Opinião
Não,
Moedas não é responsável pela tragédia no Elevador da Glória
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Elisabete
Tavares
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11/09/2025
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https://paginaum.pt/2025/09/11/nao-moedas-nao-e-responsavel-pela-tragedia-no-elevador-da-gloria
Quando
ocorrem tragédias, há, infelizmente, logo quem delas se quer aproveitar. Foi
assim também com o acidente trágico que ceifou 16 vidas depois de,
aparentemente, se ter partido um cabo no mítico Elevador da Glória, em Lisboa.
Um cabo que prendia os passageiros à vida.
Nos media
e nas redes sociais, foi um desfile de figuras, oportunistas, a por as garras
de fora e a tirar proveito do luto e do choque. A principal vítima destes
ataques tem sido o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas.
Não vou
citar um a um porque são muitos e porque não lhes quero dar mais palco. Mas
colheram aplausos, ‘likes‘, partilhas nas redes sociais. As hienas puseram-se
em campo: políticos; adversários de Moedas e do Governo; comentadores das TVs.
Enfim, os do costume. Tudo lhes serve para reforçar a fama, a qual está
indexada ao que depois recebem para ir a programas de variedades — que é como
classifico os actuais painéis de comentadores televisivos e das rádios. ↓
Os factos
pouco interessam a esta gente. O que interessa é ‘malhar’ no Moedas. É vender
ideologias, berrar acusações absurdas. Uns aproveitam para vender as “benesses”
e os “milagres” proporcionados pelos sindicatos, e que se “estes tivessem mais
poder nada disto acontecia” — uma enorme tolice. (Servem hoje, sobretudo, para
manter intacto um mercado de trabalho obsoleto, em que a maioria dos
trabalhadores sobrevive com migalhas, num regime democrático corrompido).
Outros aproveitaram para “puxar a brasa à sua sardinha” a tempo das eleições
autárquicas. Outros opinam porque sim. Os factos? Isso é chato. Não interessa.
Mas há,
pelo menos, 16 razões para atender aos factos. As vítimas mortais merecem o
apuramento dos factos. E também os feridos do acidente merecem o apuramento de
todos os factos. E de todas as responsabilidades. Técnicas e de gestão.
É já
evidente que o acidente não ocorreu, assim, do nada. Do que se sabe até agora,
terá ocorrido na sequência de uma série de acontecimentos que criaram a
“tempestade perfeita” para uma tragédia.
O
acidente terá tido origem em eventos que tiveram início há, pelo menos, três
anos, quando a Carris lançou um concurso público para a manutenção dos
centenários ascensores.
No
concurso lançado em 2022, concorreram quatro empresas: três sem o obrigatório
alvará da Direcção-Geral da Energia e da Geologia (DGEG) e uma empresa muito
experiente e com licença. Uma das empresas sem alvará e sem experiência na
manutenção de ascensores era a MNTC – Serviços Técnicos de Engenharia.
Nesse
concurso, o preço era de 1.728.000 euros. A MNTC ganhou com uma proposta que
esmagou esse preço. O contrato acabou por lhe ser adjudicado por 995.515,20
euros.
Além do
preço, o que é chocante é ver que o caderno de encargos desse concurso é
paupérrimo em termos de exigências e requisitos para a prestação da manutenção.
O que se
seguiu foi uma catadupa de acontecimentos que resultaram no trágico desfecho.
Como é
que a Carris colocou nas mãos de uma empresa sem experiência e com alvará com
poucas semanas a manutenção dos ascensores? Sabemos o porquê: poupar nos
custos.
Quem
tomou a decisão de adjudicação deste contrato, em 2022, pode enfrentar
acusações criminais. Os nomes que constam do contrato são dois: Pedro Gonçalo
de Brito Aleixo Bogas, presidente da Carris; e Maria de Albuquerque Rodrigues
da Silva Lopes Duarte, vice-presidente da empresa. O conselho de administração
da Carris tem ainda outra vogal executiva: Ana Cristina Coelho.
Entretanto,
este ano, a Carris cancelou um concurso público para a manutenção dos
ascensores. No dia do acidente, não havia nenhum contrato válido e eficaz
publicado no Portal Base referente à manutenção daqueles elevadores. O anterior
contrato conhecido, com a MNTC, tinha terminado a 31 de Agosto.
Pressionada,
a Carris mostrou então aos jornalistas uma minuta de um contrato, alegadamente
adjudicado por ajuste directo à mesma empresa, MNTC, com data de 20 de Agosto.
A Carris tem mantido a narrativa de que o contrato foi mesmo assinado a 20 de
Agosto, mas sem assinaturas digitais, vale a palavra dos gestores da Carris.
(Resta saber se terá algum valor para as seguradoras e o Ministério Público.)
