quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Não, Moedas não é responsável pela tragédia no Elevador da Glória / No, Moedas is not responsible for the tragedy at Elevador da Glória

 


Opinião

Não, Moedas não é responsável pela tragédia no Elevador da Glória

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Elisabete Tavares

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11/09/2025

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https://paginaum.pt/2025/09/11/nao-moedas-nao-e-responsavel-pela-tragedia-no-elevador-da-gloria

 

Quando ocorrem tragédias, há, infelizmente, logo quem delas se quer aproveitar. Foi assim também com o acidente trágico que ceifou 16 vidas depois de, aparentemente, se ter partido um cabo no mítico Elevador da Glória, em Lisboa. Um cabo que prendia os passageiros à vida.

 

Nos media e nas redes sociais, foi um desfile de figuras, oportunistas, a por as garras de fora e a tirar proveito do luto e do choque. A principal vítima destes ataques tem sido o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas.

 

Não vou citar um a um porque são muitos e porque não lhes quero dar mais palco. Mas colheram aplausos, ‘likes‘, partilhas nas redes sociais. As hienas puseram-se em campo: políticos; adversários de Moedas e do Governo; comentadores das TVs. Enfim, os do costume. Tudo lhes serve para reforçar a fama, a qual está indexada ao que depois recebem para ir a programas de variedades — que é como classifico os actuais painéis de comentadores televisivos e das rádios. ↓

 

Os factos pouco interessam a esta gente. O que interessa é ‘malhar’ no Moedas. É vender ideologias, berrar acusações absurdas. Uns aproveitam para vender as “benesses” e os “milagres” proporcionados pelos sindicatos, e que se “estes tivessem mais poder nada disto acontecia” — uma enorme tolice. (Servem hoje, sobretudo, para manter intacto um mercado de trabalho obsoleto, em que a maioria dos trabalhadores sobrevive com migalhas, num regime democrático corrompido). Outros aproveitaram para “puxar a brasa à sua sardinha” a tempo das eleições autárquicas. Outros opinam porque sim. Os factos? Isso é chato. Não interessa.

 

Mas há, pelo menos, 16 razões para atender aos factos. As vítimas mortais merecem o apuramento dos factos. E também os feridos do acidente merecem o apuramento de todos os factos. E de todas as responsabilidades. Técnicas e de gestão.

 

É já evidente que o acidente não ocorreu, assim, do nada. Do que se sabe até agora, terá ocorrido na sequência de uma série de acontecimentos que criaram a “tempestade perfeita” para uma tragédia.

 

O acidente terá tido origem em eventos que tiveram início há, pelo menos, três anos, quando a Carris lançou um concurso público para a manutenção dos centenários ascensores.

 

No concurso lançado em 2022, concorreram quatro empresas: três sem o obrigatório alvará da Direcção-Geral da Energia e da Geologia (DGEG) e uma empresa muito experiente e com licença. Uma das empresas sem alvará e sem experiência na manutenção de ascensores era a MNTC – Serviços Técnicos de Engenharia.

 

Nesse concurso, o preço era de 1.728.000 euros. A MNTC ganhou com uma proposta que esmagou esse preço. O contrato acabou por lhe ser adjudicado por 995.515,20 euros.

 

Além do preço, o que é chocante é ver que o caderno de encargos desse concurso é paupérrimo em termos de exigências e requisitos para a prestação da manutenção.

 

O que se seguiu foi uma catadupa de acontecimentos que resultaram no trágico desfecho.

 

Como é que a Carris colocou nas mãos de uma empresa sem experiência e com alvará com poucas semanas a manutenção dos ascensores? Sabemos o porquê: poupar nos custos.

 

Quem tomou a decisão de adjudicação deste contrato, em 2022, pode enfrentar acusações criminais. Os nomes que constam do contrato são dois: Pedro Gonçalo de Brito Aleixo Bogas, presidente da Carris; e Maria de Albuquerque Rodrigues da Silva Lopes Duarte, vice-presidente da empresa. O conselho de administração da Carris tem ainda outra vogal executiva: Ana Cristina Coelho.

 

Entretanto, este ano, a Carris cancelou um concurso público para a manutenção dos ascensores. No dia do acidente, não havia nenhum contrato válido e eficaz publicado no Portal Base referente à manutenção daqueles elevadores. O anterior contrato conhecido, com a MNTC, tinha terminado a 31 de Agosto.

 

Pressionada, a Carris mostrou então aos jornalistas uma minuta de um contrato, alegadamente adjudicado por ajuste directo à mesma empresa, MNTC, com data de 20 de Agosto. A Carris tem mantido a narrativa de que o contrato foi mesmo assinado a 20 de Agosto, mas sem assinaturas digitais, vale a palavra dos gestores da Carris. (Resta saber se terá algum valor para as seguradoras e o Ministério Público.)

