quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Foi a homofobia do PSD que tramou Paulo Rangel?

 



OPINIÃO

Foi a homofobia do PSD que tramou Paulo Rangel?

 

Paulo Rangel não perdeu as eleições do PSD por ter saído do armário. Perdeu por ter deixado no armário a forma de concretizar as suas ideias.

 

João Miguel Tavares

2 de Dezembro de 2021, 0:00

https://www.publico.pt/2021/12/02/opiniao/opiniao/homofobia-psd-tramou-paulo-rangel-1987113

 

No podcast do PÚBLICO “Coligação Negativa”, Ana Sá Lopes afirmou que uma das principais razões para Paulo Rangel ter perdido as eleições internas do PSD – “o elefante no meio da sala”, disse ela – foi o facto de Rangel ter assumido publicamente a sua homossexualidade, e de muitos militantes sociais-democratas ainda não estarem preparados para serem liderados por um político gay. Discordo da tese, mas concordo que ela foi fazendo o seu caminho de forma subterrânea, e que não há quaisquer razões para não discutir abertamente o elefante e respectiva sala.

 

É evidente que ninguém tem forma de entrar na cabeça de cada militante do PSD com um estojo de química, à procura de vestígios de homofobia, razão pela qual será impossível avaliar qual o peso real da homossexualidade de Rangel na decisão dos votantes. Mas o meu ponto é este: se Paulo Rangel tivesse feito uma campanha interna imaculada, com um conjunto de propostas mobilizadoras e irrepreensíveis, e ainda assim tivesse perdido as eleições, aí poderíamos concluir com propriedade que o homem tinha sido tramado por causa da entrevista a Daniel Oliveira. Só que não foi nada disso que aconteceu. Rangel fez uma campanha falhada, como aqui expliquei antes de saber o resultado das eleições, e portanto tudo o resto é irrelevante para o caso – ele perdeu por culpa própria.

 

Perdeu, em primeiro lugar, por falta de clareza em relação ao que faria no pós-eleições. Rangel limitou-se a dizer que iria pedir “uma maioria estável” e que não queria “coligações” com o PS. Fora isso, o silêncio. Afirmou que não iria perder tempo com “cálculos aritméticos”, nem a traçar “cenários pós-eleitorais”. Ora, poucas coisas são mais importantes nestas eleições do que os cenários pós-eleitorais. Os portugueses precisam de saber ao que vão. Rui Rio, pelo contrário, foi para as televisões explicar tintim por tintim o que estava disposto a fazer, incluindo a viabilização de um governo PS. Ganhou dez a zero em frontalidade.

 

Rangel foi, de facto, frouxo, como o cavernícola Ventura gosta de dizer. Não por se ter declarado gay, mas por ter sido incapaz de trocar o tom politiqueiro habitual pela coragem que o momento exigia

 

A segunda razão por que Rangel perdeu está relacionada com esta. Embora Rio tenha, tal como Costa, uma visão estatista e controladora que não dá grandes perspectivas de futuro para o país, a verdade é que dá uma perspectiva de presente para o PSD. Rio mostrou uma disponibilidade muito pragmática tanto para fazer acordos à direita (tipo Açores), como para fazer acordos à esquerda. Isso oferece ao PSD aquilo que ele mais deseja – o cheiro do poder. Ao mesmo tempo, as sondagens foram mortais para Rangel, colocando o nome de Rio trinta pontos à frente do seu como favorito na disputa com António Costa.

 

Paulo Rangel perdeu, em terceiro lugar, porque deixou que se instalasse uma percepção terrível: ele era o homem do aparelho, enquanto o presidente do partido era o homem das bases. A tese é ridícula, mas colou. Rio teve um golpe de génio: submeteu-se ao papel de underdog, admitiu ter perdido o aparelho para Rangel, mas defendeu que ainda podia ser salvo in extremis pela força telúrica das bases sociais-democratas. Resultou.

 

Donde, Paulo Rangel não perdeu as eleições do PSD por ter saído do armário. Perdeu por ter deixado no armário a forma de concretizar as suas ideias, e por ter optado por um discurso ambíguo e pouco comprometido. Nesse sentido, ele foi, de facto, frouxo, como o cavernícola Ventura gosta de dizer. Não por se ter declarado gay, mas por ter sido incapaz de trocar o tom politiqueiro habitual pela coragem e pela frontalidade que o momento exigia.

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