Será que
a tragédia poderia ter sido evitada se, em 2022, a Carris tivesse entregado a
manutenção dos elevadores a uma empresa experiente? Será que teria sido evitada
se, no passado mês de Agosto, a Carris tivesse entregado a manutenção a uma
empresa com mais experiência? Será que a nova empresa teria conseguido
detectar, no dia 1 ou 2 de Agosto, que o cabo dos ascensores da Glória não se
encontrava em condições? Jamais saberemos.
O que
sabemos é que a manutenção dos ascensores foi deficiente. Falhou. Foi
negligente. Foi uma brincadeira. Isso é evidente. Se tivesse sido bem feita,
não teria havido esta tragédia.
O que
sabemos é que uma empresa, a Carris, para poupar nos custos, entregou a
manutenção dos emblemáticos elevadores nas mãos de uma empresa que fazia
sobretudo contratos de manutenção de piscinas públicas.
O que
sabemos é que a empresa de manutenção MNTC não tinha experiência. E nunca
deveria ter postos os pés na Calçada da Glória para ali prestar serviços à
Carris.
O que
sabemos é que as 16 vidas perdidas no acidente tiveram um preço: 732.484,80
euros. É o valor da “poupança” que a Carris teve em 2022, quando decidiu
adjudicar o contrato de manutenção à MNTC.
732.484,80
euros. Foi por este valor que se perderam 16 preciosas vidas. Foi por este
valor que os gestores da Carris meteram as suas responsabilidades debaixo do
tapete e entregaram a vida dos passageiros dos ascensores nas mãos da sorte.
Desde o
dia 1 de Agosto de 2022, quando a MNTC começou a fazer a manutenção dos
elevadores da Carris, os passageiros arriscaram cada vez que subiram os degraus
para andar nos ascensores. Nos últimos três anos, a Carris fez os passageiros
dos elevadores jogar uma espécie de roleta russa, sem que nenhum suspeitasse
que aquela viagem poderia ser a última na vida.
Agora, é
preciso atender aos factos e apurar responsabilidades. Tudo parece apontar para
a existência de negligência, menosprezo pelas regras de segurança e de cuidados
com a manutenção do elevador da Glória.
É certo
que num país “preso por fios”, onde o bem público é muitas vezes gerido como
bem privado de alguns, só surpreende que não haja mais tragédias.
Mas
querer usar esta tragédia para promover ideologias, reforçar a fama de
comentador ou ganhar votos nas eleições é simplesmente nojento — e raramente
uso esta palavra.
Os factos
já conhecidos são claros. Concretos. Querer culpar Moedas não só não faz
sentido, como é estúpido. É fechar os olhos a dos maiores males que corrói o
país: a eterna desresponsabilização efectiva.
Alguém
tomou decisões de gestão. Alguém fez um trabalho deficiente. Alguém foi
negligente. Alguém matou 16 passageiros que apenas queriam subir a Calçada da
Glória no histórico Elevador da Glória (não se excluindo que entre as vítimas
haja pessoas que circulavam no passeio). Isto é indiscutível.
Esta
tragédia precisa servir para alguma coisa. Pode servir para se corrigir alguns
grandes males do país. E garanto que tudo mudará, em Portugal, se houver, desta
vez, pelo menos uma coisa que nunca há: Justiça. Célere.
Elisabete
Tavares é jornalista
N.D. Os
textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até
estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do
director do PÁGINA UM.
Opinion
No,
Moedas is not responsible for the tragedy at Elevador da Glória
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Elisabete
Tavares
|
11/09/2025
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https://paginaum.pt/2025/09/11/nao-moedas-nao-e-responsavel-pela-tragedia-no-elevador-da-gloria
When
tragedies occur, there are, unfortunately, those who want to take advantage of
them. It was also the same with the tragic accident that claimed 16 lives
after, apparently, a cable was broken in the mythical Elevador da Glória, in
Lisbon. A cable that bound the passengers to life.
In the
media and on social networks, it was a parade of opportunistic figures, putting
their claws out and taking advantage of the grief and shock. The main victim of
these attacks has been the mayor of Lisbon, Carlos Moedas.
I won't
name them one by one because there are many and because I don't want to give
them more stage. But they reaped applause, likes, shares on social networks.
The hyenas put themselves in the field: politicians; opponents of Moedas and
the Government; TV commentators. In short, the usual ones. Everything serves to
reinforce their fame, which is indexed to what they then receive to go to
variety shows — which is how I classify the current panels of television and
radio commentators. ↓
The facts
are of little interest to these people. What matters is to 'work out' at
Moedas. It is selling ideologies, shouting absurd accusations. Some take the
opportunity to sell the "benefits" and "miracles" provided
by the unions, and that if "they had more power, none of this would
happen" — a huge foolishness. (They serve today, above all, to keep intact
an obsolete labor market, in which the majority of workers survive on crumbs,
in a corrupt democratic regime). Others took the opportunity to "pull the
ember to their sardine" in time for the local elections. Others opine
because they did. The facts? That's annoying. It doesn't matter.