 

Será que a tragédia poderia ter sido evitada se, em 2022, a Carris tivesse entregado a manutenção dos elevadores a uma empresa experiente? Será que teria sido evitada se, no passado mês de Agosto, a Carris tivesse entregado a manutenção a uma empresa com mais experiência? Será que a nova empresa teria conseguido detectar, no dia 1 ou 2 de Agosto, que o cabo dos ascensores da Glória não se encontrava em condições? Jamais saberemos.

 

O que sabemos é que a manutenção dos ascensores foi deficiente. Falhou. Foi negligente. Foi uma brincadeira. Isso é evidente. Se tivesse sido bem feita, não teria havido esta tragédia.

 

O que sabemos é que uma empresa, a Carris, para poupar nos custos, entregou a manutenção dos emblemáticos elevadores nas mãos de uma empresa que fazia sobretudo contratos de manutenção de piscinas públicas.

 

O que sabemos é que a empresa de manutenção MNTC não tinha experiência. E nunca deveria ter postos os pés na Calçada da Glória para ali prestar serviços à Carris.

 

O que sabemos é que as 16 vidas perdidas no acidente tiveram um preço: 732.484,80 euros. É o valor da “poupança” que a Carris teve em 2022, quando decidiu adjudicar o contrato de manutenção à MNTC.

 

732.484,80 euros. Foi por este valor que se perderam 16 preciosas vidas. Foi por este valor que os gestores da Carris meteram as suas responsabilidades debaixo do tapete e entregaram a vida dos passageiros dos ascensores nas mãos da sorte.

 

Desde o dia 1 de Agosto de 2022, quando a MNTC começou a fazer a manutenção dos elevadores da Carris, os passageiros arriscaram cada vez que subiram os degraus para andar nos ascensores. Nos últimos três anos, a Carris fez os passageiros dos elevadores jogar uma espécie de roleta russa, sem que nenhum suspeitasse que aquela viagem poderia ser a última na vida.

 

Agora, é preciso atender aos factos e apurar responsabilidades. Tudo parece apontar para a existência de negligência, menosprezo pelas regras de segurança e de cuidados com a manutenção do elevador da Glória.

 

É certo que num país “preso por fios”, onde o bem público é muitas vezes gerido como bem privado de alguns, só surpreende que não haja mais tragédias.

 

Mas querer usar esta tragédia para promover ideologias, reforçar a fama de comentador ou ganhar votos nas eleições é simplesmente nojento — e raramente uso esta palavra.

 

Os factos já conhecidos são claros. Concretos. Querer culpar Moedas não só não faz sentido, como é estúpido. É fechar os olhos a dos maiores males que corrói o país: a eterna desresponsabilização efectiva.

 

Alguém tomou decisões de gestão. Alguém fez um trabalho deficiente. Alguém foi negligente. Alguém matou 16 passageiros que apenas queriam subir a Calçada da Glória no histórico Elevador da Glória (não se excluindo que entre as vítimas haja pessoas que circulavam no passeio). Isto é indiscutível.

 

Esta tragédia precisa servir para alguma coisa. Pode servir para se corrigir alguns grandes males do país. E garanto que tudo mudará, em Portugal, se houver, desta vez, pelo menos uma coisa que nunca há: Justiça. Célere.

 

Elisabete Tavares é jornalista

 

N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


Opinion

No, Moedas is not responsible for the tragedy at Elevador da Glória

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Elisabete Tavares

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11/09/2025

𝕏

https://paginaum.pt/2025/09/11/nao-moedas-nao-e-responsavel-pela-tragedia-no-elevador-da-gloria

 

When tragedies occur, there are, unfortunately, those who want to take advantage of them. It was also the same with the tragic accident that claimed 16 lives after, apparently, a cable was broken in the mythical Elevador da Glória, in Lisbon. A cable that bound the passengers to life.

 

In the media and on social networks, it was a parade of opportunistic figures, putting their claws out and taking advantage of the grief and shock. The main victim of these attacks has been the mayor of Lisbon, Carlos Moedas.

 

I won't name them one by one because there are many and because I don't want to give them more stage. But they reaped applause, likes, shares on social networks. The hyenas put themselves in the field: politicians; opponents of Moedas and the Government; TV commentators. In short, the usual ones. Everything serves to reinforce their fame, which is indexed to what they then receive to go to variety shows — which is how I classify the current panels of television and radio commentators. ↓

 

The facts are of little interest to these people. What matters is to 'work out' at Moedas. It is selling ideologies, shouting absurd accusations. Some take the opportunity to sell the "benefits" and "miracles" provided by the unions, and that if "they had more power, none of this would happen" — a huge foolishness. (They serve today, above all, to keep intact an obsolete labor market, in which the majority of workers survive on crumbs, in a corrupt democratic regime). Others took the opportunity to "pull the ember to their sardine" in time for the local elections. Others opine because they did. The facts? That's annoying. It doesn't matter.

