aquilo que me norteia são ideias dominantes e as pessoas que as
vão aplicar. Posso dizer que, se houvesse legislativas agora, queria votar contra
esta maioria, mas também não quero votar em António José Seguro. Portanto, está
a ver... É um problema. Não penso que o país saia a ganhar muito mais com isso.
No começo apoiou
esta maioria?
Não, nunca.
Qual é a melhor
saída neste momento?
Bem, nas
europeias acho que vamos ter uma abstenção brutal, infelizmente. E até acho
que, sendo eleições europeias e estando nós a votar para um parlamento comum na
Europa, devíamos ser livres de votar em qualquer partido europeu, e não
necessariamente nos nacionais. Uma coisa que me faz impressão é a total
ausência de debate sobre a Europa, como já temia.
Temos melhores
líderes lá fora?
Nuns casos sim,
noutros não, mas temos sobretudo outras opções que são mais influentes ao nível
da Europa. Por exemplo, é mais útil votar no SPD alemão do que votar no PS
português.
Há pouco falava
das pessoas a quem a democracia não deve nada. Com quem temos dívida?
Há muitas, com
certeza. Começando pelos capitães de Abril, Mário Soares, Ramalho Eanes,
António Guterres. Os dois únicos casos que devem tudo à democracia, de facto,
são Cavaco e Durão Barroso. Cavaco Silva era um simpatizante do antigo regime
no 25 de Abril e Durão Barroso era um maoista, contra a democracia. Acho
extraordinário que Durão Barroso venha agora fazer o elogio do ensino do Estado
Novo quando, a seguir ao Estado Novo, quis acabar com o ensino burguês.
Não é possível ir
revendo a opinião ao longo do tempo?
É possível, com
certeza, rever as opiniões; agora, o que não é possível é ser um salta-pocinhas
ao sabor dos acontecimentos.
Diz que governar
é o pior emprego do mundo. Já foi convidado para diferentes cargos, recusou
todos, mas admitia assumir um deles.
Sim, concorrer à
câmara de Lagos como independente. Primeiro, porque conheço muito bem Lagos e
estou-lhe ligado afectivamente desde a infância. Dar-me-ia algum gozo tentar
melhorar uma terra de que gosto. Segundo, porque acho que, a nível autárquico,
é possível melhorar alguma coisa de concreto, sobretudo em autarquias de
pequena dimensão.
Lisboa, de que é
tão crítico, jamais seria uma hipótese?
Não, de todo. Há
11 mil funcionários na câmara; só saber o que teriam de fazer já era um
quebra-cabeças. Lisboa é um desastre. O único bom presidente de câmara que
Lisboa teve em toda a democracia foi João Soares. Os outros andaram em obras
que paralisaram a cidade durante anos. Ainda hoje quis passar no Terreiro do
Paço e não consegui. Está em obras há 20 anos, meu Deus! Não me venham cá com
desculpas das estacas e disto e daquilo. Aquilo é incompetência pura.
Não está melhor,
apesar de tudo?
Sim, e vai sempre
ficar melhor, mas a gente não pode esperar uma geração. Acredito que, no tempo
dos meus netos, o Terreiro do Paço esteja melhor, mas eu estou vivo hoje
[risos.] É um absurdo.
Era possível há
40 anos ter um MST a comentar como hoje faz?
Não, não era.
Para ter um pensamento político solidificado e que seja capaz de ser traduzido
num texto de jornal tem de ter lido muito, visto muito. Há 40 anos seria
muitíssimo mais radical a escrever do que sou hoje. Hoje sei que governar
Portugal é o pior emprego do mundo. Levo isso em conta. Mas muitas pessoas não
levam em conta.
Daí a sua crítica
à crítica fácil?
As pessoas não
sabem que um ministro em Portugal ganha quatro mil euros por mês ilíquidos, que
não tem vida privada, fins-de-semana, coisa nenhuma. Ou, se sabem, acham que é
a obrigação dele. O bota-abaixo dos políticos, que é o desporto nacional,
conduziu a que cada vez mais se tenha piores políticos. Ninguém se escandaliza
com as fortunas que ganha o treinador do Benfica, ou os jogadores de futebol. São
capazes de estar uma noite de vigília no Estádio da Luz para comprar um
bilhete.
