Dez
ideias para ajudar Passos a pensar sobre a decisão de Barroso
BÁRBARA
REIS 11/07/2016 / PÚBLICO
A
decisão de Durão Barroso de aceitar o convite do Goldman Sachs foi
muito criticada, mas Pedro Passos Coelho disse que tem “alguma
dificuldade em compreender as críticas”. Aqui vai uma pequena
ajuda.
1.
É uma má ideia porque o Goldman Sachs não é um banco qualquer. É
o gigante da banca de investimento que mais directamente pode ser
responsabilizado pela sobrevalorização dos activos e permanente
fuga para a frente que nos levou à crise, e que foi durante anos
apresentado como o banco capaz de “maquilhar contas públicas”. É
acusado de o ter feito para a Grécia. Quando chegou a São Bento, o
próprio Barroso terá sido aconselhado por Silvio Berlusconi a usar
esses “serviços” (que ignorou). É um banco com um braço
político, que aconselhou empresas e Estados (e mal). É mais do que
um banco com má reputação.
2.
É má ideia porque Barroso sabe que os 18 meses de cooling-off —
ou luto — impostos pela União Europeia (que Barroso cumpriu) já
são considerados insuficientes. A tendência é impôr intervalos
cada vez mais longos — no Canadá exigem-se cinco anos para os
ministros. A prática mostra que quanto mais rápida é a passagem
pela "porta giratória” que separa o público do privado, mais
provável é o ex-governante influenciar os processos de decisão em
benefício do novo patrão. Daqui a cinco anos, a agenda de contactos
de Barroso não seria muito útil ao Goldman Sachs.
3.
É uma má ideia porque, sendo legítimo prosseguir a vida
profissional depois de deixar um cargo de poder, há muitas formas de
os ex-líderes se reinventarem. Como as fundações, os think tanks,
a academia ou as Nações Unidos. Não é preciso ser-se
secretário-geral da ONU. Jorge Sampaio tinha 66 anos quando saiu de
Belém e foi nomeado Enviado Especial da ONU para a Luta contra a
Tuberculose e a seguir Alto Representante para a Aliança das
Civilizações. Barroso não é o primeiro ex-presidente da Comissão
Europeia a ir para a banca (houve três), mas é o único a fazê-lo
directamente.
4.
É má ideia porque, sendo legítimo querer ganhar muito bem, há
inúmeras opções clássicas e indolores. Uma delas é a “carreira”
das conferências. Hillary Clinton recebeu do Goldman Sachs 675 mil
euros por apenas três discursos. Juntos, Hillary e o marido, o
ex-Presidente dos EUA, ganharam 153 milhões de dólares nos últimos
15 anos só com discursos: fizeram 729. Num único, Bill Clinton
recebeu meio milhão de dólares, noticiou há uns meses o Wall
Street Journal. Barroso está noutro patamar de honorários e não
teria dez anos de convites à sua frente. Mas beneficia — e bem —
de uma pensão confortável paga pela União Europeia e esse seria um
cooling-off inatacável sob o ponto de vista ético.
5.
Catarina Martins diz que a decisão “envergonha o país”, mas
isso não é verdade. Quando muito, envergonha-o a si próprio. Esta
é uma questão de ética individual e é má ideia também por isso.
6.
É má ideia porque uma “transferência milionária” e directa
como esta destrói o romantismo que ainda possa subsistir quando
olhamos para os líderes europeus como políticos que defendem a
coisa pública e a força europeia acima de qualquer outro interesse
ou valor.
7.
É má ideia porque revela uma enorme insensibilidade política. Não
se pede a Barroso que se sacrifique pela Europa, mas era escusado ser
o próprio "senhor Europa" a contribuir para prejudicar
(ainda mais) a imagem da União.
8.
É má ideia porque, se não podemos ficar reféns do que Marine Le
Pen e os populistas anti-europeus pensam, não é querer muito pedir
que quem liderou a Comissão Europeia durante dez anos prossiga o seu
caminho de forma coerente, em defesa da Europa. Não é difícil
pensar em traição do ideal europeu, por místico que isso possa
soar.
9.
É má ideia porque é uma utopia acreditar que, como chairman,
Barroso vai “moralizar” ou “melhorar” o Goldman Sachs e a
banca de investimentos. Barroso vai ajudar o banco a “dar uma
palavrinha” aos líderes de todo o mundo, do modo informal que
nestas coisas sabemos ser o preferido de todos — e provavelmente o
mais eficaz.
10.
Durão Barroso não violou nenhuma regra. A sua decisão expõe no
entanto, de forma flagrante, a necessidade de as regras mudarem. Essa
é a única boa notícia desta notícia.
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