Estratégias para uma reforma do Estado
04/05/2013 Editorial / Público
O Governo fala em diálogo, mas precisa de provar que está realmente disposto a ouvir
Pela primeira vez em Portugal, um primeiro-ministro disse claramente que o Estado vai dispensar um número significativo de funcionários públicos e que a idade mínima da reforma vai aumentar para os 66 anos. Independentemente dos "como" destes processos, e ainda que os "como" sejam tudo menos irrelevantes, a discussão sobre a reforma do Estado mudou ontem em Portugal. Deixou de se situar no domínio do teórico para se situar no campo do prático. Mesmo que muitas das medidas apresentadas já fossem conhecidas, o anúncio de Passos Coelho ao país teve esse efeito. Num discurso eficaz e bem estruturado, ao contrário de anteriores anúncios públicos de medidas de grande relevância em que o primeiro-ministro havia sido desajeitado ou mesmo atabalhoado, desta vez a comunicação atingiu os objectivos. Resta saber se terá sido igualmente eficaz quanto à obtenção de um consenso político em torno desta reforma, como pretende o Governo.
Todos em Portugal sabem que a reforma do Estado é inadiável e incontornável. Por circunstâncias que transcendem em muito o "chumbo" do Tribunal Constitucional (TC), como é o caso do aumento da idade de reforma. É sabido que incrustado no sistema retributivo público não está apenas o Estado social. Existe também uma captura dos recursos de todos por grupos de interesse que não é tolerável, sobretudo em tempos de crise. E, como se esperava, Passos Coelho inverteu o argumento da igualdade usado pelos juízes do TC para abrir caminho à equiparação entre o público e o privado. Haverá muito provavelmente um apoio a este caminho na opinião pública que não será dispiciendo. Não se sabe é se serão atingidos esses grupos de interesses ou os funcionários comuns.
A questão, portanto, está no como, nos modos de fazer. Ou seja, naquilo que poderá, ou não, ser conduzido à mesa do debate público que o Governo, empurrado pela troika, se propõe fazer. É sabido que as condições políticas para esses consensos são piores do que nunca e que o Governo já delapidou muito do capital político indispensável para chegar a esse objectivo. O discurso de Passos Coelho não melhorou esse estado de coisas. Pela simples razão de que o enquadramento político das medidas - que era o essencial da comunicação do primeiro-ministro - é tudo menos convincente quanto ao crescimento económico. E continua a basear-se no pressuposto, falacioso, de que a alternativa ao caminho do Governo é um segundo resgate ou a saída do euro. Também pela evidência de que estas medidas assentam no pressuposto de um país mais pobre. É o que se subentende da proposta de utilizar a evolução do todo da massa salarial como base para o cálculo das reformas ou de introduzir uma taxa permanente sobre as pensões. Certo é que a questão da reforma do Estado chegou tarde e que os consensos deviam ter sido procurados há muito. E vai ser quase impossível encontrá-los quando se precisa de reformar à pressa.
A reforma das reformas
Por Bagão Félix in Público
04/05/2013
Todos o dizem: a reforma do Estado é a reforma das reformas. Mas não nos entusiasmemos. Reforma(s) sim, mas dos pensionistas. A reforma do Estado é uma mera resultante financeira. Não é uma exigência institucional. Ou - sem querer ser injustamente especulativo - será um desígnio ideológico de um Estado socialmente inferior e supletivo?
Concordo com o PM quando diz que o debate não é entre austeridade e não austeridade. Estando o país limitado a uma relação financeira entre o credor e o devedor, este cumpre as metas que lhe são impostas. Mas o PM sabe que não estamos condenados à unicidade das medidas sempre sobre os mesmos.
São justificáveis alguns dos propósitos enunciados, em particular no que se refere a uma maior convergência das relações laborais entre o público e o privado.
Mas, ao mesmo tempo, é confrangedor ver a ligeireza técnica e a insensibilidade com que se trata a questão social. Qualquer reforma da Segurança Social (para além do que já foi feito e que nos coloca nos países que mais avançaram) demora anos, não pode ser guiada por cortes determinados por uma pura lógica de curto-prazo. Estas matérias nos países evoluídos são exaustivamente debatidas por quem sabe e não determinadas por artesãos orçamentais que, acriticamente, não enxergam para além da contabilidade. Criámos mais uma originalidade mundial em matéria de pensões: a "reforma-de-fundo-para-o-dia-seguinte"!