But there
are at least 16 reasons to take into account the facts. The fatalities deserve
the facts. And the injured in the accident also deserve to be ascertained all
the facts. And of all responsibilities. Techniques and management.
It is
already clear that the accident did not occur out of nowhere. From what is
known so far, it will have occurred following a series of events that created
the "perfect storm" for a tragedy.
The
accident will have originated in events that began at least three years ago,
when Carris launched a public tender for the maintenance of the centenary
lifts.
In the
tender launched in 2022, four companies competed: three without the mandatory
license from the Directorate-General for Energy and Geology (DGEG) and one very
experienced company with a license. One of the companies without a license and
without experience in the maintenance of elevators was MNTC – Serviços Técnicos
de Engenharia.
In that
tender, the price was 1,728,000 euros. MNTC won with a proposal that crushed
that price. The contract was eventually awarded to him for 995,515.20 euros.
In
addition to the price, what is shocking is to see that the specifications of
this tender are very poor in terms of demands and requirements for the
provision of maintenance.
What
followed was a catadupa of events that resulted in the tragic outcome.
How did
Carris put the maintenance of the lifts in the hands of a company with no
experience and with a license within a few weeks? We know why: saving on costs.
Whoever
made the decision to award this contract in 2022 could face criminal charges.
The names included in the contract are two: Pedro Gonçalo de Brito Aleixo
Bogas, president of Carris; and Maria de Albuquerque Rodrigues da Silva Lopes
Duarte, vice president of the company. Carris' board of directors also has
another executive member: Ana Cristina Coelho.
However,
this year, Carris canceled a public tender for the maintenance of the lifts. On
the day of the accident, there was no valid and effective contract published on
the Base Portal regarding the maintenance of those elevators. The previous
known contract, with MNTC, had ended on August 31.
Under
pressure, Carris then showed journalists a draft of a contract, allegedly
awarded by direct agreement to the same company, MNTC, dated August 20. Carris
has maintained the narrative that the contract was indeed signed on August 20,
but without digital signatures, the word of Carris managers is worthwhile. (It
remains to be seen whether it will have any value for insurers and the Public
Prosecutor's Office.)
Could the
tragedy have been avoided if, in 2022, Carris had handed over the maintenance
of the elevators to an experienced company? Would it have been avoided if, last
August, Carris had handed over maintenance to a company with more experience?
Would the new company have been able to detect, on the 1st or 2nd of August,
that the cable of the Glória lifts was not in good condition? We will never
know.
What we
do know is that the maintenance of the lifts was deficient. Failed. He was
negligent. It was a joke. That is evident. If it had been done well, there
would not have been this tragedy.
What we
do know is that a company, Carris, in order to save costs, handed over the
maintenance of the emblematic elevators into the hands of a company that mainly
made maintenance contracts for public swimming pools.
What we
do know is that the maintenance company MNTC had no experience. And he should
never have set foot on Calçada da Glória to provide services to Carris there.
What we
do know is that the 16 lives lost in the accident had a price: 732,484.80
euros. It is the value of the "savings" that Carris had in 2022, when
it decided to award the maintenance contract to MNTC.
732,484.80
euros. It was for this amount that 16 precious lives were lost. It was for this
amount that Carris managers put their responsibilities under the rug and handed
the lives of lift passengers into the hands of luck.
Since
August 1, 2022, when MNTC started maintaining Carris elevators, passengers have
risked every time they climbed the steps to ride the elevators. In the last
three years, Carris made elevator passengers play a kind of Russian roulette,
without anyone suspecting that that trip could be the last in their lives.
Now, it
is necessary to take into account the facts and ascertain responsibilities.
Everything seems to point to the existence of negligence, contempt for safety
rules and care with the maintenance of the Glória elevator.
It is
true that in a country "trapped by threads", where the public good is
often managed as a private good of a few, it is only surprising that there are
not more tragedies.
But
wanting to use this tragedy to promote ideologies, reinforce one's reputation
as a commentator or win votes in elections is simply disgusting — and I rarely
use this word.
The facts
already known are clear. Concrete. Wanting to blame Moedas not only makes no
sense, but is stupid. It is to turn a blind eye to one of the greatest evils
that corrodes the country: the eternal effective lack of responsibility.
Someone
made management decisions. Someone did a poor job. Someone was negligent.
Someone killed 16 passengers who just wanted to climb the Calçada da Glória in
the historic Elevador da Glória (not excluding that among the victims there are
people who circulated on the sidewalk). This is indisputable.
This
tragedy needs to serve something. It can serve to correct some of the country's
great evils. And I guarantee that everything will change, in Portugal, if there
is, this time, at least one thing that never exists: Justice. Rapid.
Elisabete
Tavares is a journalist
N.D.
Opinion texts express only the positions of their authors, and may even be, in
some cases, the opposite of the analyses, thoughts and evaluations of the
director of PÁGINA UM.

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