Se o seu Porto
fosse a uma final europeia, provavelmente veria o mesmo...
Há essa paixão,
mas sabe que menos.
Há menos
portistas que benfiquistas, é natural que a fila seja menor.
Pois somos menos
mas, quando vejo as filas dos benfiquistas, pergunto-me se aquela gente não tem
nada que fazer. E não são todos reformados, há ali gente na flor da idade. Não
me venham dizer que está tudo desempregado. Se está tudo desempregado, não têm
dinheiro para dar cem euros e ir a Turim.
Não se deve
exigir mais de um ministro que de um treinador, mesmo que mais mal pago?
Mas as pessoas
acham que é escandaloso um político ser bem pago, e não acham escandaloso um
futebolista ganhar 20 vezes mais. Nem ter um tratamento fiscal de favor. Há ali
batotas. Na vox populi tem de haver um critério uniforme do que se exige
eticamente às pessoas. Se é evidente que se tem de exigir mais aos políticos, o
que se tem de exigir é a nível de serviço público. O que acho insuportável nos
políticos é que sejam apenas a voz do partido. Deviam ser mais bem pagos, para
serem melhores e mais responsabilizáveis.
Já o acusaram de
bota-abaixo indiscriminado?
Nunca fiz isso.
Se ler o que escrevi de textos políticos nos últimos 20 anos, nunca alinhei no
bota-abaixo dos políticos. Alguém tem de nos governar em democracia. Prefiro
eleger políticos que ter uma junta militar a governar ou um qualquer Salazar. Isto
não impede que seja crítico com o que fazem na prática.
Há pouco
perguntava como se imaginaria há 40 anos. E se tivesse a bagagem que tem hoje?
Atravessei todo o
25 de Abril sempre com a mesma posição política. Sempre fui um
social-democrata. Dissidência anarquista, tendência ecológica e opção
romântica. Mas sempre fui desde os 16 anos. No PREC vi amigos meus a virarem
extremistas, do PRP, do MRPP, do PCP. Eu deixei-os ir. É como uma corrida de
fundo. Parte na sua passada, vêm uns tipos de trás que, de repente, a
ultrapassam, e dali a pouco rebentam e você volta a passar por eles. Cheguei a
pensar que devo ser um chato do caraças, porque nunca mudei de opiniões
políticas.
Como viram os
seus amigos o facto de não mudar de opinião?
Houve alguns que
deixaram de me falar.
Alguns para
sempre?
Não, voltaram a
falar-me. A consciência pesava-lhes [risos]. Quando as pessoas fizeram
percursos como o Durão Barroso, que passaram directamente do maoismo para a
direita e para grandes apoiantes dos americanos e do Bush... claro que a
consciência lhes pesa.
Uma das suas cidades
preferidas é Nova Iorque, "apesar de ser na América". Não nutre
especial afecto pelo país?
Nutro muita
admiração em coisas que são importantes. Quando se trata de defender o seu
país, de correr riscos para defender a liberdade, os americanos estão lá. Vi
isso na primeira guerra do Iraque. Depois há coisas que me irritam
profundamente. Também depende da administração no poder. Nos anos de Bush foi
um milagre não termos ido para a terceira guerra mundial. Era de tal maneira
bronco, belicista, cretino que foi uma sorte não ter carregado no botão. Há uma
grande América, uma outra que não é tão boa assim. Por alguma razão continua a
ser o país que atrai os sonhos de todos os descamisados do mundo.
E esta Europa?
A Europa também
atrai. Já estou como o Garrett McNamara, que dizia há dias numa entrevista:
"Estou apaixonado por Portugal, mas não percebo porque é que os
portugueses estão sempre a queixar-se." Queixam-se, mas se fossem a África
viam o que era uma vida dura.
Por esse prisma,
há sempre gente pior que nós. Não é legítimo aspirar a mais que não morrer de
fome?
Obviamente que
sim. O que acho é que em Portugal há a mentalidade de que as coisas não dão
trabalho a conseguir. Dantes, as pessoas poupavam para a reforma. Sempre ouvi
os meus avós dizer isso. De repente, toda a gente achou que já não era preciso,
porque o Estado tratava disso. Neste momento temos um conflito intergeracional.
