ANÁLISE
Putin joga a sua última cartada. Para disfarçar a derrota
O contrato que fez com os russos, de que continuariam a
viver as suas vidas desde que o apoiassem, foi quebrado. Resta-lhe a fuga para
a frente: dizer que está a travar uma guerra “defensiva” contra o Ocidente.
Teresa de Sousa
30 de Setembro de
2022, 18:17
https://www.publico.pt/2022/09/30/mundo/analise/putin-joga-ultima-cartada-disfarcar-derrota-2022464
1. Há duas partes
distintas no discurso de Vladimir Putin durante a cerimónia de anexação
“oficial” de quatro regiões da Ucrânia à Federação Russa. Uma delas, já a
conhecemos bem. Dirige-se ao Ocidente, com especial relevância para os Estados
Unidos e para a NATO. Repetiu a doutrina que pôs de pé ao longo da última
década e que enforma a sua acção política e militar desde 2012. O Ocidente está
em acelerado declínio, porque professa uma ideologia decadente, que abandonou
os valores cristãos e caiu na devassa da homossexualidade, da libertinagem, do
abandono dos valores tradicionais da família, que só valoriza os direitos dos
indivíduos em detrimento da sociedade e da nação. Esquecemo-nos muitas vezes
deste lado ultraconservador da doutrina revisionista de Putin da ordem interna
e internacional, que esteve mais uma vez presente na sua alocução na cerimónia
de anexação de quatro províncias ucranianas e que as Nações Unidas e as democracias
já classificaram de farsa ilegal.
Na dimensão
antiocidental do seu discurso, há dois inimigos principais: os Estados Unidos e
a NATO, que classificou de imperialistas e russófobos, cujo fim é transformar a
Rússia numa “colónia”. Voltou a acusar a NATO de expandir as suas fronteiras
até às fronteiras da Rússia, forçando-a a defender-se. Nem sequer se esqueceu
de repetir que a queda da União Soviética foi “a maior tragédia geopolítica do
século XX”. Finalmente, mostrou-se disposto a negociar, acrescentando que as
quatro regiões anexadas são “inegociáveis”.
O discurso de
Putin é, nesta dimensão, uma espécie de espelho invertido das suas próprias
ambições. Foi a Rússia que invadiu a Ucrânia. É a Rússia que viola
sistematicamente a lei internacional, quando quer alterar as suas fronteiras
pela força. É a Rússia que defende uma ordem imperial anacrónica, segundo a
qual as nações mais pequenas apenas podem existir se se subordinarem à vontade
das grandes potências, aceitando pertencer à sua “zona de influência”. É o
Presidente russo que quer repor as fronteiras do império soviético. Nada disto
é novo.
2. Depois, há a
parte do seu discurso que justifica a anexação de quatro províncias da Ucrânia,
em resultado de “referendos” em que votaram “milhões” de pessoas, exprimindo
esmagadoramente “a sua vontade de pertencer à Rússia”. Parte dos territórios
agora anexados estão nas mãos da Ucrânia ou são zonas de conflito.
A primeira
pergunta que se pode colocar é a quem Vladimir Putin pretende enganar. Não é a
comunidade internacional que, seja qual for a sua posição, reconhece a farsa e
a violação das leis internacionais. Não, muito menos, os ucranianos que ainda
vivem ou já viveram nessas regiões. E também não as lideranças ocidentais, que
não vão alterar o seu apoio à Ucrânia, a não ser para reforçá-lo.
Resta o seu
próprio povo, fechado ao mundo e sujeito quase só à informação que lhe chega
através dos órgãos de comunicação oficiais que o Kremlin controla totalmente.
Sem nada de significativo para lhes apresentar na frente militar, resta-lhe a
fábula da “libertação” dos ucranianos do jugo “nazi” de Kiev, que lhes vende
desde o início da “operação militar especial”. Não foi recebido na Ucrânia com
bandeiras e flores, mas com uma resistência inesperada, heróica e eficaz,
graças ao armamento ocidental. Está a perder a guerra, incluindo nas regiões
que acaba de declarar parte integrante da Rússia. A mobilização de reservistas
não lhe podia estar a correr pior. O contrato que fez com os russos, de que
continuariam a viver as suas vidas desde que o apoiassem, foi quebrado.
Resta-lhe a fuga para a frente: dizer que está a travar uma guerra “defensiva”
contra o Ocidente. Enquanto milhares de russos fogem como podem da mobilização,
organiza uma grande festa na Praça Vermelha em homenagem às novas regiões
regressadas à mãe-pátria.
3. O que vem a
seguir, ainda não sabemos. Putin já tem poucas cartas para jogar. Com as
anexações, pode dizer que a Ucrânia, armada pelo Ocidente, está a atacar
território russo e que a Rússia tem direito “legal” a defender-se. É mais uma
peça de ficção na qual ninguém acreditará. Já jogou a cartada do medo, com a
ameaça de recurso às armas nucleares, que não teve ainda qualquer efeito. A
sabotagem dos gasodutos Nord Stream 1 e 2 (nenhum dos dois estava a funcionar)
é uma espécie de aviso de que pode atingir infra-estruturas vitais para a
Europa. Aconteceu, no entanto, fora das águas territoriais da Dinamarca e da
Suécia. Dentro das águas territoriais, seria motivo para equacionar o Artigo 5.º
do Tratado de Washington. Está prestes a entrar em funcionamento um novo
gasoduto que liga a Noruega, grande produtora de gás, à Polónia através do
Báltico. É mais uma ameaça velada.
