Governo e PSD dão gás à polémica das interconexões. Os
argumentos de cada lado
O acordo entre Portugal, Espanha e França para um
“corredor de energia verde” é, para António Costa, o “fim de [um] bloqueio
histórico”, mas para o social-democrata Moreira da Silva não passa de um
“embaraço”.
David Santiago
24 de Outubro de
2022, 20:11
O
primeiro-ministro prolongou, esta segunda-feira, a troca de argumentos que, em
subida de tom contínua, põe em pólos opostos Governo e PS, de um lado, e PSD (e
alguns especialistas em questões energéticas) do outro, num tipo de questão
associada ao interesse nacional que até costuma juntar os dois maiores partidos
nacionais.
António Costa
disse estar “absolutamente perplexo” pelas críticas feitas ao acordo tripartido
Portugal-Espanha-França sobre um novo corredor de energia para o centro
europeu, anunciado na passada quinta-feira, e que reputa de “fim de um bloqueio
histórico”. Respondia sobretudo ao eurodeputado e vice-presidente
social-democrata, Paulo Rangel, que pediu a ida de António Costa ao Parlamento
para dar explicações sobre os contornos de um acordo que rotula de nefasto para
o país: “Trocámos o valor das nossas renováveis e o potencial do Porto de Sines
por um prato de lentilhas. Dito de um modo popular, passámos de cavalo para
burro.”
Ao fim da tarde,
o líder do PSD, Luís Montenegro, lamentou o tom “absolutamente lamentável"
do primeiro-ministro e afirmou que ele não assinaria o acordo. “O PSD não
assinaria este acordo nos termos em que ele foi anunciado”, disse, acusando o
primeiro-ministro de se ter “ficado pelas meias verdades” neste assunto, tal
como já tinha feito em relação ao aumento das pensões.
Antes, o
social-democrata e antigo ministro do Ambiente no Governo de Passos Coelho,
Jorge Moreira da Silva, classificou o acordo de “embaraço”, enquanto Paulo
Rangel afirma que “prejudica o interesse nacional”. E a eurodeputada do PSD
Maria Graça Carvalho juntou-se a Rangel para argumentar que, dos três países
envolvidos, “Portugal é o que sai pior”.
António Costa
promete dar “todas as explicações”, mas recusa aceder ao pedido de Rangel, que
“não é sequer deputado”, que “não percebe nada de energia” e “já nos habituou a
dizer o que for preciso para atacar os adversários”. Ao final da tarde desta
terça-feira, a conferência de líderes da Assembleia da República discutirá a
data para o debate de urgência pedido pelo PSD.
Pelo meio, a
ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, atacou o PSD por assumir uma
posição sempre crítica, afirmando que, para os sociais-democratas “quando não
há acordo é mau e quando há é mau, é sempre mau”. E o ministro do Ambiente,
Duarte Cordeiro, insistiu que o acordo em causa representa uma “grande vitória
para Portugal”.
No pingue-pongue
dos últimos dias, o PSD quer que o Governo dê a conhecer em pormenor os
contornos do acordo – é um “acordo, sem prazo e sem preço, não serve o
interesse europeu e não serve o interesse nacional”, afirma Rangel. O executivo
responde dizendo que o acordo ainda terá desenvolvimentos na próxima reunião
entre as três capitais, marcada para 8 e 9 de Dezembro, lamentando que os
sociais-democratas critiquem um acordo mesmo sem o conhecerem na plenitude.
O Presidente da
República também não pareceu certo das virtualidades do acordo, pois, se
começou por rotulá-lo de “muito importante”, logo passou a considerar ter sido
o acordo “possível”.
São vários os argumentados
expostos de parte a parte e centram-se, sobretudo, em três questões.
“Órfãos” de duas
interconexões
Em relação ao
abandono das interconexões eléctricas previstas no acordo alcançado em 2014 com
os mesmos países pelo Governo PSD-CDS, Paulo Rangel sustentou ainda que “é um
mau acordo para Portugal, porque perdeu na electricidade e no gás face a França
e Espanha”. “Deixaram cair duas das três interligações que estavam previstas
entre Espanha e França. Manteve-se golfo da Biscaia e desapareceu o compromisso
de construção das duas interligações nos Pirenéus”, lembrou Moreira da Silva.