As pessoas na reforma ou à beira dela não querem saber se a Segurança Social é
ou não sustentável. Percebo que sintam os cortes na pele; agora, não percebo
que não aceitem sentar--se perante o argumento: "Então e a reforma dos
teus filhos? E dos teus netos?" Diga o Tribunal Constitucional o que
quiser, os reformados do futuro vão estar sempre pior.
Muito antes da
reforma, já o o dia-a-dia é um drama para muitos.
Pois. Mas também
fala com as pessoas que têm 55 anos e já só estão a pensar na reforma. Acho um
contra-senso. Todos na reforma se queixam, mas todos ambicionam ir para a
reforma. Mas não há ninguém que tenha vontade de trabalhar neste país?
Mencionou o
tribunal. Tem algumas saudades do direito?
Nenhumas. As
coisas melhoraram mas, quando fui advogado, a coisa mais difícil que havia era
conseguir fazer um julgamento. Os juízes usavam todos os pretextos que podiam
para adiar julgamentos. Depois queixam-se dos códigos, mas são feitos por eles.
Se não conseguisse ter julgamentos e sentenças, não era pago pelos clientes, ia
morrendo à fome como advogado. Não era um tempo de sociedades de advogados,
trabalhava por conta própria e ia a todas. Quando chegava lá de manhã e era
tudo adiado, era altamente deprimente.
É mais producente
escrever?
Prestei muito
mais serviço à justiça escrevendo sobre ela do que tendo estado 14 anos a fazer
advocacia.
Esteve um ano no
jornal "A Luta", com um exercício de estágio em jornalismo que o
deixou sem dinheiro.
Entrei por
concurso para o internacional. O chefe fez-nos uma pergunta sobre a guerra
entre o Bangladesh e o Paquistão. Ganhei e fui seleccionado para a vaga.
Apresentei-me ao serviço todo entusiasmado e o tipo mandou-me ir conhecer a
imprensa estrangeira em Portugal. Percebi que, para os encontrar, só ao fim do
dia, no bar do Hotel Mundial ou Tivoli. Para os fazer falar tinha de lhes
oferecer copos, portanto, quando chegou o fim do mês, apresentei um artigo mas
não tinha dinheiro nenhum [risos]. Bom, o chefe mandou-me voltar. "Mas eu
gastei o ordenado todo!" Paciência. Depois lá teve misericórdia e
deixou-me em paz. Eu era um maçarico. Ia buscar cafés, ia para a rua fazer cada
coisa...
Já escrevia com
os pés em cima da secretária?
Isso foi mais
tarde, quando já tinha estatuto de semichefe. Trabalhava sempre com os pés em
cima da secretária. As redacções eram um monte de papéis acumulados, casacos
por todo o lado, garrafas de whiskey, tudo a fumar, alguns desconfio que até a
charrar, pelo cheiro. Nos bons tempos do "Expresso" era assim. Fui só
colaborador, mas lembro-me de entrar na redacção e ser impressionante. Na
"Grande Reportagem" também.
Quando assinou a
primeira coluna?
N'"A
Capital", muito mais tarde, era o Mário Crespo director. Escrevi um artigo
que se chamava "A ordem é rica?", a criticar a construção sumptuosa
da Caixa Geral de Depósitos no Campo Pequeno, que foi apresentada na altura
como a maior sede bancária da Europa. Perguntava se o Estado era rico - um
texto premonitório. Foi com muitas cenas destas que chegámos onde chegámos.
Alguém lhe caiu
em cima?
Não, pelo
contrário. Foi muito aplaudida. Mas, hoje em dia, quando vejo o Presidente da
República a condecorar o Faria de Oliveira pelos seus méritos na
internacionalização da economia portuguesa, acho que nada mudou. O meu pai
tinha uma frase muito engraçada. "Já se disse tudo mas, como ninguém
ouviu, vou dizer outra vez." É a lei do eterno retorno.
Quando sentiu que
compravam o jornal para o ler, na fase do "Público"?
