segunda-feira, 31 de março de 2014

DEO: o novo colete de forças


DEO: o novo colete de forças
Luís Ferreira Lopes
10:26 31.03.2014 / SIC

O documento de estratégia orçamental (DEO) está, esta segunda-feira, a ser debatido e votado em conselho de ministros extraordinário. Em causa está um novo corte superior a 2 mil milhões de euros, para substituir medidas temporárias por permanentes e reduzir o défice público, a poucos meses da saída da troika de Portugal. Será que os cortes chegarão (além dos contribuintes e pensionistas) também aos organismos, institutos, número de câmaras, empresas municipais, empresas públicas e tanta despesa a mais na máquina devorista do Estado?

Começo com uma pergunta que faço há vários anos e a vários governos de várias cores partidárias. Não é ingenuidade, é perplexidade genuína como cidadão e como contribuinte da III República. Tantos anos depois e vários ministros das Finanças ou primeiro-ministros depois, temos de insistir na pergunta que o cidadão comum do "aguenta, aguenta" faz todos os dias: onde estão os cortes estruturais no funcionamento do Estado, ou seja, nas administrações central, regional e local, na sempre adiada reforma do Estado?

Se esse novo desenho é vital para a prestação de um serviço público de qualidade e sustentável em áreas essenciais aos cidadãos, que tal ter começado por aí? A resposta é conhecida de todos. Porque é mais rápido e eficaz cortar nas variáveis com maior impacto orçamental: salários (seja dos funcionários públicos, seja no sector privado via carga fiscal "brutal") e nas pensões e outras prestações sociais. Compreende-se a fórmula face ao espartilho imposto pelas sucesivas avaliações da troika, mas já todos perceberam que não é sustentável a receita económica e financeira que, após a herança desastrosa do governo Sócrates, começou por ser aplicada por Vitor Gaspar - o ex-ministro que vai agora ganhar 23 mil euros por mês como director orçamental do FMI.

O Governo vai ter substituir 2.153 milhões de cortes temporários por cortes fixos e isso, já sabemos todos, não se faz sem dor, como já alertava o actual presidente da República desde os tempos em que escrevia artigos na imprensa sobre "o monstro" da despesa pública, como consultor do Banco de Portugal, após os governos que liderou até 1995. Mas, recorde-se, os portugueses já conhecem os alertas, estudos, diagnósticos e opiniões de toda a gente que agora fala destes assuntos como se fosse de futebol, da novela ou do sonho do euromilhões. O que o cidadão comum, que paga a máquina do Estado, exige é soluções transparentes e compromissos que não penalizem mais quem paga impostos, no sector privado e também no público.

Baixar o défice de 4% para 2,5%, deste ano para 2015, significa um esforço extra de 1.700 milhões de euros. Só que, no Documento de Estratégia (DEO) para os próximos quatro anos, o governo tem de cortar mais e substituir as medidas temporárias por permanentes. A razão é simples: no Orçamento do Estado para este ano, o valor dessa "poupança" é de 2.153 milhões de euros.

- Problema 1: o eventual chumbo do Tribunal Constitucional pode alterar as contas do governo dentro de semanas.

- Problema 2: além dos juízes, o governo confronta-se ainda com o "ruído no espaço público", causado "involuntariamente pelo próprio Governo", citando o ministro Poiares Maduro quando comentou, na sexta-feira, a polémica em torno da confusão de notícias sobre supostas medidas em preparação pelo executivo para substituir a Contribuição Extraordinária de Solidariedade.

Seja qual for a solução encontrada pelo governo (sabendo que não irá agradar a gregos e troianos ao mesmo tempo), a questão que se coloca é se ela será uma gota de água no oceano do défice e da dívida do Estado e se será estrutural ou se será, afinal, "temporária", expressão que os portugueses e europeus conhecem desde a crise que se arrasta desde 2008, quando o presidente da Comissão, Durão Barroso, anunciou a política dos 3 T's. Um deles era o T do carácter supostamente "temporário" das medidas de combate à crise económica, financeira e social. Se o T era temporário, a realidade é que estamos num autêntico colete de forças desde, pelo menos, a crise mundial de 2008 e o espectro de bancarrota portuguesa na primavera de 2011.  

É por isso que Bruxelas e o Banco Central Europeu - que, obviamente, vão continuar a monitorizar e controlar as políticas orçamentais em Portugal e nos Estados "mais problemáticos" - avisam que não está tanto em causa o tipo de saída ("suja" ou "limpa") e o efeito que isso causa nos mercados, mas é mais importante garantir que as políticas de consolidação continuam. Na visão da Europa que aplaude taxas de juro abaixo de 4% para Portugal (registadas na semana passada, mas que podem subir ao mínimo desaire político ou orçamental - como se viu em Junho do ano passado, na crise política Portas / Gaspar), o regresso do crescimento, a queda do desemprego e as descidas dos juros dos empréstimos a um país semi-falido mostram que o "ajustamento" estará a funcionar em Portugal. Mas será isso sustentável, sem uma alteração das políticas europeias e uma discussão profunda que conduza a um compromisso político lusitano para os próximos largos anos?

Em conclusão, quem empresta quer o seu dinheiro de volta tão cedo quanto possível e exige que o executivo português (seja ele qual for) pague o que deve ou, pelo menos, vá amortizando o serviço da dívida. Ora, a questão de fundo continua a ser "o monstro" - da sustentabilidade da dívida pública, que será superior a 130% do PIB no final deste ano, e do défice orçamental que, em teoria, deverá ser reduzido para 2,5% no próximo ano, à custa de novos cortes na despesa ou então de mais impostos. Um ponto parece ser evidente: aumentar o peso da carga fiscal sobre empresas e famílias não é viável. Usando uma imagem mais rural: colocar uma canga ainda mais pesada sobre a parelha de bois (ou burros) que vai puxando a carroça não é solução, sob pena de exaustão dos animais...

Na crise dos anos 90, o então ministro Braga de Macedo falava da teoria do oásis e de umas vacas esbeltas num país que só ele via, mas as vacas estavam magras. Agora estão esqueléticas e já não dão mais leite. Ponto.

DEBATE / OPINIÃO / Galamba / J.M. Tavares/ John Maynard Galamba. A joão-miguel-tavarização da opinião? Por JOÃO GALAMBA / PÚBLICO



OPINIÃO
John Maynard Galamba
JOÃO MIGUEL TAVARES 01/04/2014 - PÚBLICO

O keynogalambismo consiste em permanecer firmemente keynesiano mesmo sem ter dinheiro para investir.
No sábado, João Galamba assinou um texto no PÚBLICO intitulado A joão-miguel-tavarização da opinião?, em resposta a um artigo meu que apontava certas incoerências na forma como os deputados Galamba 2010 e Galamba 2014 encaravam o peso da dívida nas contas públicas. João Galamba, contudo, garantiu que os deputados são um só, que não existe qualquer incoerência e que eu o descontextualizei. Indignado, deixou uma mensagem no Twitter: “Fico à espera do pedido de desculpas do escriba do PÚBLICO.”

E aqui estou eu, em atitude de humilde penitente, prontíssimo para me arrepender, agora que João Galamba me introduziu a uma nova doutrina económica, que me atrevo a chamar “keynogalambismo”. Foi apenas por não estar sensibilizado para o potencial desta nova área do pensamento económico que acusei Galamba 2010 de achar que a dimensão da dívida não era um entrave para o crescimento enquanto via Galamba 2014 assinar manifestos a pedir a reestruturação da dívida para o país conseguir crescer. Mea culpa, mea maxima culpa.

Temendo que outros, tal como eu, desconheçam as virtudes do keynogalambismo, permitam-me então explicar esse notável pensamento. Todos nós sabemos aquilo que o keynesianismo é: uma teoria que aconselha a combater as crises com investimento público, adoptando políticas anticíclicas como forma de estimular a economia, e que teve inegável sucesso no debelar da Grande Depressão. Infelizmente, John Maynard Keynes faleceu em 1946, mais de meio século antes de ser introduzida na Europa a moeda única, que nos levou as máquinas de imprimir dinheiro e, com elas, esse instrumento tão apreciado pelos políticos chamado “inflação”. Ora, é aqui que entra o keynogalambismo.