 

But there are at least 16 reasons to take into account the facts. The fatalities deserve the facts. And the injured in the accident also deserve to be ascertained all the facts. And of all responsibilities. Techniques and management.

 

It is already clear that the accident did not occur out of nowhere. From what is known so far, it will have occurred following a series of events that created the "perfect storm" for a tragedy.

 

The accident will have originated in events that began at least three years ago, when Carris launched a public tender for the maintenance of the centenary lifts.

 

In the tender launched in 2022, four companies competed: three without the mandatory license from the Directorate-General for Energy and Geology (DGEG) and one very experienced company with a license. One of the companies without a license and without experience in the maintenance of elevators was MNTC – Serviços Técnicos de Engenharia.

 

In that tender, the price was 1,728,000 euros. MNTC won with a proposal that crushed that price. The contract was eventually awarded to him for 995,515.20 euros.

 

In addition to the price, what is shocking is to see that the specifications of this tender are very poor in terms of demands and requirements for the provision of maintenance.

 

What followed was a catadupa of events that resulted in the tragic outcome.

 

How did Carris put the maintenance of the lifts in the hands of a company with no experience and with a license within a few weeks? We know why: saving on costs.

 

Whoever made the decision to award this contract in 2022 could face criminal charges. The names included in the contract are two: Pedro Gonçalo de Brito Aleixo Bogas, president of Carris; and Maria de Albuquerque Rodrigues da Silva Lopes Duarte, vice president of the company. Carris' board of directors also has another executive member: Ana Cristina Coelho.

 

However, this year, Carris canceled a public tender for the maintenance of the lifts. On the day of the accident, there was no valid and effective contract published on the Base Portal regarding the maintenance of those elevators. The previous known contract, with MNTC, had ended on August 31.

 

Under pressure, Carris then showed journalists a draft of a contract, allegedly awarded by direct agreement to the same company, MNTC, dated August 20. Carris has maintained the narrative that the contract was indeed signed on August 20, but without digital signatures, the word of Carris managers is worthwhile. (It remains to be seen whether it will have any value for insurers and the Public Prosecutor's Office.)

 

Could the tragedy have been avoided if, in 2022, Carris had handed over the maintenance of the elevators to an experienced company? Would it have been avoided if, last August, Carris had handed over maintenance to a company with more experience? Would the new company have been able to detect, on the 1st or 2nd of August, that the cable of the Glória lifts was not in good condition? We will never know.

 

What we do know is that the maintenance of the lifts was deficient. Failed. He was negligent. It was a joke. That is evident. If it had been done well, there would not have been this tragedy.

 

What we do know is that a company, Carris, in order to save costs, handed over the maintenance of the emblematic elevators into the hands of a company that mainly made maintenance contracts for public swimming pools.

 

What we do know is that the maintenance company MNTC had no experience. And he should never have set foot on Calçada da Glória to provide services to Carris there.

 

What we do know is that the 16 lives lost in the accident had a price: 732,484.80 euros. It is the value of the "savings" that Carris had in 2022, when it decided to award the maintenance contract to MNTC.

 

732,484.80 euros. It was for this amount that 16 precious lives were lost. It was for this amount that Carris managers put their responsibilities under the rug and handed the lives of lift passengers into the hands of luck.

 

Since August 1, 2022, when MNTC started maintaining Carris elevators, passengers have risked every time they climbed the steps to ride the elevators. In the last three years, Carris made elevator passengers play a kind of Russian roulette, without anyone suspecting that that trip could be the last in their lives.

 

Now, it is necessary to take into account the facts and ascertain responsibilities. Everything seems to point to the existence of negligence, contempt for safety rules and care with the maintenance of the Glória elevator.

 

It is true that in a country "trapped by threads", where the public good is often managed as a private good of a few, it is only surprising that there are not more tragedies.

 

But wanting to use this tragedy to promote ideologies, reinforce one's reputation as a commentator or win votes in elections is simply disgusting — and I rarely use this word.

 

The facts already known are clear. Concrete. Wanting to blame Moedas not only makes no sense, but is stupid. It is to turn a blind eye to one of the greatest evils that corrodes the country: the eternal effective lack of responsibility.

 

Someone made management decisions. Someone did a poor job. Someone was negligent. Someone killed 16 passengers who just wanted to climb the Calçada da Glória in the historic Elevador da Glória (not excluding that among the victims there are people who circulated on the sidewalk). This is indisputable.

 

This tragedy needs to serve something. It can serve to correct some of the country's great evils. And I guarantee that everything will change, in Portugal, if there is, this time, at least one thing that never exists: Justice. Rapid.

 

Elisabete Tavares is a journalist

 

N.D. Opinion texts express only the positions of their authors, and may even be, in some cases, the opposite of the analyses, thoughts and evaluations of the director of PÁGINA UM.

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