Sim, eu sabia que
era lido. Embora o feedback pessoal, às vezes, possa ser enganador, era
demasiado importante para ser enganador. Desconfiava que o jornal vendia mais à
sexta, mas nunca tinha visto os números. Alguém da administração passou-mos,
discretamente, para que soubesse. Estava a tentar renegociar a minha
colaboração. Olhei para os números e fiquei, de facto, espantado. Acabou por me
fazer sair do "Público" para o "Expresso". Fiz contas ao
dinheiro que tinha ganho e ao que dava a ganhar ao engenheiro Belmiro de
Azevedo e, quer dizer... Não sou capaz de morder a mão que me dá de comer, mas
tem de haver algum equilíbrio.
O estatuto
permite-lhe sair quando quiser e recomeçar onde quiser?
Sabe... shit
happens. Às vezes, acontecem coisas que não prevemos. Sou freelancer há 12
anos. Não me preocupa muito. Acredito sempre no dia de amanhã.
Tem poupado para
a reforma?
Tenho feito o que
posso por isso. Desde os 40 anos que me convenci de que não iria ter reforma
quando lá chegasse. Foi uma aposta que fiz. Agora, ninguém está a salvo de um
acidente, e acabou-se.
Costuma dar
muitas dores de cabeças às administrações?
Nunca me
chatearam. Neste momento escrevo para o "Expresso" e comento na SIC. O
doutor Balsemão, que foi jornalista, é um defensor da liberdade de imprensa. Se
amanhã fosse obrigado a ter só colaboradores do lado do governo, ele próprio se
chatearia de morte a ler o "Expresso". Agora, quando fui director da
primeira versão da "Sábado", senti muitas pressões e acabei despedido
pela administração.
Tem mais medo de
ser duro demais ou brando demais?
Brando. Tentar
ser justo é uma coisa que me condiciona à partida, ver as coisas friamente. Nunca
entrego um artigo quando acabei de o escrever. No caso do "Expresso",
passam dias, noites, e quando o entrego já reflecti várias horas sobre ele. Sinto
algum constrangimento quando há um texto meu que conduz a algum processo contra
mim e contra o jornal. É raro, mas o ano passado caiu-me tudo em cima. Tive
seis processos na vida, cinco foram o ano passado.
Venceu-os todos.
Sim, era o João
Rendeiro, o Armando Vara, o Gonçalo Amaral... Venci-os todos, mas não impede
que o jornal e eu tenhamos de nos incomodar. Estou há 14 anos n'"A
Bola" e nunca me tinham posto um processo. Pôs agora o Futebol Clube do
Porto. Fico um bocado constrangido, embora sinta que não tenha culpa e tenha
99% de esperanças de ser absolvido.
O caso do Porto
custa-lhe especialmente?
Considero uma
traição mas, como digo, sou do Porto, não sou da SAD do Porto. Não posso
impedir que o meu clube seja gerido por gente que não gostava de ver lá à
frente e que entenda que os jornalistas se dividam entre serventuários ou
inimigos. Já li hoje que o presidente está preparado para ficar outros 32 anos
[risos]. Eu não estou é preparado para continuar a escrever sobre futebol muito
mais tempo, embora goste.
Por causa de
casos como este?
Não, gosto de
escrever sobre futebol. É o lado absurdo da vida, irracional. É um bom escape.
Agora, não é o fundamental da vida. Está a dar-se importância demais. É
frequentado por gente que eu não gostaria de ter em minha casa a jantar. Se
calhar, o melhor é afastar-me. Não gosto de ser ingrato ou desmemoriado. O
Pinto da Costa pegou num clube de província e fez dele duas vezes campeão do
mundo de clubes. É notável. Só que chega um ponto da vida em que temos de dizer
"acabou". Não sabe retirar-se de cena, tal como o caso patético do
doutor Jardim na Madeira.
Quando se imagina
a retirar-se?
Nunca irei deixar
de escrever enquanto tiver lucidez. Retirar-me é sair da televisão, deixar de
escrever sobre futebol. Hei--de sempre escrever livros. Mas tenho um imenso
desejo, que eu não consigo cumprir, que é ir desaparecendo devagarinho de
vista. Não dá. Vai ter de ser radical. Um dia acordo e acabou-se a televisão.
