“Os
franceses não vão esquecer as manifestações dos
luso-descendentes”
PAULO
CURADO (em Paris) 11/07/2016 – PÚBLICO
O
impacto mobilizador da selecção nacional no Euro 2016 poderia ter
sido mais potenciado pelas autoridades portuguesas para aprofundar os
laços com a vasta comunidade de emigrantes e luso-descendentes, a
nível político, económico e cultural, defende Hermano Sanches,
vereador da Câmara de Paris.
O
Campeonato da Europa de futebol, que ontem terminou em França,
exerce impacto na economia portuguesa de 609 milhões de euros,
segundo estudo realizado pelo IPAM para o Diário Económico.
No
documento, refere-se que só a presença na fase de grupos assegurou
logo um impacto económico de 438 milhões. E acrescenta-se: "Apesar
de este cenário se traduzir num insucesso desportivo na competição,
a simples participação neste evento resulta em impactos económicos
muito fortes: cerca de 110 milhões durante a fase de estágio e 167
milhões pela participação nos três jogos da fase de grupos."
O
sucesso resulta num impacto de 609 milhões em função de "receitas
que irão beneficiar diferentes sectores de actividade como as
federações, agências de publicidade, agências de meios, empresas
de 'catering', transportes, hotelaria, cafés, restaurantes,
segurança, limpeza, polícia, empresas de apostas, jornais, canais
de televisão, rádio, gasolineiras, marcas desportivas,cervejeiras,
hipermercados, entregas de comida ao domicílio, tabaqueiras,
agências de viagens e hotelaria entre muitos outros".
Comparando
com o relatório relativo ao Europeu de 2012, na Ucrânia e na
Polónia, regista-se uma evolução: há quatro anos, com menos
equipas presentes na fase final, o apuramento com eliminação na
fase de grupos equivalia a 420 milhões de euros, enquanto uma
vitória na competição possibilitava chegar aos 551 milhões.
Segundo
o IPAM, "a UEFA espera gerar receitas de 500 milhões de euros
no Euro2016, enquanto que o Euro2012 obteve perto de 300 milhões.
Este Europeu apresenta algumas mudanças no formato, nomeadamente o
alargamento para 24 equipas. Assim realizaram-se 51 jogos ao
contrário dos 31 no Europeu de há quatro anos".
A
França nunca viu uma mobilização tão grande da comunidade
luso-francesa como a que se verificou nas últimas semanas em torno
da selecção nacional, reveladora da estreita ligação afectiva e
cultural existente com Portugal. Em entrevista ao PÚBLICO, Hermano
Sanches Ruivo, o primeiro vereador português eleito para o município
de Paris, defende que esta é uma oportunidade única para os
Governos dos dois países escutarem as reivindicações desta
população que ronda 1,5 milhões de pessoas e quer manter uma
identidade própria. O reforço do ensino da língua portuguesa é
uma das prioridades.
Está
surpreendido com a mobilização da comunidade portuguesa em França
em torno da selecção nacional?
Este
Euro mostra duas coisas. Por um lado, a maior visibilidade da
comunidade portuguesa, que tem sido alvo de várias reportagens nos
media franceses nos últimos dias. Mas, ao mesmo tempo, revela também
uma falta de preparação e coordenação desta mesma comunidade e
das autoridades portuguesas. Já se sabia, há muito tempo, que esta
competição iria ser aqui e, desde há alguns meses, sabemos que
Portugal estaria qualificado. Podiam ter sido preparados e
organizados todo o tipos de eventos em redor dessa presença, como
outros países fizeram, promovendo encontros, nomeadamente ao nível
empresarial e cultural. Poderíamos ter facilmente imaginado o que
teria sido a mobilização das 900 associações franco-portuguesas
para apoiar a selecção.
Esta
mobilização foi totalmente espontânea e não fruto de qualquer
tipo de organização?
Exactamente.