O keynogalambismo consiste em permanecer firmemente keynesiano mesmo sem ter dinheiro para investir. Como? Utilizando um poderoso instrumento económico para combater a crise, que Keynes, por manifesta desatenção, se esqueceu de citar na Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda: gritar imenso com os outros por estarem a ser maus para nós. Através de numerosas queixas, esgares e manifestos, o keynogalambismo propõe continuar a investir à bruta, mesmo que em caixa só já restem 300 milhões de euros (números de Durão Barroso).

A lógica interna do keynogalambismo é esta: 1) pedimos dinheiro, porque precisamos de nos endividar; 2) não pagamos esse dinheiro, porque nos endividámos; 3) protestamos, por não nos deixarem endividar mais. Vale a pena dar a palavra ao autor, que explica isto admiravelmente: “O problema da nossa dívida não é o facto de ser elevada, mas sim o facto de que, no contexto do Tratado Orçamental, e quando pagamos cerca de 4,5% do PIB em juros, a única maneira de cumprir as nossas obrigações europeias sem voltar a cortar salários, pensões, Saúde, Educação e investimento público é reestruturar a dívida.” Ou seja, o problema da nossa dívida não é o facto de ser elevada, mas o facto de não a conseguirmos pagar. Brilhante.


Em resumo: Galamba 2010 acha que a dívida não é o cerne da questão; Galamba 2012 vota favoravelmente (embora contrariado) um Tratado Orçamental onde o pagamento da dívida é o cerne da questão; Galamba 2014 acha que não pagar a dívida é o cerne da questão. Confesso que isto, à primeira vista, me pareceu incoerente. Mas agora, que finalmente penetrei no keynogalambismo, vejo o quanto estava errado. As minhas desculpas aos três Galambas.

OPINIÃO
A joão-miguel-tavarização da opinião?
JOÃO GALAMBA 29/03/2014 - PÚBLICO
J.M.T. pode vasculhar os meus textos à vontade: não encontrará neles o tipo de contradição que pretende imputar-me.
No seu artigo da passada terça-feira, João Miguel Tavares criticou o manifesto que defende a reestruturação da dívida apontando alegadas contradições de um dos seus subscritores; no caso, eu.

J.M.T. não entende que quem defendeu o investimento público e quem criticou o estudo dos economistas Reinhart e Rogoff sobre o impacto da dívida no crescimento venha agora dizer que a dívida se tornou insustentável e, portanto, precisa de ser reestruturada. Mais uma vez, um crítico do manifesto opta por atacar um dos seus subscritores, alertando, neste caso, para o grave perigo da “galambização da pátria”.

Para que não restem dúvidas, reafirmo todas as minhas posições: o investimento público era e é absolutamente imprescindível para o desenvolvimento económico e social do país; o estudo de Reinhart e Rogoff não faz sentido; e a dívida tem de ser reestruturada porque, no contexto actual, os seus encargos impedem o crescimento. Contradição? Só mesmo na (baralhada) cabeça de J.M.T.

Reinhart e Rogoff publicaram um estudo que correlacionava o rácio da dívida pública em percentagem do PIB e o crescimento económico e concluíam que, a partir dos 90%, a dívida limita o potencial de crescimento. Esse estudo já foi totalmente desacreditado por vários economistas, exactamente na linha do que defendi em 2010. Se sustento agora que, a manter-se o actual contexto, a reestruturação da nossa dívida será inevitável, não é certamente pelas mesmas razões que levaram Reinhart e Rogoff a correlacionar o rácio da dívida e o crescimento económico.

O argumentário de J.M.T. parte de uma frase que escrevi em Outubro de 2010: “Tudo o que possa ser dito sobre a dívida – que é má, que é perigosa, que é boa – é absolutamente irrelevante para debates sobre crescimento económico.” Mas esta frase não pode ser descontextualizada do debate a que pertencia, que era o de saber se os argumentos de Reinhart e Rogoff eram relevantes para avaliar os méritos do investimento público. Nesse contexto, escrevi também: “Não estou a dizer que a dívida não é um problema; limito-me a constatar que, preocupados ou não [com a dívida], todas as decisões sobre o que devemos fazer dependem exclusivamente dos méritos de projectos particulares.” Como esta citação demonstra, reconheci explicitamente que a dívida podia ser um problema, mas que era irrelevante para saber se o projeto x ou y devia ser feito e se beneficiava ou não o crescimento económico. Espero que, no futuro, os dicionários da língua portuguesa definam este tipo de omissão grosseira de um contexto como uma joão-miguel-tavarização.

 O problema da nossa dívida não é o facto de ser elevada, mas sim o facto de que, no contexto do Tratado Orçamental, e quando pagamos cerca de 4,5% do PIB em juros, a única maneira de cumprir as nossas obrigações europeias sem voltar a cortar salários, pensões, Saúde, Educação e investimento público (tudo rubricas que têm um fortíssimo impacto) é reestruturar a dívida. Os EUA, o Reino Unido ou o Japão não têm este problema, apesar de terem níveis de endividamento elevadíssimos e até, no caso do Japão, superior ao nosso. E não têm porque nenhum desses países pertence a uma zona monetária que, errada e tragicamente, decidiu, em Maio de 2010, abandonar as políticas keynesianas de combate à crise, substituindo-as por uma obsessão com a austeridade, que veio a resultar na aprovação do Tratado Orçamental.


J.M.T. pode vasculhar os meus textos à vontade: não encontrará neles o tipo de contradição que pretende imputar-me. Defendi sempre, e continuo a defender, que as crises económicas se devem combater com políticas keynesianas. Defendi sempre que a austeridade teria as consequências que estão hoje à vista de todos: no emprego, na coesão social, no crescimento económico — e na insustentabilidade da dívida. A dívida é hoje um enorme problema porque, desde Maio de 2010, a zona euro deixou de adoptar as políticas keynesianas que sempre defendi, e continuo a defender. A solução ideal para o nosso país é reestruturarmos a dívida para cumprirmos o Tratado Orçamental? Não. Mas, se a alternativa à reestruturação é o absurdo percurso de mais 20 anos de austeridade traçado pelo Presidente da República no Prefácio do seu Roteiros VIII, então só posso concluir uma coisa: não há uma alternativa realista à reestruturação, como defende, e bem, o manifesto que me orgulho de ter subscrito.

França mais à direita, no voto e no Governo. Manuel Valls, um "socialista de direita" para governar França.


EDITORIAL
França mais à direita, no voto e no Governo
DIRECÇÃO EDITORIAL 01/04/2014 / PÚBLICO

A forma como François Hollande tem regido os destinos da França, tão errática quanto demagógica, valeu-lhe uma estrondosa derrota nas eleições municipais do passado domingo. Se em 2008 os maires de esquerda eram 509 contra 433 de direita, agora os pratos da balança inverteram-se com forte penalização da esquerda, que desceu para 349 enquanto a direita subiu para 572 (11 de extrema-direita). Deste resultado, previsível, tirou o primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault as devidas consequências e demitiu-se. No seu lugar, surge o actual ministro da Defesa, Manuel Valls, o “socialista de direita” que é mais popular entre os agora vitoriosos do que nas fileiras do PS francês. Há uma razão para a escolha de Valls: ele é o ministro mais popular do Governo e 31% dos franceses gostariam de o ver o lugar que agora ocupará. E Hollande precisa de popularidade a todo o custo. Mesmo que isso lhe valha, como a prazo valerá, ser varrido da ribalta.

Manuel Valls, um "socialista de direita" para governar França
CLARA BARATA 31/03/2014 - PÚBLICO
Hollande nomeou um novo primeiro-ministro para um novo "governo de combate", após resultados desastrosos nas eleições municipais.

