EDITORIAL / PÚBLICO
Inverter a inversão da pirâmide
etária
Os dados do INE sobre a natalidade e os saldos migratórios em Portugal são
alarmantes
Opaís está
entretido a discutir a sustentabilidade do sistema da Segurança Social, mas
numa lógica de curto prazo e com uma visão meramente economicista. Mas há uma
ameaça que continua a pairar e que, a continuar, fará explodir o nosso sistema
de previdência, tal como o conhecemos. Os dados publicados esta sexta-feira
pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) são alarmantes e projectam um
Portugal em 2060 reduzido a 6,3 milhões de habitantes. As projecções apontam
para um fortíssimo envelhecimento demográfico, com o actual índice de 131
idosos por cada 100 jovens a aumentar para os 464 idosos por 100 jovens. E esta
tendência não é de agora. De 2007 até agora, todos os anos morrem mais pessoas
do que aquelas que nascem. Em 2012, por exemplo, o país registou mais 17.757
mortes do que nascimentos.
A questão é saber
como dar a volta a esta estatística ou lidar com um perfil populacional
complemente diferente no país? E a resposta não pode passar apenas pelo
sucessivo aumento da idade de reforma. Há uma dimensão de organização social
sublinhada pelos sociólogos e que tem de dar resposta a estas duas perguntas:
por que é que a formação só é admitida numa fase mais inicial da vida? Por que
é que o trabalho não pode ser menos intenso na fase central das nossas vidas,
em que pode haver filhos pequenos, e prolongar-se até mais tarde?
Depois há uma
outra dimensão, a dos incentivos para tentar condicionar o comportamento da
própria sociedade e inverter a curva demográfica. E aqui não chega ideias
soltas como um chequebebé. Um Pacto para a Natalidade, ideia lançada esta
semana pelos partidos no Parlamento, não deveria resumir-se a um grupo de
trabalho efémero. Deveria implicar um compromisso de várias legislaturas e
gerações. Porque este problema não se resolve da noite para o dia.
Portugal poderá dobrar 2060
reduzido a 6,3 milhões de habitantes
NATÁLIA FARIA 28/03/2014
– PÚBLICO
Se os portugueses não começarem a ter mais bebés e não regressarem a um
saldo migratório positivo, Portugal perderá 4,1 milhões de habitantes em 46
anos. Sociedade terá de se reorganizar, alerta socióloga. É preciso "fazer
regressar os emigrantes”, reforça Pedro Lomba.
Se não conseguir aumentar a natalidade e os saldos migratórios se
mantiverem negativos, Portugal poderá chegar a 2060 reduzido a apenas 6,3
milhões de habitantes. Sem surpresas, as projecções que o Instituto Nacional de
Estatística divulgou nesta sexta-feira apontam para um fortíssimo
envelhecimento demográfico, com o actual índice de 131 idosos por cada 100
jovens a aumentar para os 464 idosos por 100 jovens.
O recuo dos
actuais 10,5 milhões para os 6,3 milhões é o mais pessimista dos cenários
projectados pelo INE. Numa projecção mais moderadamente optimista, aquele
instituto admite que Portugal possa chegar a 2060 reduzido a apenas 8,6 milhões
de habitantes, sendo que, neste caso, passaria a haver 307 idosos por cada 100
jovens. Mas tal pressuporia que, nos próximos 46 anos, assistíssemos a uma
recuperação da natalidade, com o número médio de filhos por mulher em idade
fértil (ISF) a subir dos 1,28 registados em 2012 para os 1,55. Quanto à
mortalidade, o INE admite neste mesmo cenário o aumento da esperança de vida à
nascença para os 84,21 anos (no caso dos homens) e 89,88 anos (mulheres). Este
cenário central mostra-se ainda optimista quanto às migrações. Admite que o
saldo negativo que Portugal regista desde 2010 – com mais gente a sair do país
do que a entrar – regresse aos valores positivos, já a partir de 2020.
Com pressupostos
mais pessimistas, isto é, se a natalidade se mantiver nos níveis actuais e o
saldo migratório permanecer negativo, Portugal dobraria então 2060 com apenas
6,3 milhões. Seja como for, o envelhecimento populacional é o denominador comum
a qualquer um dos cenários. O que torna evidente, para a socióloga Maria João
Valente Rosa, a necessidade de o país se sentar a repensar o seu modelo de
organização social. “O modo como nos organizamos enquanto sociedade foi pensado
e funcionou num perfil populacional diferente, muito mais jovem, do que o
actual e do que o que teremos no futuro”. E, porque o envelhecimento
populacional é inelutável, em Portugal como no resto da Europa, ceder à
tentação de “amplificar o que temos no presente para o futuro” também não será
o caminho mais acertado”, segundo aquela investigadora. Porquê? “Desde logo
porque os idosos que vamos ter em 2060 não vão ser iguais aos de hoje: vão ser
mais qualificados e mais próximos das novas tecnologias”.