Não foi o fruto de uma coordenação, nem aqui, por parte da
comunidade lusófona, nem por parte do Governo português. E isto é
um evento com exposição mundial que acontece uma vez na vida. O que
vivemos aqui nestes dias, jamais o viveremos. É preciso ter a
honestidade intelectual de reconhecer que deveríamos ter organizado
melhor este acontecimento único em 2016. Já por variadas vezes
solicitei que fosse criado em França uma espécie de alto
comissariado ou alto conselho da comunidade portuguesa em França.
Desenvolveu
contactos oficiais para que isso fosse uma realidade?
Sim,
junto das autoridades portuguesas, junto aos embaixadores em Paris.
Penso que seria fundamental esse alto conselho informal, que fosse
composto por pessoas representativas de redes e capacidades para
poder orquestrar, por exemplo, a campanha de promoção da língua
portuguesa ou da cidadania. É importante que cada um dos portugueses
em França esteja inscrito não apenas para as eleições em
Portugal, mas também aqui, porque é neste país que podem ter muito
mais peso e conseguirem politicamente defender os interesses
portugueses, nomeadamente económicos e culturais, mas também
defenderem os interesses franceses em Portugal.
Acha
que os sucessivos Governos portugueses têm estado mais preocupados
no desenvolvimento dos laços com a CPLP do que com as comunidades
portuguesas espalhadas pelo mundo, nomeadamente em França, face à
sua expressão numérica?
Nenhum
partido político português compreendeu completamente essa questão
das comunidades. Mas devo reconhecer que o actual primeiro-ministro,
António Costa, parece ter outro entendimento sobre a noção de
portugalidade e lusofonia e que ela não está apenas restrita aos
países de língua portuguesa. Está também em todos os países onde
as comunidades portuguesas e lusófonas são de tal maneira
importantes e participativas, que trazem à lusofonia países
suplementares. Isso é um dado novo e algo que apenas ouvi com este
Governo e que penso também ter sido compreendido pelo novo
Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Acredita
que haverá resultados palpáveis?
Quero
acreditar que há uma visão nova no que diz respeito à questão das
comunidades, porque houve, desta vez, algumas provas concretas,
nomeadamente na sequência das recentes visitas destes dois
governantes portugueses a França. Elas obrigaram o Presidente
francês, François Hollande, a dizer que vai apoiar a língua
portuguesa. Neste aspecto, critico o ex-Presidente da República
Cavaco Silva, por não ter organizado visitas de Estado a França
durante os seus dois mandatos. Anteriormente, nunca houve uma
regularidade na pressão junto do Governo francês para serem obtidos
resultados palpáveis.
Qual
é a dimensão do ensino da língua portuguesa em França?
Temos
apenas 30 mil pessoas a aprenderem a língua, quando são 250 mil
para o italiano, 800 mil para o alemão e 2,5 milhões para o
espanhol.
Mas
a língua portuguesa faz parte dos programas curriculares?
Faz
e não faz. Ninguém pode dizer que o português não está nos
currículos, porque até poderá estar no programa da Escola Nacional
de Administração, que é a escola dos altos funcionários. Estará
também nas escolas de comércio e em algumas universidades. Mas,
como é que podemos aceitar que apenas uma dezena de universidades
tenham, de facto, o ensino da língua portuguesa nas suas propostas
curriculares? Como é que podemos admitir ou entender que ainda
tenhamos centenas ou milhares de directores de escolas que
simplesmente rejeitam a possibilidade de oferecer a língua
portuguesa aos seus alunos. A realidade é que não se está a
responder a um plano de desenvolvimento do ensino da língua
portuguesa. Nunca foi algo que tenha sido suficientemente negociado
ou pressionado pelos Governos de Lisboa. E temos mais do que as
pessoas suficientes potencialmente interessadas em aprender a língua.
Acredita
que as novas gerações de luso-descendentes estão motivadas para
aprender português?
É
verdade que a primeira geração de imigrantes portugueses falava a
língua naturalmente; a segunda já começou a esquecer e só falava
português em casa com a família. Mas isso não impede que as
gerações mais recentes não queiram aprender esta língua
internacional, falada no maior país da América do Sul e em vários
países africanos. Ela só pode desaparecer se ninguém fizer nada.