O Presidente francês, François Hollande, nomeou um novo primeiro-ministro, para "abrir uma nova fase" na governação, após a pesada derrota nas eleições municipais. Trata-se de Manuel Valls, até agora ministro do Interior, um político mais popular entre a direita do que entre os próprios socialistas. O que se espera, agora, é “um governo de combate”.

"Confiei a Manuel Valls a missão de conduzir o Governo de França, com uma equipa mais compacta", explicou o Presidente. A missão imediata é conduzir a bom porto o Pacto de Responsabilidade, que é a luz orientadora do caminho de França para os próximos anos.

Este programa prevê um alívio nos impostos cobrados às empresas e aos trabalhadores independentes no valor de 30 mil milhões de euros, para incentivar o emprego e a produção, e economias de 50 mil milhões de euros na despesa pública até 2017 – para satisfazer Bruxelas e reformar o Estado. Em meados de Abril, este pacto tem de ser apresentado à Comissão Europeia e Paris tem de começar a trabalhar nele.

O pacto é ponto assente para Hollande e para o Governo. Mas incomoda as correntes mais à esquerda do PS francês, que logo na noite eleitoral vieram dizer que este pacto foi um dos factores que envenenaram os resultados das eleições municipais – em que os socialistas perderam 151 câmaras, em cidades com mais de 10 mil habitantes, e viram passar para a direita várias metrópoles com mais de 100 mil habitantes, incluindo alguns bastiões do PS.

Para compensar, Hollande falou num novo “pacto de solidariedade”, para que haja mais justiça social, assente em três pilares: a educação, a segurança social e o aumento do poder de compra. Isto traduzir-se-ia em mais investimentos na educação e na saúde e também num plano de redução dos impostos pagos pelas famílias com menos recursos que poderá vir a ser apresentado no fim de Abril.

A subida de Manuel Valls ao poder não é o que desejavam, apesar de ele ser o ministro mais popular do Governo: 31% dos franceses gostaria de o ver como primeiro-ministro, numa sondagem realizada antes da segunda volta das eleições municipais de domingo. Jean-Marc Ayrault, que a meio da tarde anunciou ter apresentado a sua demissão, apenas agradava a 11% dos cidadãos.

A questão é que Valls é até mais popular à direita do que à esquerda.

A imagem e as ideias de Valls, um político de 51 anos são, é bastante diferente de Ayrault, e até mesmo de Hollande. Nascido em Barcelona e naturalizado francês aos 20 anos, partidário de um socialismo à maneira de Tony Blair, Valls está habituado a entrar em conflito com o seu próprio partido. Chamam-lhe o “socialista de direita”.

No Governo de Ayrault, ganhou notoriedade pela forma intransigente como tem lidado com as questões da imigração – relativamente ao desmantelamento de acampamentos ciganos e à deportação de ciganos provenientes de países da União Europeia que imigram ilegalmente.

Isso deu-lhe credibilidade junto da direita, mas tornou-o problemático junto da esquerda.“Escolhe-se o homem mais à direita para responder ao povo de esquerda?”, espantou-se a senadora Marie-Noëlle Lienemann, representante da ala esquerda do PS, em declarações ao Le Monde.

Os dois ministros da Europa Ecologia/Os Verdes, que faz coligação governamental com o PS no Governo, anunciaram já que não participarão num executivo liderado por Valls.

"Este homem é perigoso"
As características que o tornam popular junto da direita fazem com que Marine Le Pen, a líder do partido de extrema-direita e anti-imigração Frente Nacional, o tema. “Este homem é perigoso. Há que temer o seu domínio. É um homem de autoridade nas palavras. Valls é um homem da comunicação”, comentou Le Pen, a outra triunfadora das eleições municipais, além da UMP, o maior partido de centro-direita.

Após expressar os seus receios face ao novo primeiro-ministro socialista, denegriu o seu trabalho no Ministério do Interior – aquilo que o tornou popular entre os eleitores da direita: “O balanço do trabalho de Valls contra a insegurança é deplorável. Não obteve resultado nenhum.” O que Hollande está a fazer, considerou, é a “carbonizar Valls, para lhe esgotar as suas ambições”, disse Le Pen.


Porque se há traço de carácter que é apontado a Manuel Valls é a ambição – e a ambição última de um político francês é o Eliseu. Ele não o esconde, e aliás foi um dos candidatos nas primárias socialistas, ganhas por François Hollande. Mas depois foi seu director de campanha. No entanto, ao promovê-lo a primeiro-ministro, Hollande corre o risco de promover um mais do que potencial rival.

Analyse : Manuel Valls, le pari risqué de François Hollande


Analyse : Manuel Valls, le pari risqué de François Hollande
Par Françoise Fressoz

C'est à Manuel Valls, le marginal du Parti socialiste, l'homme qui n'avait obtenu que 5,6 % des suffrages à la primaire socialiste d'octobre 2011, que François Hollande a décidé de confier les clés de Matignon au moment où son quinquennat menace de virer à la tragédie.
Ce coup de poker peut paraître improbable : la gauche rue dans les brancards après la défaite aux municipales, et Jean- Marc Ayrault, le premier ministre sortant, avait pris soin d'obtenir des appuis auprès des partenaires sociaux et de verrouiller une majorité PS-écologiste pour tenter de se maintenir à Matignon.

Manuel Valls est fait d'une autre pâte : cet ancien rocardien incarne la gauche libérale sur le plan économique, et la gauche républicaine, voire sécuritaire, sur le plan des mœurs. On n'est plus exactement dans la social-démocratie que revendiquait le couple Hollande-Ayrault. L'équilibre s'est déporté vers la droite, sans doute parce que le pays a nettement voté à droite aux municipales.

VALLS CONNAÎT BIEN MATIGNON

Quels sont donc les atouts du ministre de l'intérieur, plus jeune de treize ans que Jean Marc Ayrault ? Outre sa jeunesse (51 ans), il faut lui reconnaître une autorité certaine, qu'il a démontrée dans toutes les fonctions qu'il a exercées, notamment à Matignon lorsqu'il était responsable de la communication du premier ministre Lionel Jospin, à la fin des années 1990.

Manuel Valls connaît bien Matignon. Or ce dont a le plus besoin le chef de l'Etat, c'est que la machine gouvernementale tourne et que l'autorité du premier ministre ne soit pas affaiblie par des prises de position intempestives. C'est cela qui a coûté son poste à Jean-Marc Ayrault : trop de ministres manifestaient à son égard une désinvolture qui portait atteinte au crédit de toute l'équipe.

L'ancien maire d'Evry a un autre avantage : il n'a aucun problème de conscience à l'égard du pacte de responsabilité que François Hollande veut « réussir ». L'ancien maire d'Evry adhère depuis longtemps à la politique de l'offre, parce qu'il ne voit pas comment la France pourra renouer avec la croissance sans rétablir la compétitivité des entreprises. En janvier 2011, il n'avait pas hésité à plaider pour « un déverrouillage » des trente-cinq heures.

UNE IMAGE PAS SI DROITIÈRE

Cela n'en fait pas pour autant un euroenthousiaste béat. En 2005, il n'avait pas du tout été emballé par le référendum sur le traité constitutionnel européen, voulu par Jacques Chirac. Il faut donc se garder d'enfermer l'ambitieux catalan dans une case, d'autant que son arrivée à Matignon pourrait contribuer à gauchir son image.

Le président de la République le veut pour tenir compte du message des urnes, et lui en a besoin. Ces derniers mois, Manuel Valls est surtout apparu comme un « superflic » régulièrement en bisbille avec la garde des sceaux, Christiane Taubira, et la partie la plus à gauche de la majorité.