Diz-se que não há aumento de impostos, mas anuncia-se uma eufemística contribuição para a sustentabilidade das pensões que é um imposto de constitucionalidade mais que duvidosa. Passa-se para os 66 anos a idade para se receber a pensão sem penalização ao ajustar-se (leia-se: retroagir a 2000) o factor de sustentabilidade. Mas o PM não esclareceu se esta medida e as relativas à CGA se aplicam aos que já se reformaram. Para se atingirem os 4 mil milhões, tudo indica que sim...
Pulveriza-se o sistema previdencial, destrói-se a sua base contributiva já tão debilitada. A Segurança Social fica definitivamente refém das Finanças que assim consumaram uma almejada OPA hostil e gratuita sobre o direito de propriedade que, no fundo, constituem as pensões. Contra os indefesos reformados, alvo de todas as sevícias orçamentais de Gaspar e seus ajudantes, só falta, caricaturalmente, decretar que a esperança média de vida de um pensionista não pode exceder o que for determinado pelo quarteto (troika+MF). Como é tão delicado alterar um contrato de renda ou PPP e é tão imponderadamente alterável um contrato de uma pensão contributiva!
E com tantos milhões retirados ao rendimento disponível das famílias como pode o Governo ter apresentado há dias o DEO (Documento de Estratégia Orçamental) com o consumo privado já a crescer ainda que pouco (0,1%)? Milagre? Macro-alquimia? Também depois de ouvir o PM falar nos cortes nos consumos intermédios, como se explica que, no mesmo DEO, estas despesas em 2014 não desçam em percentagem do PIB? Sobre o desemprego, o silêncio... Economista
O pacote da“miserabilização” nacional
Por Eduardo Oliveira Silva publicado em 4 Maio 2013 in (jornal) i online
Realmente Passos Coelho não aumentou impostos. Optou por ir directamente ao ganha--pão de cada uma das pessoas que trabalham para o Estado ou daquelas que descontaram uma vida inteira e têm reformas ou pensões.
Num discurso deficiente na substância e confuso na forma, o primeiro-ministro embrulhou a essência das coisas numa série de trapalhadas quase sem nexo. Os factos são os cortes em salários públicos, pensões e despesas sociais, pois é dessas que se trata nos anunciados cortes de 10% nos ministérios. São cortes e mais cortes para fazer frente ao que chamou emergência nacional, ou seja, o estado a que o país chegou pela sua mão e pela de Gaspar. São 4,8 mil milhões de euros que Passos fingiu querer discutir, mas vai impor sem diálogo, ao longo dos próximos anos e no Orçamento Rectificativo.
O que mais aflige é o ataque a reformados e pensionistas. É um modelo insensível, impiedoso e injusto. Afecta os mais indefesos, os que já contribuíram e não têm expectativa de melhorar a sua vida. É certo que protege mais as pensões mais baixas, mas a regra das pensões é corresponderem a descontos.
Noutros campos o discurso foi oco. Sobre o desemprego nada. Sobre retoma quase nada. Sobre PPP e swaps nada de nada. É lamentável e triste.
O discurso de Passos foi a concretização de medidas já genericamente inseridas no Documento de Estratégia Orçamental (DEO), que as embrulha de miserabilismo num preâmbulo vergonhoso, que mais parece escrito por um alemão de direita ou por um daqueles fanáticos chamados “verdadeiros finlandeses”.
Sem o menor pudor ou respeito pelos portugueses e pelos sacrifícios que têm feito desde 2008, o documento arrasa tudo, fala em atavismos, e no fundo tem subjacente um preconceito antipatriótico, porque não fala da agiotagem, das vigarices e das roubalheiras montadas por consórcios internacionais para usarem deliberadamente os países do Sul.
Depois desse primeiro enquadramento, patético e pateta,
O DEO entusiasma-se com as medidas que o actual governo tem levado a efeito desde 2011, tecendo-lhes loas e elogios tão ditirâmbicos como absurdos. Absurdos porque estão assentes em pressupostos errados e objectivos inatingíveis, mas sobretudo porque o documento ignora olimpicamente uma realidade social que está muito próxima da ruptura. E ignora também que, desde a chegada catastrófica de Vítor Gaspar, todos, mas mesmo todos, os indicadores se têm degradado com as sucessivas medidas de austeridade recessivas. Ainda ontem a União Europeia se mostrava mais uma vez pessimista relativamente a Portugal. Foi outro outlook negativo a juntar a muitos.
