quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Governo e PSD dão gás à polémica das interconexões. Os argumentos de cada lado

 


Governo e PSD dão gás à polémica das interconexões. Os argumentos de cada lado

 

O acordo entre Portugal, Espanha e França para um “corredor de energia verde” é, para António Costa, o “fim de [um] bloqueio histórico”, mas para o social-democrata Moreira da Silva não passa de um “embaraço”.

 

David Santiago

24 de Outubro de 2022, 20:11

https://www.publico.pt/2022/10/24/politica/noticia/governo-psd-dao-gas-polemica-interconexoes-argumentos-lado-2025219

 

O primeiro-ministro prolongou, esta segunda-feira, a troca de argumentos que, em subida de tom contínua, põe em pólos opostos Governo e PS, de um lado, e PSD (e alguns especialistas em questões energéticas) do outro, num tipo de questão associada ao interesse nacional que até costuma juntar os dois maiores partidos nacionais.

 

António Costa disse estar “absolutamente perplexo” pelas críticas feitas ao acordo tripartido Portugal-Espanha-França sobre um novo corredor de energia para o centro europeu, anunciado na passada quinta-feira, e que reputa de “fim de um bloqueio histórico”. Respondia sobretudo ao eurodeputado e vice-presidente social-democrata, Paulo Rangel, que pediu a ida de António Costa ao Parlamento para dar explicações sobre os contornos de um acordo que rotula de nefasto para o país: “Trocámos o valor das nossas renováveis e o potencial do Porto de Sines por um prato de lentilhas. Dito de um modo popular, passámos de cavalo para burro.”

 

Ao fim da tarde, o líder do PSD, Luís Montenegro, lamentou o tom “absolutamente lamentável" do primeiro-ministro e afirmou que ele não assinaria o acordo. “O PSD não assinaria este acordo nos termos em que ele foi anunciado”, disse, acusando o primeiro-ministro de se ter “ficado pelas meias verdades” neste assunto, tal como já tinha feito em relação ao aumento das pensões.

 

Antes, o social-democrata e antigo ministro do Ambiente no Governo de Passos Coelho, Jorge Moreira da Silva, classificou o acordo de “embaraço”, enquanto Paulo Rangel afirma que “prejudica o interesse nacional”. E a eurodeputada do PSD Maria Graça Carvalho juntou-se a Rangel para argumentar que, dos três países envolvidos, “Portugal é o que sai pior”.

 

António Costa promete dar “todas as explicações”, mas recusa aceder ao pedido de Rangel, que “não é sequer deputado”, que “não percebe nada de energia” e “já nos habituou a dizer o que for preciso para atacar os adversários”. Ao final da tarde desta terça-feira, a conferência de líderes da Assembleia da República discutirá a data para o debate de urgência pedido pelo PSD.

 

Pelo meio, a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, atacou o PSD por assumir uma posição sempre crítica, afirmando que, para os sociais-democratas “quando não há acordo é mau e quando há é mau, é sempre mau”. E o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, insistiu que o acordo em causa representa uma “grande vitória para Portugal”.

 

No pingue-pongue dos últimos dias, o PSD quer que o Governo dê a conhecer em pormenor os contornos do acordo – é um “acordo, sem prazo e sem preço, não serve o interesse europeu e não serve o interesse nacional”, afirma Rangel. O executivo responde dizendo que o acordo ainda terá desenvolvimentos na próxima reunião entre as três capitais, marcada para 8 e 9 de Dezembro, lamentando que os sociais-democratas critiquem um acordo mesmo sem o conhecerem na plenitude.

 

O Presidente da República também não pareceu certo das virtualidades do acordo, pois, se começou por rotulá-lo de “muito importante”, logo passou a considerar ter sido o acordo “possível”.

 

São vários os argumentados expostos de parte a parte e centram-se, sobretudo, em três questões.

 

“Órfãos” de duas interconexões

Em relação ao abandono das interconexões eléctricas previstas no acordo alcançado em 2014 com os mesmos países pelo Governo PSD-CDS, Paulo Rangel sustentou ainda que “é um mau acordo para Portugal, porque perdeu na electricidade e no gás face a França e Espanha”. “Deixaram cair duas das três interligações que estavam previstas entre Espanha e França. Manteve-se golfo da Biscaia e desapareceu o compromisso de construção das duas interligações nos Pirenéus”, lembrou Moreira da Silva.