Il a œuvré pour sortir de cette case en nouant une alliance avec deux eurosceptiques et deux incarnations de l'aile gauche du PS, Arnaud Montebourg et Benoît Hamon. Ses relations avec les écologistes restent cependant fraîches, au point que Cécile Duflot a fait savoir la semaine dernière qu'elle ne ferait pas partie de l'équipe gouvernementale si Manuel Valls devenait premier ministre. Mais elle ne représente pas à elle seule tous les écologistes.

QUELLE RELATION AVEC HOLLANDE ?

Le plus intéressant à observer va être la relation entre le président de la République et le premier ministre. Certes, on n'est pas dans la configuration problématique du couple Chirac-Sarkozy. Manuel Valls a beau voir loin, il n'est pas en concurrence avec le chef de l'Etat.

Leurs relations, qui se sont approfondies pendant la campagne présidentielle, sont bonnes, mais le quinquennat ne contribue pas à simplifier le fonctionnement du couple Elysée-Matignon. Qui doit agir ? qui doit parler ? qui doit s'exposer ? Nicolas Sarkozy et François Fillon n'ont jamais réussi à trouver le bon mode d'emploi, tandis que le couple Hollande-Ayrault, malgré de bonnes relations personnelles, a fonctionné cahin-caha.


Au plus bas dans les sondages, François Hollande ne s'est certainement pas simplifié la tâche en nommant Manuel Valls à Matignon. Le chouchou des sondages a la particularité de vouloir incarner ce que les Français attendent du président de la République : un discours républicain capable de retisser le lien social et national qui se distend dangereusement dans le pays. Gare à la compétition !

Manuel Valls, l'évidence


Manuel Valls, l'évidence
Par Renaud Dély
Publié le 31-03-2014

Comme souvent, ce n’est pas le président de la République qui choisit le nouveau Premier ministre. C’est la situation politique qui le lui impose.
Valls, comme une évidence. Valls, comme une solution. Valls, comme une bouée de sauvetage. Au lendemain de la Bérézina électorale des municipales, le ministre de l’Intérieur s’imposait comme la seule solution à gauche pour succéder à Jean-Marc Ayrault à Matignon. Il s'imposait à François Hollande quand bien même le chef de l’Etat manifestait quelques réticences à nommer si tôt ce jeune homme si pressé. Le président n’a pas finassé. Il a eu raison.

S’il entend encore sauver la fin de son mandat, voire conserver de bonnes chances d'en conquérir un deuxième, il n’avait d’autre échappatoire que de propulser Manuel Valls au poste de Premier ministre. Car sur ce point aussi, la Constitution de la Ve République est mensongère. Dans les textes, ce choix du chef du gouvernement, si crucial, si déterminant, appartient au seul président de la République. Il fait partie de la panoplie de la toute-puissance élyséenne. Dans les faits, la plupart du temps, la situation politique l’impose au chef de l’Etat.

Un choix qui souvent s'impose au président

Pour avoir prétendu jouir de son bon plaisir en nommant en 1976 sa "créature", Raymond Barre, contre l’avis de la grande majorité des forces conservatrices, Valéry Giscard d’Estaing s’est imposé une cohabitation houleuse avec le RPR qui l’a conduit à la défaite de 1981. Pour avoir refusé de promouvoir Nicolas Sarkozy à Matignon quand le "peuple de droite" le réclamait, jusqu’à lui préférer Jean-Pierre Raffarin en 2002, puis Dominique de Villepin en 2005, Jacques Chirac a ouvert sa succession dès sa réélection et fait de son second mandat une lente agonie secouée par une interminable guerre interne à son camp entre anti et pro-sarkozystes.

A l’inverse, François Mitterrand n’a pas biaisé en 1988 en choisissant son meilleur ennemi, Michel Rocard, issue logique d’une réélection rassembleuse sur fond de "France unie". De même, Nicolas Sarkozy avait-il fini par se rendre à l’évidence à l’automne 2010 en gardant François Fillon, soutenu par le groupe UMP à l’Assemblée, plutôt que de le remplacer par Jean-Louis Borloo.

Cette fois encore, Manuel Valls, donc, s’imposait au président. Certes, le nouveau Premier ministre est contesté au sein du PS, en tous cas sur sa frange gauche, et plus encore chez ses partenaires écologistes. Trop ferme, trop autoritaire, bref, trop "droitier", disent-ils. Manuel Valls le sait qui s'attend à de chaudes heures à l’Assemblée nationale pour mater cette majorité aussi rebelle que désemparée, et ce, dès l’adoption du futur du pacte de responsabilité.

Mais c’est justement parce que François Hollande ne songe pas à remettre en cause cette politique de redressement des comptes publics, d’allègement du coût du travail et d’amélioration de la compétitivité de notre appareil industriel que Manuel Valls était devenu incontournable. La reprise tarde, les objectifs de réduction des déficits publics ne sont pas atteints, le chômage continue de s’envoler, et Bruxelles s’impatiente. L'urgence commande même de trouver 50 milliards d’euros d'économies dans la dépense publique. Qui mieux que l’ancien ministre de l’Intérieur, héritier du blairisme et "social-libéral" revendiqué, serait en mesure d’incarner cette purge aux accents churchilliens ?

Le retour des "pros"

Le choix de Valls l’indique, François Hollande n’entend pas changer de politique. Il prétend au contraire l’assumer plus clairement. Et ce sera d’autant plus envisageable que Manuel Valls incarne aujourd’hui cette autorité, ce professionnalisme de l’action publique, qui fait tant défaut depuis 22 mois au couple exécutif. C’est là l’autre grand procès fait par les électeurs à la gauche au pouvoir, celui d'un insupportable amateurisme, fait de couacs permanents et de divisions incessantes, qui en venait ces derniers temps, dans une frange croissante de l’opinion, à faire douter de la légitimité du gouvernement. Valls remplaçant Ayrault, c’est la fin du temps des Branquignols, et le retour des "pros" aux affaires. Tel est le premier, sans doute le principal, message de cette nomination.

Alors, certes, la politique économique et sociale du nouveau gouvernement ne sera ni plus tendre, ni plus généreuse, que celle du précédent. Elle sera même sûrement plus douloureuse encore, ce qui légitimera les protestations de la gauche du PS, des Verts et bien entendu, des partisans de Jean-Luc Mélenchon. Ces efforts à venir ne conduiront pas la cote de popularité du président à remonter rapidement. On peut même songer plus sûrement que celle de Manuel Valls va commencer à s’effriter. Mais au moins le nouveau Premier ministre est-il supposé incarner et indiquer ce cap que Jean-Marc Ayrault fut en peine de définir depuis le printemps 2012.

"Quand c’est flou, c’est qu’il y a un loup", disait la grand-mère de Martine Aubry. Avec le pacte de responsabilité, l’engagement pris de réduire la dépense publique de 50 milliards d’euros et Manuel Valls à Matignon, mamie Aubry est rassurée : il n’y a plus de loup. Pas sûr pour autant qu’il restera encore de la galette en 2017. Hollande, en miettes, n’avait plus le choix : ce n’est pas son hypothétique réélection dans trois ans qui est désormais en jeu, c’est la présence même d’un candidat de gauche au second tour de la présidentielle.


Renaud Dély - Le Nouvel Observateur

Climate change report 'should jolt people into action' says IPCC chief. The Guardian


Climate change report 'should jolt people into action' says IPCC chief
UN science panel's chairman, Rajendra Pachauri, says report on impacts of rising temperatures should push leaders to act
Suzanne Goldenberg in Yokohama, Japan

The head of the United Nations climate panel said he hoped its report on the rising threat of climate change would “jolt people into action”.

The report, released on Monday, is a 2,600-page catalogue of the risks to life and livelihood from climate change – now and in the future.

Rajendra Pachauri, who has headed the IPCC for 12 years, said he hoped it would push government leaders to deal with climate change before it is too late.

“I hope these facts will - for want of a better word - jolt people into action,” he said.

The US Secretary of State, John Kerry, took a similar line.

“Read this report and you can't deny the reality: Unless we act dramatically and quickly, science tells us our climate and our way of life are literally in jeopardy,” Kerry said in a statement. "Let's make our political system wake up and let's make the world respond."

The report was built on the work of more than 300 scientists drawing from 12,000 scholarly articles to produce the most comprehensive picture of climate risks to date. Pachauri said the report provided all that governments could need for coming up with a strategy for cutting greenhouse gas emissions and protecting populations from climate change.

The volume of scientific literature on the effects of climate change has doubled since the last report in 2007, and the findings make an increasingly detailed picture of how climate change – in tandem with existing fault lines such as poverty and inequality – poses a much more direct threat to life and livelihoods.

This was reflected in the language. The summary mentioned the word “risk” more than 230 times, compared to just over 40 mentions seven years ago, according to a count by the Red Cross.

“On the basis of this report they should be able to formulate a very clear plan of action,” Pachauri said.

The report found the strongest evidence of climate change in the thawing permafrost in the Arctic and in the destruction of coral reefs. It found many freshwater and marine species had shifted their geographical range due to climate change.

But the report said climate change was growing more evident in human systems as well, where it posed a series of risks.

Climate change was already beginning to affect crop yields, especially for wheat and maize, and the report says that yields could decline sharply towards the middle of the century.

The scientists found climate change was a driver of violent conflicts and migration, and was exacerbating inequality, making it harder for people to claw their way out of poverty.

Climate change was also a factor in the rise of mega-disasters. The report said climate change was driving recent heatwaves and droughts, and was a risk factor for wildfires.

At the forefront of those risks was the potential for humanitarian crisis. The report catalogued some of the disasters that have been visited around the planet since 2000: killer heat waves in Europe, wildfires in Australia, and deadly floods in Pakistan.

“We are now in an era where climate change isn't some kind of future hypothetical,” said the leading author of the report, Chris Field of Stanford University. “We live in an area where impacts from climate change are already widespread and consequential.”

Within the United Nations, the report is seen as leverage for a high-level climate summit hosted by the Secretary-General, Ban Ki-Moon, at the United Nations in September.


Ban has said he hopes to use the event to build momentum for negotiations for a climate deal in Paris next year.

Exxon warns global warming targets ‘unlikely’ to be met





March 31, 2014 10:44 pm
Exxon warns global warming targets ‘unlikely’ to be met



ExxonMobil, the US oil group, said it was “highly unlikely” that the world would cut greenhouse gas emissions sufficiently to keep global warming within the internationally agreed limit of 2C.
In two reports on the implications of climate change for its business published on Monday, Exxon rejected suggestions that policies to cut emissions would leave many of its oil and gas assets “stranded” – incapable of being profitably developed.
It accepted that carbon dioxide emissions created by burning fossil fuels were raising global temperatures, and that warming created risks, but argued that the threat needed to be weighed against other objectives, including the need for energy in developing countries.
Creating a resonable chance that the rise in temperatures stayed below 2C would mean cutting greenhouse gas emissions 80 per cent by 2050, and putting a price on carbon far in excess of levels now prevailing in the EU’s emissions trading scheme, costing the average US household thousands of dollars per year, it said.
“The scenario where governments restrict hydrocarbon production in a way to reduce GHG [greenhouse gas] emissions 80 per cent during the outlook period [to 2040] is highly unlikely”, one of Exxon’s reports said.
It added: “Based on this analysis, we are confident that none of our hydrocarbon reserves are now or will become ‘stranded’.”
Exxon’s projections suggest that fossil fuels are likely still to be providing three quarters of the world’s energy in 2040 – an analysis that is close to that of other forecasters including the International Energy Agency, the rich countries’ watchdog.
Investors including Arjuna Capital, a sustainable investment firm, and As you Sow, a shareholder activist group, had filed proposals for Exxon’s annual meeting in May calling for the company to give its assessment of the risks to its business presented by climate change and emissions policies. The proposals were withdrawn after Exxon agreed to publish its reports.
Andrew Logan of Ceres, an investor group that campaigns on social and environmental issues, said investors disagreed that a low-carbon future was unlikely, and would “continue to push Exxon to align their planning with this reality”

Exxon says it already takes climate change into account in its planning, using a “proxy cost of carbon” to reflect present and future policies to control emissions, which is used in all its investment decisions.
That expected price rises by 2040 to $80 per tonne of carbon dioxide – equivalent to about $35 on a barrel of oil – in rich countries, and to about $30 per tonne in higher-income emerging economies such as China and Mexico.
That contrasts with a price of $200 per tonne that has been estimated as necessary to cut greenhouse gas emissions by 80 per cent.
Exxon argues that it can help to curb emissions by producing gas that can be substituted for higher-emitting coal for power generation.
“We take this issue seriously, and we are doing what we can,” said Ken Cohen, Exxon’s vice-president of public and government affairs.
“We are reducing greenhouse gas emissions by helping customers cut their emissions and by improving the energy efficiency of our own operations.”
Large international oil companies have responded in differing ways to growing investor pressure over stranded asset risk.
Chevron, the second-largest US oil company by market capitalisation behind Exxon, has rejected similar investor proposals for disclosure on carbon risk, and faces a vote at its annual meeting.

“We take this issue seriously, and we are doing what we can”
-         Ken Cohen, Exxon vice-president

BP also dismissed concerns earlier in March, writing in its sustainability review that “we believe that the unburnable carbon approach to assessing the impact of potential climate regulation on a company’s value oversimplifies the complexity of the issue and overstates the potential financial impact”.
Royal Dutch Shell plans to give its views on climate change and greenhouse gas emissions in its sustainability report, due in April, and Total of France also plans additional disclosure on the issue.
Danielle Fugere of As You Sow said investors appreciated that Exxon had decided to publish its reports when other companies had been unwilling to bring their assumptions into the open.

However, she added that they needed more in-depth information. “We will continue working with Exxon and other fossil fuel companies to increase disclosures about these critical issues,” she said.

domingo, 30 de março de 2014

A catástrofe ou a mudança? Editorial / ‘Não há maneira de fazer parar a subida do nível do mar’/ PÚBLICO


EDITORIAL / PÚBLICO
A catástrofe ou a mudança?
O relatório do IPCC mostra que o tempo das ambiguidades quanto às alterações climáticas acabou


Odebate sobre as alterações climáticas tem conhecido várias mutações ao longo dos tempos. A estupefacção que gerou inicialmente traduziu-se ao mesmo tempo em declarações de intenções e no estabelecimento de metas que nunca foram cumpridas e na persistência de um ruído de fundo contestando os avisos dos cientistas e a necessidade de mudança que estava implícita nesses avisos. Num mundo dominado por uma crise global mais premente, a crise económica e financeira, a questão das alterações climáticas foi progressivamente saindo do topo da agenda. A dificuldade em alcançar consensos políticos à escala mundial acentuou essa tendência para desvalorizar uma realidade que nos está a bater à porta. O documento do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) deixa alertas muito sérios aos decisores políticos. E não deixa dúvidas quanto aos riscos para Portugal e para a Europa. Num certo sentido, com este relatório parece ter-se virado uma página. Fala-se pouco de reduções de emissões de gazes com efeito de estufa, por exemplo, e muito de ameaças concretas nos planos da segurança alimentar e das cheias nas zonas do litoral. O impacto nos preços dos cereais da onda de calor que varreu a Rússia em 2009/2010 é um exemplo de como, numa economia interligada, os chamados “eventos extremos” podem ter implicações à escala planetária. No caso de Portugal, e da Europa, o aquecimento global obrigaria a respostas comuns à escala comunitária para enfrentar um novo mapa climático que se desenha. Mais do que uma ameaça projectada no futuro, as alterações climáticas estão a exprimir-se através de cheias ou ondas de calor catastróficas, com custos humanos e económicos incalculáveis. Mas será isso suficiente para a humanidade mudar?




‘Não há maneira de fazer parar a subida do nível do mar’
O físico Filipe Duarte Santos, da Universidade de Lisboa, foi um dos revisores do relatório do IPCC. Coordenador dos primeiros estudos multidisciplinares sobre o impacto das alterações climáticas em Portugal, foi agora escolhido pelo Governo para rever a estratégia de gestão das zonas costeiras.
Entrevista Ricardo Garcia / 31-3-2014 / PÚBLICO

Qual é a principal nova mensagem deste relatório?
O mais importante são as implicações sobre a segurança alimentar a nível global. No quarto relatório [de 2007] não estava dito com tanta clareza. Este quinto relatório evidencia uma preocupação muito grande nessa área a médio e longo prazo.

Quais são os sinais de alarme?
São sobretudo os fenómenos meteorológicos extremos. Por exemplo, uma seca grave numa região que desempenha um papel importante no abastecimento de cereais. Um caso concreto foi a grande seca e onda de calor na Rússia em 2009/2010. A Rússia deixou de exportar e isso teve repercussões mundiais, os preços aumentaram. Como tudo indica que no futuro teremos fenómenos extremos mais frequentes, o impacto na produção agrícola será significativo. As ondas de calor serão um dos principais impactos no Sul da Europa. Está a ser feito o suficiente em termos de adaptação em Portugal? Tem sido feito um trabalho bastante bom pela Direcção-Geral de Saúde e pelo Instituto Ricardo Jorge. Existe um sistema de alerta, o Ícaro, que é bastante bom. Mas temos falhas que resultam também da situação de crise permanente. Sabendo que o mar vai avançar em Portugal, devemos proteger ou demolir as construções em zonas de risco? Há três tipos de resposta. Uma é a protecção. É o que se faz na Holanda: eles têm uma linha, que é a da costa em 1990, que consideram como “fronteira da guerra”. Vão defendê-la. Não é uma estratégia que se possa adoptar para toda a costa portuguesa. Outra opção é acomodar, ou seja, uma protecção mais flexível com a ajuda da natureza, iniciativas de defesa sem obras de engenharia pesadas. E finalmente há outra estratégia que é a retirada. Mas tem de ser muito bem pensada, com a participação das populações. E a informação é essencial. Sem que as pessoas tenham um conhecimento do que se está a passar e do que se irá passar com a subida do nível do mar, o diálogo é extremamente difícil. O IPCC diz que com um grau a mais na temperatura global haverá impactos importantes. Isto significa que o limite de dois graus adoptado internacionalmente já não é seguro? Há um artigo recente que calcula qual é a subida do nível médio do mar que está comprometida com um aumento de um grau na temperatura global. É de 2,3 metros, ao longo de muitos séculos. Não temos maneira de fazer parar isso. Na Costa da Caparica, há 126 mil anos, quando a temperatura global era dois graus mais elevada do que agora, o nível médio do mar era cerca de quatro metros mais alto. É muito arriscado dizer que está tudo bem até dois graus. Os relatórios do IPCC põem um ponto final nas vozes cépticas quanto ao aquecimento global? Creio que não. Há pessoas que defendem que não há alterações climáticas ou de que há imensas dúvidas, sem grande fundamento científico. E isto é alimentado por pessoas que fazem disso uma forma de visibilidade. Portanto, não vai calar os cépticos. É um fenómeno que nos vai acompanhar nos próximos 100, 200 anos. Mesmo quando o nível médio do mar tiver subido um metro, continuará a haver cépticos.

Algumas conclusões globais do relatório
A Terra já está a enfrentar impactos “abrangentes e consequentes” das alterações climáticas. Por exemplo, mudanças no padrão de chuvas e o derretimento da neve e do gelo estão já a alterar o regime hidrológico. Na biodiversidade, também já se nota alteração na distribuição de algumas espécies.

Alimentação
É um dos grande alertas: a produtividade agrícola, a nível mundial, pode cair até 2% por década ao longo do século. Mas o consumo de alimentos poderá subir 14% por década, até 2050. Com apenas um grau Celsius a mais do que os níveis pré-industriais, haverá perdas nas culturas de trigo, arroz e milho nas regiões tropicais e temperadas. Noutras zonas do globo, pode haver ganhos.

Água
Haverá menos água disponível nas regiões secas subtropicais, mas mais nas altas latitudes. Num cenário com uma população mundial 7% maior do que a de hoje, por cada grau a mais no termómetro global, haverá menos 20% de disponibilidade de água.

Cheias
Até 2100, centenas de milhões de pessoas estarão em risco de ser afectadas por cheias no litoral, a maior parte na Ásia. Nos próximos cem anos, o número de pessoas expostas a uma cheia numa bacia hidrográfica será três vezes maior no pior cenário (até 4,8 graus de aumento da temperatura), em comparação com o menos grave (até 1,7 graus).

Conhecimento
A literatura científica sobre os impactos e a adaptação às alterações climáticos mais do que duplicou entre 2005-10, mas há menos estudos nos países em desenvolvimento.

Climate change is a threat to food, security and humankind as a whole. The Guardian

Flooding in Pakistan in 2010, the kind of extreme weather events which the IPCC says is the result of climate change. Photograph: Asif Hassan/AFP/Getty Images

Climate change is a threat to food, security and humankind as a whole
Warming is leading to more volatile weather patterns that are already reducing crop yields, the IPCC has warned
Suzanne Goldenberg in Yokohama

A United Nations report raised the threat of climate change to a whole new level on Monday, warning of sweeping consequences to life and livelihood.

The report from the UN's intergovernmental panel on climate change concluded that climate change was already having effects in real time – melting sea ice and thawing permafrost in the Arctic, killing off coral reefs in the oceans, and leading to heat waves, heavy rains and mega-disasters.

And the worst was yet to come. Climate change posed a threat to global food stocks, and to human security, the blockbuster report said.

“Nobody on this planet is going to be untouched by the impacts of climate change,” said Rajendra Pachauri, chair of the IPCC.

Monday's report was the most sobering so far from the UN climate panel and, scientists said, the most definitive. The report – a three year joint effort by more than 300 scientists – grew to 2,600 pages and 32 volumes.

The volume of scientific literature on the effects of climate change has doubled since the last report, and the findings make an increasingly detailed picture of how climate change – in tandem with existing fault lines such as poverty and inequality – poses a much more direct threat to life and livelihood.

This was reflected in the language. The summary mentioned the word “risk” more than 230 times, compared to just over 40 mentions seven years ago, according to a count by the Red Cross.

At the forefront of those risks was the potential for humanitarian crisis. The report catalogued some of the disasters that have been visited around the planet since 2000: killer heat waves in Europe, wildfires in Australia, and deadly floods in Pakistan.

“We are now in an era where climate change isn't some kind of future hypothetical,” said Chris Field, one of the two main authors of the report.

Those extreme weather events would take a disproportionate toll on poor, weak and elderly people. The scientists said governments did not have systems in place to protect those populations. “This would really be a severe challenge for some of the poorest communities and poorest countries in the world,” said Maggie Opondo, a geographer from the University of Nairobi and one of the authors.

The warning signs about climate change and extreme weather events have been accumulating over time. But this report struck out on relatively new ground by drawing a clear line connecting climate change to food scarcity, and conflict.

The report said climate change had already cut into the global food supply. Global crop yields were beginning to decline – especially for wheat – raising doubts as to whether production could keep up with population growth.

“It has not become evident in some parts of the world that the green revolution has reached a plateau,” Pachauri said.

The future looks even more grim. Under some scenarios, climate change could lead to dramatic drops in global wheat production as well as reductions in maize.

"Climate change is acting as a brake. We need yields to grow to meet growing demand, but already climate change is slowing those yields," said Michael Oppenheimer, a Princeton professor and an author of the report.

Other food sources are also under threat. Fish catches in some areas of the tropics are projected to fall by between 40% and 60%, according to the report.

The report also connected climate change to rising food prices and political instability, for instance the riots in Asia and Africa after food price shocks in 2008.

"The impacts are already evident in many places in the world. It is not something that is [only] going to happen in the future," said David Lobell, a professor at Stanford University's centre for food security, who devised the models.

"Almost everywhere you see the warming effects have a negative affect on wheat and there is a similar story for corn as well. These are not yet enormous effects but they show clearly that the trends are big enough to be important," Lobell said.

The report acknowledged that there were a few isolated areas where a longer growing season had been good for farming. But it played down the idea that there may be advantages to climate change as far as food production is concerned.

Overall, the report said, "Negative impacts of climate change on crop yields have been more common than positive impacts." Scientists and campaigners pointed to the finding as a defining feature of the report.

The report also warned for the first time that climate change, combined with poverty and economic shocks, could lead to war and drive people to leave their homes.

With the catalogue of risks, the scientists said they hoped to persuade governments and the public that it was past time to cut greenhouse gas emissions and to plan for sea walls and other infrastructure that offer some protection for climate change.


“The one message that comes out of this is the world has to adapt and the world has to mitigate,” said Pachauri.

Vitória de Hidalgo em Paris foi consolação para noite negra para o PS. Hollande tenta acordar após bofetada eleitoral de Marine Le Pen


Vitória de Hidalgo em Paris foi consolação para noite negra para o PS
CLARA BARATA 30/03/2014 - 23:11
Eleições municipais deram vitória à direita francesa, com uma mensagem de castigo para François Hollande e recompensas para Marine Le Pen. Saberá o Presidente responder à altura?

Uma “vaga azul” cobriu os municípios franceses, congratulou-se Jean-François Copé: “O primeiro partido de França é a UMP”, afirmou o líder do grande partido do centro-direita, comentando os resultados da segunda volta das eleições municipais em França, que castigaram a governação socialista e entregaram mais 155 cidades com mais de 9000 habitantes ao maior partido do centro-direita. Prémio de consolação para o PS: a vitória de Anne Hidalgo em Paris.

Quanto a Marine Le Pen, a líder Frente Nacional, essa tem outras conquistas que a tornaram a outra estrela da noite: nunca o seu partido de extrema-direita teve um resultado tão bom em eleições locais. Conquistou dez câmaras, no Sul, Leste e no Norte do país, e a presidência do 7º sector em Marselha, uma subdivisão administrativa com 150 mil habitantes. Nas contas finais, a FN ficou até com mais um vereador que o PS.

Marselha era até uma cidade que os socialistas esperavam conquistar, antes de os franceses terem começado a votar. Mas o candidato da Frente Nacional (FN), Séphane Ravier, terá ajudado à derrota do candidato do PS, Patrick Menucci. O resultado foi que o presidente da câmara da UMP, Jean-Claude Gaudin, não só foi reeleito como tem uma enorme maioria absoluta.

O factor FN quase foi a história principal destas eleições. A aposta de Marine Le Pen em construir, tijolo a tijolo, a presença do partido de extrema-direita a nível municipal foi bem-sucedida, com a conquista de pelo menos nove câmaras em cidades de pequenas ou médias dimensões, sobretudo no sul e no leste do país. As apostas em cidades maiores, como Avignon e Perpignan, incomodaram mas acabaram por não vingar.

Curiosamente, das principais figuras do partido, apenas o seu secretário-geral, Steeve Briois, foi bem-sucedido, e logo à primeira volta, em Hénin-Beaumont. Os vencedores da noite foram figuras secundárias, que beneficiaram de dinâmicas próprias dos locais onde se candidataram – como anteriores gestões autárquicas corruptas ou ineficazes. Os dois vice-presidentes Florian Philippot e Louis Aliot não conseguiram a eleição em Forbach e Perpignan, respectivamente. Gilbert Collard, deputado pela FN que era vencedor em Saint-Gilles, viu escapar-lhe a vitória

Morte ao pacto
Jean François Copé tem motivos para se regozijar. Várias grandes cidades com mais de 30 mil habitantes passarem da esquerda para a direita. Entre elas, Toulouse (a quarta maior) ou Limoges, que desde 1912 era gerida pelos socialistas.

O prémio de consolação para o PS foi Paris, onde a socialista Anne Hidalgo ganhou. Pela primeira vez, a capital terá uma mulher como presidente da câmara.

Mas a principal mensagem destas eleições é que são um castigo para o PS por causa da desilusão provocada por François Hollande. Sintomaticamente, em Quimper, o candidato do PS, Bernard Poignant, um conselheiro do Presidente, foi derrotado.

Mas a abstenção atingiu 38%, um nível recorde para umas eleições municipais. Em termos nacionais, a direita obteve 45,91%, a esquerda 40,57% e a extrema-direita 6,87%.

O primeiro-ministro, Jean-Marc Ayrault – que se diz com uma insistência cada vez maior que deverá ser substituído numa remodelação governamental que não tardará –, reconheceu a “responsabilidade colectiva” do Governo e “toda a sua quota-parte de culpa”, assumindo que não terão sido capazes de explicar com toda a “clareza necessária” porque é que a recuperação da economia do país exigiria tantos sacrifícios.

Ségolène Royal, que sonha ser ministra, reclama uma baixa dos impostos. Algo de semelhante pede a ala esquerda do PS, que exige o abandono do “Pacto de Responsabilidade”,  que Hollande anunciou com toda a pomba no início do ano, e prevê um alívio nos impostos cobrados às empresas e aos trabalhadores independentes no valor de 30 mil milhões de euros, e economias de 50 mil milhões de euros na despesa pública até 2017.
CLARA BARATA 30/03/2014 - PÚBLICO
Eleições municipais deram vitória à direita francesa, com uma mensagem de castigo para François Hollande e recompensas para Marine Le Pen. Saberá o Presidente responder à altura?

Uma “vaga azul” cobriu os municípios franceses, congratulou-se Jean-François Copé: “O primeiro partido de França é a UMP”, afirmou o líder do grande partido do centro-direita, comentando os resultados da segunda volta das eleições municipais em França, que castigaram a governação socialista e entregaram mais 155 cidades com mais de 9000 habitantes ao maior partido do centro-direita. Prémio de consolação para o PS: a vitória de Anne Hidalgo em Paris.

Quanto a Marine Le Pen, a líder Frente Nacional, essa tem outras conquistas que a tornaram a outra estrela da noite: nunca o seu partido de extrema-direita teve um resultado tão bom em eleições locais. Conquistou dez câmaras, no Sul, Leste e no Norte do país, e a presidência do 7º sector em Marselha, uma subdivisão administrativa com 150 mil habitantes. Nas contas finais, a FN ficou até com mais um vereador que o PS.

Marselha era até uma cidade que os socialistas esperavam conquistar, antes de os franceses terem começado a votar. Mas o candidato da Frente Nacional (FN), Séphane Ravier, terá ajudado à derrota do candidato do PS, Patrick Menucci. O resultado foi que o presidente da câmara da UMP, Jean-Claude Gaudin, não só foi reeleito como tem uma enorme maioria absoluta.

O factor FN quase foi a história principal destas eleições. A aposta de Marine Le Pen em construir, tijolo a tijolo, a presença do partido de extrema-direita a nível municipal foi bem-sucedida, com a conquista de pelo menos nove câmaras em cidades de pequenas ou médias dimensões, sobretudo no sul e no leste do país. As apostas em cidades maiores, como Avignon e Perpignan, incomodaram mas acabaram por não vingar.

Curiosamente, das principais figuras do partido, apenas o seu secretário-geral, Steeve Briois, foi bem-sucedido, e logo à primeira volta, em Hénin-Beaumont. Os vencedores da noite foram figuras secundárias, que beneficiaram de dinâmicas próprias dos locais onde se candidataram – como anteriores gestões autárquicas corruptas ou ineficazes. Os dois vice-presidentes Florian Philippot e Louis Aliot não conseguiram a eleição em Forbach e Perpignan, respectivamente. Gilbert Collard, deputado pela FN que era vencedor em Saint-Gilles, viu escapar-lhe a vitória

Morte ao pacto
Jean François Copé tem motivos para se regozijar. Várias grandes cidades com mais de 30 mil habitantes passarem da esquerda para a direita. Entre elas, Toulouse (a quarta maior) ou Limoges, que desde 1912 era gerida pelos socialistas.