Aqui em França, por exemplo, se juntarmos aos portugueses aqui
nascidos, os brasileiros e cabo-verdianos, que são as outras duas
grandes comunidades lusófonas importantes neste país, temos um
enorme potencial de interessados em aprender a língua. Isto para
além dos próprios franceses, que também poderiam ter essa
motivação. Lembro que, dos 2,5 milhões de pessoas que estão a
aprender espanhol, contam-se milhares de alunos de origem portuguesa.
Portugal tem de saber quais são os seus objectivos e eles não podem
ser alcançados apenas com a boa vontade do Governo francês. Tem de
haver pressão.
Os
franceses têm noção da dimensão da comunidade portuguesa?
Tenho
de admitir que a França abusou, de certa forma, da característica
pacata dos portugueses e luso-descendentes que aqui vivem. Mas todos
sabem que a comunidade é grande.
Quando
se refere o exemplo da boa integração da comunidade portuguesa na
sociedade francesa, falamos mais de uma assimilação?
O
sistema francês tem apostado, até aqui, na assimilação. Falam de
integração, mas pretendem, na realidade, uma assimilação. E a
comunidade portuguesa é um mau exemplo neste aspecto, porque ela
está integrada e não assimilada. Dou um outro exemplo: a comunidade
argelina está integrada, muito mais do que alguns querem fazer
parecer, mas também não está assimilada. Essa noção de
assimilação já desapareceu. Acho que é muito melhor a França
estar cada vez mais consciente da força e da necessidade destas
comunidades e ter um projecto comum, do que persistir em
nacionalismos bacocos, referindo-se aos seus antepassados como os
gauleses. Não faz sentido.
Qual
é a relação afectiva desta extensa comunidade portuguesa e
luso-descendente com a França?
Nós
amamos a França, não há qualquer dúvida a esse respeito. E, por
isso, não compreendemos porque é que as autoridades deste país não
têm mais reconhecimento pela comunidade portuguesa. A segunda
geração de portugueses que aqui vive, na qual me incluo, que está
bem inserida na sociedade francesa, com outro tipo de trabalho e
capacidade, quer dizer basta! Queremos que sejam entendidas e
respeitadas as nossas origens e volto à questão da língua
portuguesa, mas não só. Existe o sentimento que temos de continuar
a provar a nossa fidelidade e não entendemos porque é que há uma
espécie de condescendência para com a nossa identidade.
Pode
dar-me exemplos?
Sim,
um deles pode observar-se nos programas desportivos televisivos dos
últimos dias, dedicados ao Euro 2016. Entre as dezenas de analistas
e participantes não houve um único português ou franco-português.
E a final é entre as duas selecções. Os luso-descendentes estão a
chegar a um limite, com o sentimento de participarem na sociedade
francesa e contribuírem para a mesma, mas não terem contrapartidas.
Estão a ver outras comunidades, outras realidades, que são, muitas
vezes, mais apoiadas ou, pelo menos, escutadas, ao contrário da
portuguesa. Há reivindicações da nossa parte que deviam ser muito
mais consequentes, até porque estamos a falar de uma população que
rondará 1,5 milhões.
Nem
o facto de a selecção portuguesa contar com três luso-descendentes
tem despertado a curiosidade dos media franceses?
É
verdade e também muito poucos falaram das origens portuguesas da sua
estrela Antoine Griezmann. Parecem rejeitar esta realidade.
Acredita
que depois deste Europeu nada será como antes?
É
evidente que não. Os franceses não vão esquecer as manifestações
dos imigrantes e luso-descendentes em redor da selecção nacional.
Existem bandeiras portuguesas no exterior de muitas casas. Muitas
vezes, as bandeiras dos dois países estão juntas. Mas qual é a
estranheza desta situação para os franceses? É que, por exemplo,
aqui no 14.º Bairro de Paris, onde vivo, um bairro muito pacato, a
bandeira portuguesa está no quinto andar e não apenas no
rés-do-chão. Nós também não vamos esquecer. Vivemos numa
realidade que não foi suficientemente trabalhada e muitos franceses
estão a descobrir agora quais são as nossas reivindicações e qual
é a postura da nossa comunidade que muitos pensavam ser apenas
pacata e integrada.
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