Para se dedicar
ao seu curso de patrão local?
Tenho exame
domingo, às nove da manhã. Tenho esperança de passar. Tenho gozado imenso com a
família. Se correr bem, tenho o direito de ser tratado em casa por patrão, e no
mar por comandante [risos].
Hoje não
escolheria entre direito nem economia, mas sim arquitectura?
Ia decididamente
para arquitectura. Já fiz, em administração directa e em concepção, duas casas
literalmente de raiz, no Alentejo. Já remodelei três em Lisboa. Adoro obras.
Quando comprei o terreno no Alentejo, ia lá de jipe e não havia sequer caminho,
perdia-me. Exige infinita paciência. Fiz mais de 200 viagens de ida e volta
durante o ano e meio de construção.
Tem paciência fora
da construção?
Sou uma pessoa de
objectivos. Meto-os na cabeça e vou lá chegar. O curso de patrão local, por
exemplo: tenho aulas de noite às sextas-feiras. Só sabia o que era bombordo e
estibordo e pouco mais. E vou passar no domingo e chegar ao fim.
E impacienta
muita gente?
Não sei. Há muita
gente que diz que compra o "Expresso" e vai direita à minha página, e
sei que há outros que devem ter medo dela, porque se portaram mal durante a
semana. Mas tento mesmo controlar-me. A escrita é uma arma terrível e sei que é
mais fácil dizer mal que bem, embora, ao contrário do que as pessoas julgam,
ser um crítico longo e consistente das coisas não é uma tarefa fácil. Há
pessoas que escrevem que nunca criticaram ninguém em concreto, fogem de ter
opiniões de fundo, como eu faço. Enfie a carapuça quem quiser.
Não gosta das
redes sociais. Lê o que dizem de si?
Não. É uma
amostra errada e falseada do leitor comum. A maioria está ali para vomitar
raivas pessoais. Só serve para me deprimir e me irritar. Quero paz.
Já criticou
amigos?
Tenho poucos
amigos em quem confio. Aconteceu-me só umas duas ou três vezes. Tive de
escrever contra eles ou contra interesses que representavam. Aí, pego no
telefone e aviso.
Admite já se ter
excedido?
Não muitas vezes,
mas já. Excedi-me no caso do "palhaço". Posso não gostar do
presidente, mas respeito o cargo e a instituição. Mas também acho que somos uns
picuinhas. Mais um processo-crime que ganhei.
Foi depois de um
processo que começou a escrever livros infantis.
Exacto. Chamei
"pedofilia editorial" a um livro que li e comecei a escrever livros
para crianças. Hei-de fazer mais. Agora estou em período de amadurecimento de
outro romance; vou no início.
Já escreveu
poesia?
Já tentei e foi
sempre um desastre. Ainda hoje tento, mas é inacreditável como é que eu, sendo
filho de uma grande poetisa, sou incapaz de escrever um poema.
Não será por
isso?
Não, sempre me
defendi escrevendo, desde os tempos do liceu; safava-me. Em poesia, não escrevo
nada decente. Teoricamente tenho o talento, mas não consigo.
Como vê a
trasladação de Sophia para o panteão?
Com mixed
feelings. Foi uma decisão tomada pelas minhas irmãs. Acompanhei pouco porque
estava no Brasil a pesquisar para este novo livro. Por um lado, tenho orgulho e
gratidão, como filho, que o país lhe reconheça a importância. Por outro lado,
tenho dúvidas de que a minha mãe gostasse de estar ali - e as maiores dúvidas
de que o panteão seja um sítio onde um filho vai quando lhe apetece conversar
com a mãe.
Costuma fazê-lo?
Isso é uma coisa
muito pessoal para responder. Pedem-me para falar dos meus pais, mas as pessoas
não se dão conta de que separo esse lado público. Eram a minha mãe e o meu pai.
É desta que vai
deixar de fumar?
Pela segunda vez
na minha vida tomei a decisão de tentar fazer uma tentativa para deixar de
fumar [risos]. Tenho um enfisema. A primeira vez falhou há uns anos, quando fiz
hipnose. Chorei e estive curado 45 minutos, até acender um cigarro. Vou tentar
antes do Verão, desta vez com a acupunctura.
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