 

Já António Costa frisa que as interligações “não foram abandonadas, pelo contrário, França até tem vontade de as incrementar”. Mas não explicou como. “Já no ano passado, entre França e Espanha, tinha sido assinado um acordo para fazer avançar as duas interconexões eléctricas e não era isso que estava a bloquear as interconexões, mas o que tinha que ver com o gasoduto”, afirmou Costa, lembrando que, em 2015 e em 2018, foi “reafirmada a existência destas interconexões”, que os reguladores francês e espanhol “chumbaram” em 2019, porque “não tinham viabilidade económica”.

 

A não construção de duas interligações eléctricas nos Pirenéus deve-se, sublinha o primeiro-ministro, a “problemas aparentemente insuperáveis do ponto de vista ambiental”. Já o acordo agora obtido para se fazer a “interconexão há muito adiada” foi possibilitado pela aposta num “corredor verde sobretudo vocacionado para o hidrogénio verde e outros gases renováveis e, transitoriamente, também para o gás natural”. “Para Portugal isto é vantajoso”, diz Costa, frisando que “esta infra-estrutura deixa de ser meramente para transportar o gás descarregado em Sines para passar também a servir a própria produção nacional”.

 

Maria da Graça Carvalho concede que, para Portugal, este “acordo indirectamente é positivo, mas é mais positivo para Espanha do que para nós”, sendo especialmente bom para a Europa, “porque completa o mercado interno”. O PSD insiste que, ao não avançarem as ligações pelos Pirenéus que permitiram escoar o gás natural importado via Sines, o país fica a perder.

 

Financiamento

“Quanto vai custar este projecto a Portugal – quando o anterior tinha todo o financiamento previsto e garantido? Quem vai pagar? Não vai ele aumentar a factura da energia dos portugueses?”, perguntou Paulo Rangel no sábado, já depois de os sociais-democratas terem lembrado que o anterior acordo tinha financiamento assegurado.

 

António Costa ironiza considerando que “o anterior acordo era um belíssimo acordo, mas não é por acaso que não teve qualquer passo”, já que foi chumbado pelos reguladores da França e da Espanha. “O trabalho que tem sido feito ao longo destes anos é que tínhamos de reinventar este pipeline, se queríamos que viesse a existir”, atirou Costa.

 

Graça Carvalho sustenta que a infra-estrutura existente, “para já, não é um corredor verde, ainda é preciso bastante investimento” para transportar hidrogénio. O ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, reconheceu que a infra-estrutura terá de ser adaptada para o transporte de hidrogénio, mas sublinha que todos os países europeus terão de fazer este tipo de ajustamento.

 

Duarte Cordeiro reitera que, segundo estimativa da REN, o investimento a cargo de Portugal para completar a ligação a Espanha via Zamora é de “200 a 300 milhões de euros, mais próximo de 300 milhões”, valor corroborado pelo primeiro-ministro. “A Comissão entende que é fácil financiar com o REPowerEU”, diz Costa, defendendo que, tratando-se de um “projecto de interesse comum” para a Europa, possa haver uma “reclassificação desta interconexão” para a poder financiar pela tal facilidade [instrumento] europeia das interconexões”. Caso contrário terá de se recorrer a “outros fundos europeus alternativos”, como o Next Generation.

 

O ministro do Ambiente acredita que haverá financiamento europeu. Contudo, não afasta a possibilidade de a adaptação ter impacto nas tarifas de gás, um dos receios sinalizados por Rangel.

 

Traçados

São duas as alterações de traçado em causa, uma de menor relevância entre os dois países da Península Ibérica; outra de maior monta e que diz respeito à ligação Espanha-França. António Costa vinca que a mudança de traçado – passa a ser por via marítima entre Barcelona e Marselha – “removeu o principal argumento da França”, que se prendia com a necessidade de apostar na descarbonização. O primeiro-ministro não vê qualquer problema nisso: “Em que é que isso afecta Portugal? Em nada.”

 

á relativamente ao traçado das ligações entre Portugal e Espanha, o chefe do executivo admite que, na ligação entre Celorico da Beira e Zamora, há somente “uma ligeira alteração de percurso para respeitar a avaliação ambiental” e frisa que o “novo traçado ligará à mesma” aquelas duas localizações. E insiste que o novo troço estará “já preparado para o transporte do hidrogénio verde e outros gases renováveis”. Seja como for, António Costa afiança que “vamos continuar a transportar gás natural num período transitório, que será seguramente por muitas décadas”.

 

tp.ocilbup@ogaitnas.divad

Sem comentários: