OPINIÃO
Repetir
100 vezes: falimos
JOÃO MIGUEL TAVARES
02/02/2016 - PÚBLICO
Não
temos dinheiro. Estamos de mão estendida. Será assim tão difícil
começar por admitir isto?
Falimos. Falimos.
Falimos. Falimos. Falimos. Falimos. Falimos. Falimos. Falimos.
Falimos. Seria bastante aborrecido encher o texto de hoje apenas com
a palavra “falimos”, mas ao mesmo tempo há uma necessidade
compulsiva de a repetir até à exaustão. Falimos. Falimos. Falimos.
Falimos. Falimos. Falimos. Falimos. Falimos. Falimos. Falimos.
Falimos, qual é a parte desta palavra que o governo e os partidos
que o apoiam não percebem? Talvez se passarmos a dizer “falimos”
em vez de “bom dia”, “falimos” em vez de “boa tarde”,
“falimos” em vez de “boa noite”, “falimos” em vez de
“obrigado”, “falimos” em vez de “por favor”, talvez assim
entre na cabeça da esquerda que não vale a pena chamar “políticas
de direita” à matemática. A matemática não é de esquerda nem
de direita – é apenas matemática. Falir não é de esquerda nem
de direita – é apenas falir.
Senhores, isto é
desesperante. Ver o que se está a passar em redor do orçamento de
Estado, com as brincadeirinhas semânticas em torno das medidas
extraordinárias e das medidas estruturais, mais as estimativas
astronómicas do aumento do PIB, mais os multiplicadores mágicos,
mais o aumento do consumo interno que milagrosamente não
desequilibra a balança comercial, tudo isto é desesperante. Ver
regressar as 35 horas de trabalho à função pública, ver retornar
quatro feriados e respectivas pontes, ver a indústria da
restauração, que vive níveis de pujança únicos à custa do
turismo, ser agora subsidiada através da diminuição do IVA, tudo
isto é absolutamente desesperante. É por isso que não há palavra
mais importante neste momento do que “falimos” – porque é
precisamente a inconsciência dessa falência, é a incapacidade de
admitir que ficámos à porta da bancarrota, é a recusa em
reconhecer que o país está na mão dos seus credores, é a
narrativa imbecil do “desejo de austeridade” que sustenta as
políticas do regoverno Costa e dos partidos que o apoiam. Falimos.
Falimos. Falimos. Falimos. Falimos. Mas eles não percebem.
Ouço dizer que esta
postura é o fim da política, o fim da democracia, talvez mesmo o
fim do mundo, porque é a imposição de uma única receita: TINA –
There Is No Alternative –, esse terrível vírus neoliberal que
infecta o mundo. Deus meu, se a estupidez pagasse imposto a dívida
portuguesa descia para 60% do PIB em menos de uma semana. Claro que
existem sempre alternativas. Uma alternativa: sair do euro. Outra
alternativa: aderir ao PCP e ao seu programa, abandonando o
capitalismo e recuperando o velho Marx. Alternativas não faltam. O
que falta é a alternativa que a esquerda quer: aplicar um programa
anti-austeridade com o dinheiro dos outros; ser capitalista na hora
de pedir financiamento e comunista na hora de pagar as dívidas.
Isso, de facto, não existe.
A esquerda sempre
foi utópica, mas antigamente a utopia servia para criar novos mundos
– agora serve para negar a existência deste. Negar a realidade é
uma deserção ideológica: a esquerda, em vez de se colocar ao
serviço daquilo que aí está (como distribuir o dinheiro que
temos?), coloca-se ao serviço daquilo que não está (como
distribuir o dinheiro que não temos?). Ora, este viver em permanente
estado de negação da realidade é uma tragédia para o país.
Falimos. Arruinámo-nos. Não temos dinheiro. Estamos de mão
estendida. Antes de seguir pelo caminho da esquerda ou da direita,
será assim tão difícil começar por admitir isto? Falimos.
Fa-li-mos. F-a-l-i-m-o-s.
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