O prémio de consolação para o PS foi Paris, onde a socialista Anne Hidalgo ganhou. Pela primeira vez, a capital terá uma mulher como presidente da câmara.

Mas a principal mensagem destas eleições é que são um castigo para o PS por causa da desilusão provocada por François Hollande. Sintomaticamente, em Quimper, o candidato do PS, Bernard Poignant, um conselheiro do Presidente, foi derrotado.

Mas a abstenção atingiu 38%, um nível recorde para umas eleições municipais. Em termos nacionais, a direita obteve 45,91%, a esquerda 40,57% e a extrema-direita 6,87%.

O primeiro-ministro, Jean-Marc Ayrault – que se diz com uma insistência cada vez maior que deverá ser substituído numa remodelação governamental que não tardará –, reconheceu a “responsabilidade colectiva” do Governo e “toda a sua quota-parte de culpa”, assumindo que não terão sido capazes de explicar com toda a “clareza necessária” porque é que a recuperação da economia do país exigiria tantos sacrifícios.

Ségolène Royal, que sonha ser ministra, reclama uma baixa dos impostos. Algo de semelhante pede a ala esquerda do PS, que exige o abandono do “Pacto de Responsabilidade”,  que Hollande anunciou com toda a pomba no início do ano, e prevê um alívio nos impostos cobrados às empresas e aos trabalhadores independentes no valor de 30 mil milhões de euros, e economias de 50 mil milhões de euros na despesa pública até 2017.


Hollande tenta acordar após bofetada eleitoral de Marine Le Pen
CLARA BARATA 30/03/2014 – PÚBLICO

Na segunda volta das eleições municipais, a esquerda deve perder uma centena de municípios. O Governo socialista aguarda a remodelação decidida pelo Presidente, sem mudança de estratégia.
Khalid, filho de mineiros, vive em Hombourg-Haut, uma velha cidade medieval no Leste de França, junto à fronteira com a Alemanha, no departamento de Moselle. É uma das zonas onde a direita – e a extrema-direita – ganhou terreno nas eleições municipais, que hoje terão a segunda volta. “Quando François Hollande foi eleito, fiquei feliz. Votei nele por convicção. Estou decepcionado, o PS e a UMP [o maior partido do centro-direita] são parecidos. Não aderi, mas compreendo que se vote na Frente Nacional”, diz.

No seu município, que fica na antiga bacia mineira do carvão – o último poço que era explorado encerrou em 2004, relata o jornal Le Monde – a vida parece ter parado. Ali vivem 7400 pessoas, mas em dez anos desapareceram para outras paragens entre 4000 e 5000 habitantes. Resta um café aberto, e um único supermercado. No centro desta antiga cidade medieval fortificada, edificada no século XIII pelos bispos de Metz, que fica a apenas 50 km, só se vêem pessoas idosas, relata o diário francês. A taxa de desemprego entre os jovens com menos de 26 anos ronda os 50%.

“Os idosos vêem os jovens por aí a rondar, e sentem-se inseguros. Marine Le Pen [a líder da Frente Nacional] cavalga a onda da incompetência dos outros e da crise económica”, afirma Khalid.

O que ele diz é certificado pelos analistas e politólogos que descascaram o sucesso eleitoral na primeira volta do partido de Marine Le Pen: os candidatos apoiados pela Frente Nacional (FN) ficaram à frente em 17 municípios e passaram à segunda volta em 229 comunas com mais de 10.000 habitantes, com hipóteses de conseguir obter uma mão-cheia de presidências de câmara, para além de Hénin-Beaumont, que ganharam logo à primeira volta.

“A maior parte dos municípios onde os candidatos da FN se implantaram eram mal muito mal geridos. Isso atenuou o receio da FN”, disse em entrevista ao Le Monde Sylvain Crépon, investigador da Universidade de Nanterre e membro do Observatório das Radicalidades Políticas da Fundação Jean-Jaurès, especialista em Frente Nacional.

Se o Partido Socialista tinha montado desde o Verão uma campanha para combater a FN no plano dos valores, com o primeiro-secretário Harlem Désir a lançar um “combate cultural e político” contra as ideias frentistas – como a recusa da imigração e do Islão, ou da União Europeia – a estratégia da FN para as eleições municipais foi a de manter a ideologia em perfil baixo. “Fizeram campanha sobre as vias públicas, o comércio, o emprego local, para não atemorizar. O que foi pedido aos candidatos foi que dessem a aparência de serem gestores, com um programa local”, explicou Sylvain Crépon.

Volte e explique-se
O Presidente, François Hollande, em 2012 passou por Hombourg-Haut e fez um discurso mobilizador em cima de um camião de caixa aberta, destinado a conquistar os corações do eleitorado de uma zona que já então se virava para o canto da sereia Le Pen. “Não teremos necessidade de rejeitar os que não fizeram a mesma escolha que nós. Vamos precisar dessa reconciliação, dessa mudança, dessa união”, afirmou.

Rachid estava lá. “Era uma sexta-feira, e francamente, acreditei. Era preciso mandar o Sarkozy embora, que nos via como se fôssemos lixo. Mas Hollande enganou-nos com um discurso de veludo. Tenho 36 anos, já não tenho direito às ajudas reservadas aos mais novos e agora tenho menos trabalho por causa da fiscalização das horas extraordinárias. Talvez a crise se tenha agravado, mas parece-me que Sarkozy a geria melhor”, afirmou ao Le Monde.

Khalid também ouvi o discurso de Hollande nesse dia, e enviou um email para o Palácio presidencial, em Paris, em representação de vários outros habitantes do município em 2013, convidando o Presidente a voltar a Hombourg-Haut  para se explicar – porque é que a política que seguia era tão diferente do discurso mobilizador que tinha feito ali? “O que nos tinha dito, era só para ganhar o tacho?”, interroga-se, mostrando ao repórter do diário francês a resposta, recusando o convite.

François Hollande fez saber  que o Governo deve “ouvir os franceses e tirar as lições” devidas aos resultados destas eleições. Após a” bofetada” dada pelos eleitores, o Governo “deve trabalhar com mais força, mais coerência e justiça social para a recuperação do país”, disse o Presidente, através da porta-voz do Executivo, a ministra Najat Vallaud-Belkacem.

Mas o que tem o Presidente para oferecer de novo? Na verdade, pelo que se viu até agora, nada. A maior mudança será a remodelação governamental – que já estava a ser planeada antes das eleições, quando ninguém no PS francês antecipava um resultado tão penalizador nas eleições. É provável que saia o próprio primeiro-ministro, Jean-Marc Ayrault, e muito se especula que seja substituído pelo actual ministro da Administração Interna, Manuel Valls – o governante mais popular.

Valls tem muitos apoiantes – embora não entre os verdes e a Europa Ecologia, parceiros de coligação no Governo. Como “primeiro polícia de França”, com uma polícia agressiva de deportações de ciganos da Europa de Leste, gera algumas resistências nos sectores mais à esquerda. Mas é também um potencial rival para Hollande – é um socialista com perfil de candidato à Presidência da República.

Quem substituir Ayrault terá de pilotar o que é o plano-mestre do Governo para os próximos anos: o “pacto de responsabilidade”, a estabelecer entre o Estado e as empresas francesas, que prevê um alívio nos impostos cobrados às empresas e aos trabalhadores independentes no valor de 30 mil milhões de euros, e economias de 50 mil milhões de euros na despesa pública até 2017.


Este pacto avançará sempre, embora estejam a ser preparados alguns cortes nos impostos para as famílias de menores rendimentos, a apresentar no fim de Abril, que podem representar 2000 a 3000 milhões de euros.