Já António Costa
frisa que as interligações “não foram abandonadas, pelo contrário, França até
tem vontade de as incrementar”. Mas não explicou como. “Já no ano passado,
entre França e Espanha, tinha sido assinado um acordo para fazer avançar as
duas interconexões eléctricas e não era isso que estava a bloquear as
interconexões, mas o que tinha que ver com o gasoduto”, afirmou Costa,
lembrando que, em 2015 e em 2018, foi “reafirmada a existência destas
interconexões”, que os reguladores francês e espanhol “chumbaram” em 2019,
porque “não tinham viabilidade económica”.
A não construção
de duas interligações eléctricas nos Pirenéus deve-se, sublinha o
primeiro-ministro, a “problemas aparentemente insuperáveis do ponto de vista
ambiental”. Já o acordo agora obtido para se fazer a “interconexão há muito
adiada” foi possibilitado pela aposta num “corredor verde sobretudo vocacionado
para o hidrogénio verde e outros gases renováveis e, transitoriamente, também
para o gás natural”. “Para Portugal isto é vantajoso”, diz Costa, frisando que
“esta infra-estrutura deixa de ser meramente para transportar o gás
descarregado em Sines para passar também a servir a própria produção nacional”.
Maria da Graça
Carvalho concede que, para Portugal, este “acordo indirectamente é positivo,
mas é mais positivo para Espanha do que para nós”, sendo especialmente bom para
a Europa, “porque completa o mercado interno”. O PSD insiste que, ao não avançarem
as ligações pelos Pirenéus que permitiram escoar o gás natural importado via
Sines, o país fica a perder.
Financiamento
“Quanto vai
custar este projecto a Portugal – quando o anterior tinha todo o financiamento
previsto e garantido? Quem vai pagar? Não vai ele aumentar a factura da energia
dos portugueses?”, perguntou Paulo Rangel no sábado, já depois de os
sociais-democratas terem lembrado que o anterior acordo tinha financiamento
assegurado.
António Costa
ironiza considerando que “o anterior acordo era um belíssimo acordo, mas não é
por acaso que não teve qualquer passo”, já que foi chumbado pelos reguladores
da França e da Espanha. “O trabalho que tem sido feito ao longo destes anos é
que tínhamos de reinventar este pipeline, se queríamos que viesse a existir”,
atirou Costa.
Graça Carvalho
sustenta que a infra-estrutura existente, “para já, não é um corredor verde,
ainda é preciso bastante investimento” para transportar hidrogénio. O ministro
do Ambiente, Duarte Cordeiro, reconheceu que a infra-estrutura terá de ser
adaptada para o transporte de hidrogénio, mas sublinha que todos os países
europeus terão de fazer este tipo de ajustamento.
Duarte Cordeiro
reitera que, segundo estimativa da REN, o investimento a cargo de Portugal para
completar a ligação a Espanha via Zamora é de “200 a 300 milhões de euros, mais
próximo de 300 milhões”, valor corroborado pelo primeiro-ministro. “A Comissão
entende que é fácil financiar com o REPowerEU”, diz Costa, defendendo que,
tratando-se de um “projecto de interesse comum” para a Europa, possa haver uma
“reclassificação desta interconexão” para a poder financiar pela tal facilidade
[instrumento] europeia das interconexões”. Caso contrário terá de se recorrer a
“outros fundos europeus alternativos”, como o Next Generation.
O ministro do
Ambiente acredita que haverá financiamento europeu. Contudo, não afasta a
possibilidade de a adaptação ter impacto nas tarifas de gás, um dos receios
sinalizados por Rangel.
Traçados
São duas as
alterações de traçado em causa, uma de menor relevância entre os dois países da
Península Ibérica; outra de maior monta e que diz respeito à ligação
Espanha-França. António Costa vinca que a mudança de traçado – passa a ser por
via marítima entre Barcelona e Marselha – “removeu o principal argumento da
França”, que se prendia com a necessidade de apostar na descarbonização. O
primeiro-ministro não vê qualquer problema nisso: “Em que é que isso afecta
Portugal? Em nada.”
á relativamente
ao traçado das ligações entre Portugal e Espanha, o chefe do executivo admite
que, na ligação entre Celorico da Beira e Zamora, há somente “uma ligeira
alteração de percurso para respeitar a avaliação ambiental” e frisa que o “novo
traçado ligará à mesma” aquelas duas localizações. E insiste que o novo troço
estará “já preparado para o transporte do hidrogénio verde e outros gases
renováveis”. Seja como for, António Costa afiança que “vamos continuar a
transportar gás natural num período transitório, que será seguramente por
muitas décadas”.
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