Resta-lhe a sua
derradeira aposta: tentar prolongar a guerra no terreno o tempo suficiente para
que a Europa enfrente um Inverno difícil e se vá cansando da guerra. Espera uma
derrota de Joe Biden nas eleições de meio mandato, em Novembro, contando com o
único ás de trunfos que ainda lhe resta na mão: Donald Trump. Continua à espera
de que o Ocidente se divida e, para isso, Trump e os seus partidários seriam
uma ajuda preciosa.
O Governo de
Zelensky acaba de pedir a adesão da Ucrânia à NATO. É a resposta à nova
escalada de Putin. No início do conflito, Kiev mostrou disponibilidade para
abdicar da pretensão à NATO, aceitando até um estatuto de neutralidade
garantida. Não lhe serviu de nada. Subiu a parada. Está a ganhar a guerra. Cabe
ao Ocidente responder.
ANALYSIS
Putin plays his
last card. To disguise defeat
The contract you made with the Russians, that they would
continue to live their lives as long as they supported you, was broken. He
remains to escape to the front: to say that he is waging a
"defensive" war against the West.
Teresa de Sousa
September 30, 2022,
18:17
https://www.publico.pt/2022/09/30/mundo/analise/putin-joga-ultima-cartada-disfarcar-derrota-2022464
1. There are two
distinct parts to Vladimir Putin's speech during the "official"
annexation ceremony of four regions of Ukraine to the Russian Federation. One
of them, we know her well. It is addressing the West, with particular relevance
to the United States and NATO. He repeated the doctrine he has set up over the
last decade and has shaped his political and military action since 2012. The
West is in rapid decline because it professes a decadent ideology, which has
abandoned Christian values and fallen into the debauchery of homosexuality,
libertinism, the abandonment of traditional family values, which only values
the rights of individuals to the detriment of society and the nation. We often
forget this ultraconservative side of Putin's revisionist doctrine of the
internal and international order, which was once again present in his speech at
the annexation ceremony of four Ukrainian provinces and which the United
Nations and democracies have already called an illegal farce.
In the
anti-Western dimension of his speech, there are two main enemies: the United
States and NATO, which he called imperialists and Russophobes, whose purpose is
to turn Russia into a "colony". He again accused NATO of expanding
its borders to Russia's borders, forcing it to defend itself. He did not even
forget to repeat that the fall of the Soviet Union was "the greatest
geopolitical tragedy of the 20th century". Finally, he was willing to
negotiate, adding that the four annexed regions are "non-negotiable".
Putin's speech
is, in this dimension, a kind of inverted mirror of his own ambitions. It was
Russia that invaded Ukraine. It is Russia that systematically violates
international law when it wants to change its borders by force. It is Russia
that advocates an anachronistic imperial order, according to which the smaller
nations can only exist if they subordinate themselves to the will of the great
powers, accepting to belong to their "zone of influence". It's the
Russian President who wants to reset the borders of the Soviet Empire. None of
this is new.
2. Then there is
the part of his speech that justifies the annexation of four provinces of
Ukraine as a result of "referendums" in which "millions" of
people voted, overwhelmingly expressing "their will to belong to
Russia". Some of the territories now annexed are in Ukraine's hands or are
conflict zones.
The first
question that can be asked is who Vladimir Putin intends to deceive. It is not
the international community that, whatever its position, recognises the farce
and violation of international law. No, much less, Ukrainians who still live or
have lived in these regions. Nor will the Western leaders, who will not alter
their support for Ukraine, unless to strengthen it.
It remains its
own people, closed to the world and subject almost only to the information that
arrives at them through the official media that the Kremlin fully controls.
With nothing significant to present to them on the military front, he remains
the fable of the "liberation" of the Ukrainians from the
"Nazi" yoke of Kiev, which has been selling them since the beginning
of the "special military operation". It was not received in Ukraine
with flags and flowers, but with an unexpected, heroic and effective
resistance, thanks to Western armament. He is losing the war, including in the
regions he has just declared an integral part of Russia. The mobilization of
reserts couldn't be going any worse. The contract you made with the Russians,
that they would continue to live their lives as long as they supported you, was
broken. He remains to escape to the front: to say that he is waging a
"defensive" war against the West. As thousands of Russians flee as
they can from the mobilization, he organizes a large party in Red Square in
honor of the new regions returned to their motherland.
3. What comes
next, we don't know yet. Putin already has few cards to play. With the
annexations, you can say that Ukraine, armed by the West, is attacking Russian
territory and that Russia has a "legal" right to defend itself. It's
more of a piece of fiction that no one will believe. He has already played the
wave of fear, with the threat of recourse to nuclear weapons, which has not yet
had any effect. The sabotage of nord stream 1 and 2 pipelines (neither was
working) is a kind of warning that it could reach vital infrastructure for
Europe. It happened, however, outside the territorial waters of Denmark and
Sweden. Within territorial waters, it would be grounds for equating Article 5
of the Washington Treaty. A new gas pipeline connecting Norway, the major gas
producer, to Poland via the Baltic is about to start operating. It's more of a
veiled threat.
He remains his
ultimate bet: to try to prolong the war on the ground long enough for Europe to
face a difficult winter and get tired of the war. He expects a defeat of Joe
Biden in the midterm elections in November, counting on the only ace of trump
shading left in his hand: Donald Trump. He continues to wait for the West to
divide, and for that, Trump and his supporters would be a precious help.
The Government of
Zelensky has just asked for Ukraine's membership of NATO. It's the answer to
Putin's new escalation. At the beginning of the conflict, Kiev showed
willingness to give up its claim to NATO, even accepting a guaranteed
neutrality status. It didn't do you any good. You're up the next. He's winning
the war. It's up to the West to respond.
Sem comentários:
Enviar um comentário