Quem tenha lido o DEO não ficou minimamente surpreendido com as medidas que Passos Coelho anunciou ao cair da noite de ontem, porque elas não passam de mais uma decorrência de uma visão que “miserabiliza”o país.
O lado manhoso da comunicação Sexta-feira, 20 horas. Fim-de-semana já em curso. Toca de apresentar as más notícias ao pagode, que está mais virado para o repouso. Ainda por cima o futebol está ao rubro. Da última vez foi meia hora antes de um jogo. Não há jornais de economia e os outros têm pouco tempo para a análise. Os mercados estão fechados. Portas desapareceu outra vez. Artimanhas.
Passos de miséria
Por Ana Suspiro e António Ribeiro Ferreira
publicado em 3 Maio 2013 in (Jornal) i online
Primeiro-ministro disse à noite que vai conciliar austeridade com crescimento. Comissão Europeia disse de manhã que recessão vai ser pior com os cortes do governo Alguém está errado. De manhã, a Comissão Europeia avisou que vai rever em baixa as previsões económicas de Portugal depois de conhecidos os cortes na despesa do Estado em 2013 e nos anos seguintes (ver páginas 8 e 9). À noite, na comunicação ao país, Passos Coelho defendeu que esta segunda fase da reforma do Estado vai acontecer em simultâneo com o crescimento da economia.
Num discurso longo, de 28 minutos, o primeiro-ministro justificou os cortes de 4800 milhões até 2015 com um ultimato da troika: sem estes cortes, que compensem os chumbos do Tribunal Constitucional a quatro normas do Orçamento do Estado, e as propostas de redução da despesa pública, estruturais e permanentes de médio e longo prazo, a sétima avaliação não seria fechada, a tranche de 2 mil milhões não seria paga e o prolongamento das maturidades por mais sete anos para o pagamento da dívida aos fundos europeus seria chumbado. Mais do que isso. Portugal entrava em incumprimento e arriscava um segundo resgate e mesmo a saída do euro.
Passos Coelho, depois de enumerar o rol de medidas de austeridade, voltou ao crescimento, elogiou o memorando apresentado pelo ministro da Economia e afirmou que "chegou o momento de relançar o investimento privado".
Além do crescimento a par da austeridade e do investimento privado, o primeiro-ministro falou da importância do regresso aos mercados. "A margem na Europa é estreita, mas é grande a confiança na Europa em Portugal", salientou Passos Coelho, que dedicou poucas palavras às possíveis mudanças na política europeia. O primeiro- -ministro acha desejável que isso aconteça, mas adiantou que até lá é preciso cumprir. E falou do caminho da Irlanda: "Estamos próximos da experiência irlandesa, que leva meio ano de avanço. As dificuldades têm sido muitas, mas as medidas foram tomadas num ambiente de consenso político assinalável." Foi a passagem para o tema seguinte, o apelo ao diálogo com as forças da oposição, o bom senso e, claro, o consenso em torno da segunda fase da reforma do Estado, como lhe chama Passos Coelho. Uma reforma cujo guião, a cargo de Paulo Portas, será divulgado a curto prazo. Para este apelo ter algum sentido, o primeiro-ministro mostrou-se aberto a aceitar alternativas, com uma condição: que tenham o mesmo efeito na redução da despesa do Estado.
RECTIFICATIVO NO FIM DO MÊS O secretário de Estado do Orçamento, Luís Morais Sarmento, afirmou ontem no parlamento que o Orçamento Rectificativo com as medidas para compensar o desvio orçamental deste ano será apresentado só no final de Maio. O Orçamento Rectificativo terá de conter as alterações orçamentais que permitam ao governo cumprir a meta do défice revista de 5,5% do PIB para este ano, depois dos buracos de 500 milhões provocados pela deterioração da conjuntura e assumido em Março pelo ministro das Finanças e de 1326 milhões de euros do chumbo do Tribunal Constitucional a quatro normas do Orçamento do Estado, num total de 1823 milhões.
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