Assim, a inversão
da pirâmide etária, tornou desde já anacrónico que a idade, em detrimento do
mérito, continue a ser “um marcador social importantíssimo na definição do
valor dos indivíduos”, isto é, “numa sociedade muito baseada na força do
mercado de trabalho, na força física, fazia algum sentido que o valor das
pessoas fosse medido em função da idade”; hoje, porém, “numa sociedade
sustentada no conhecimento, isso deixou de fazer sentido, porque o
conhecimento, ao contrário da força, não tem barreiras de idade”.
Adiamento da
idade da reforma é mero “paliativo”
Não se pense,
porém, que a resposta ao problema do envelhecimento está no adiamento da idade
da reforma. “Isso não passa de um paliativo, mas o paliativo não cura, o que é
preciso é ir ao fundo da questão, sob pena de estarmos constantemente a ter de
discutir novos adiamentos da idade da reforma”, alerta a socióloga. Que
preconiza, isso sim, toda uma reformatação do modelo de organização social que
estabelece três fases distintas, estanques e balizadas pela idade, no ciclo de
vida de cada um: formação, trabalho e reforma. “Por que é que a formação,
essencial em todas as etapas da vida, só é admitida no início? Por que razão o
trabalho não pode ser menos intenso, na fase central das nossas vidas, em que
pode
haver filhos pequenos, e prolongar-se até mais
tarde?”, sugere Maria João Valente Rosa.
Além de poder
responder às actuais dificuldades de conciliação entre a vida familiar e o
trabalho (um dos factores por detrás da quebra na natalidade, que em 2013
voltou a bater um recorde negativo, com apenas 83.538 nados-vivos), esta
poderia ser uma forma de assegurar a sustentabilidade social do país. Afinal,
no mesmo cenário que aponta para os 8,6 milhões em 2060, o INE alerta para o
risco de passarmos das actuais 340 pessoas activas por cada 100 idosos para
menos de metade, isto é, para apenas 149 activos por cada 100 idosos.
Quanto à
população em idade activa, com idades entre os 15 e os 64 anos, diminuirá dos actuais
6,9 milhões para apenas 4,5 milhões. As projecções agravam-se se considerarmos
o cenário baixo, dos 6,3 milhões em 2060. Aqui, e ainda segundo o INE, o país
passará a somar 464 idosos por cada 100 jovens. Já a população activa (entre os
15 e os 64 anos) descerá, por seu turno, dos atuais 6,9 milhões para apenas
três milhões, enquanto os jovens com menos de 15 anos de idade, por seu turno,
baixarão dos actuais 1,5 milhões para apenas 587 mil.
226 mortos e 187
nascimentos
Para estancar a
queda da natalidade, Pedro Passos Coelho anunciou, no passado dia 23 de
Fevereiro, a criação de uma comissão multidisciplinar, chefiada por Joaquim
Azevedo, director do centro regional do Porto da Universidade Católica,
responsável por, em três meses, preparar um plano de acção capaz de pôr os
portugueses a ter mais bebés. A intenção surge sete anos depois de o país se
ter alarmado com o primeiro saldo natural negativo: em 2007 nasceram 102.492
bebés e morreram 103.512 pessoas. De então para cá, a situação agravou-se. Em
2012, por exemplo, o país registou mais 17.757 mortes do que nascimentos. Em 2014, a tendência deverá
manter-se. Durante esta sexta-feira, e até às 18h30, a página do Pordata
contava 226 mortos e 187 nascimentos.
O que o Pordata
não contou foi quantos portugueses emigraram durante sexta-feira. Até porque
essa é uma contabilidade que escapa muitas vezes ao controlo oficial. O que se
sabe é que o crescimento em 206.061 indivíduos que Portugal registou entre 2001
e 2011, data dos últimos Censos, se deveu em boa parte aos imigrantes. Mas,
como lembrou Jorge Malheiros, professor no Instituto de Geografia da
Universidade de Lisboa, na altura em que os Censos foram revelados, o balanço
da década não espelhava já a sangria demográfica que se evidenciou sobretudo a
partir do meio da década, com as estimativas dos especialistas a apontaram para
a emigração de cerca de 100 mil portugueses por ano.
Na reacção às
projecções do INE, o secretário de Estado que tutela as migrações, Pedro Lomba,
sublinha que as migrações permitirão “suster o declínio populacional onde ele é
mais pronunciado: nas pessoas com idade activa”, ou seja, “aquela que mais
contribui para o estado social”. O governante aponta assim a captação de
imigrantes e a promoção do retorno dos portugueses que foram trabalhar lá para
fora como “necessidades vitais” do país.
Apelando a uma
“estratégia reformista abrangente e consensualizada, que inclua o aumento da
natalidade mas também uma gestão mais proactiva das migrações”, Lomba considera
que assegurar o equilíbrio migratório “é uma emergência nacional para o país”.
O que Pedro Lomba não explica, no comentário que enviou por escrito ao PÚBLICO,
é como se propõe chegar aí, tendo-se limitado a anunciar a transformação do
actual Observatório da Imigração num “observatório das Migrações no seu
conjunto”, dotando-o de “novos instrumentos e formas de colaboração que
permitam compreender melhor os movimentos migratórios das pessoas”.
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