CRISE NA
IMPRENSA
Impresa à
beira do precipício e a arrastar a SIC
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Pedro
Almeida Vieira
https://paginaum.pt/2025/03/18/impresa-a-beira-do-precipicio-e-a-arrastar-a-sic
18/03/2025
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Foi a
galinha de ovos de ouro, depois passou a ser a vaca que dava leite; agora mostra mais ser uma cabra vampirizada até à
última gota de sangue – este pode bem um possível retrato alegórico da SIC, a
empresa televisiva da Impresa, e a história de uma ‘mãe’ que está a matar a
‘filha’.
Na semana
passada, na divulgação dos resultados da
Impresa, a holding controlada pela família Balsemão – embora com uma parte
distribuída em bolsa – revelou que “face à evolução de determinadas actividades
nos segmentos de Televisão e da Infoportugal” tinham revisto os valores dos
activos, na componente do ‘goodwill’, implicando uma imparidade da ordem dos
60,7 milhões de euros. O impacte contabilístico foi brutal, adicionado a
provisões de 5,3 milhões de euros: um prejuízo anual de 66,2 milhões de euros. De
um ano para o outro, os capitais próprios da Impresa terão caído de valor cerca
de 40%.
Porém, mais
grave do que isso, para além dos sinais para o mercado de uma holding
endividada, são os reflexos desta desvalorização. Em abono da verdade, a
redução do goodwill da Impresa é uma diminuição de um valor que efectivamente
nunca existiu; era artificial. Isto porque o goodwill da holding Impresa – que
antes desta revisão estava definido como valendo 251 milhões de euros – tinha
sido ‘fabricado’. ↓
De facto, a
origem deste goodwill registado no balanço consolidado da Impresa não resultou
de aquisições externas, nem de operações de expansão que tivessem trazido valor
acrescentado ao grupo. Aquilo que a holding fez, ao longo dos anos, foi
reavaliar internamente as suas próprias subsidiárias, em particular a SIC,
atribuindo-lhes um valor superior ao seu valor contabilístico líquido e
registando essa diferença como goodwill.
Para
financiar estas operações internas de reestruturação e ‘compra’ das
participadas, a Impresa recorreu a dívida bancária. Ou seja, criou-se um activo
intangível assente em expectativas futuras, enquanto se aumentava o passivo
financeiro com empréstimos que suportaram esta operação meramente
contabilística. Agora, a imparidade de 60 milhões de euros reconhecida sobre
esse goodwill revela aquilo que o mercado já pressentia: o grupo vale menos do
que anunciava, e a principal fonte de valor, a SIC, está fragilizada, sem
margem para sustentar por muito mais tempo uma holding que vive da sua
exploração.
Durante anos, este goodwill’ da Impresa –
completamente separado do valor dos activos intangíveis da SIC, que são de
apenas cerca de 17 milhões – justificava-se pela capacidade dos canais
televisivos fazerem dinheiro. E fizeram muito. Considerando os resultados da
empresa SIC em 2024, os seus lucros acumulados desde 2019 são bastante
expressivos: cerca de 69 milhões de euros. Porém, toda esta verba tem
integralmente canalizada, como dividendos para a ‘casa-mãe’ Impresa, limitando
a capacidade de novos investimentos ou mesmo a redução da própria dívida da
SIC. Pior: apesar deste fluxo lucrativo, em forte queda nos últimos anos (em
2024, os lucros foram apenas de cerca de 25% dos de 2021), tem-se assistido ao
aumento do passivo da SIC em mais de 50 milhões de euros, porque a ‘filha’
também empresta dinheiro ‘mãe’ e até lhe serve de ‘fiadora’.
O paradoxo é
evidente. A SIC lucra, mas não capitaliza. Os lucros são integralmente drenados
pela Impresa e, não restando liquidez na operadora de televisão, recorre-se à
dívida bancária para manter a actividade corrente e financiar investimentos e
sustentar a holding Impresa. A SIC faz dívida para pagar dividendos e ainda faz
dívida para emprestar à sua própria accionista. O que deveria ser um ciclo
virtuoso de criação e retenção de valor, transformou-se num círculo vicioso de
endividamento crescente e dependência financeira, resultando na fragilização
estrutural da SIC.
Esta é a
realidade que os números expõem de forma clara e inequívoca. Ao longo dos
últimos anos, a SIC foi sucessivamente espoliada dos seus resultados
operacionais positivos para garantir a sobrevivência financeira da Impresa. A
holding, esvaziada de actividade produtiva própria, não tem tido qualquer
capacidade de gerar fluxos de caixa que não resultem da exploração directa da
sua subsidiária.
Francisco
Pinto Balsemão: a queda de um império de media está iminente.
A SIC é o
pulmão e o coração financeiro da Impresa. Sem ela, a holding não viveria, até
porque as portas dos bancos se fecharam desde 2017 – a partir desse ano
praticamente não se registam fluxos de caixa provenientes de empréstimos
bancários directos à Impresa. E assim, como qualquer organismo parasitário, a
Impresa tem vindo a alimentar-se dos recursos da SIC sem nada devolver que
reforce a vitalidade da sua operadora.
Excluindo
ainda os lucros de 2024, note-se que os dividendos entregues à Impresa pela SIC
– controlada pela família Balsemão – totalizam, entre 2019 e 2023, um total de
64,9 milhões de euros, uma soma considerável num sector pressionado pela quebra
da publicidade televisiva tradicional e pela concorrência das plataformas de
streaming. Ou seja, em vez de servir para reforçar o capital próprio da SIC, ou
para amortizar a dívida bancária que, em Junho de 2024, atingiu 94,5 milhões de
euros, esse valor foi integralmente entregue à ‘casa-mãe’, também controlada
pela família Balsemão.
Como se não
bastasse, uma vez que a própria SIC foi ainda forçada a conceder sucessivos
empréstimos à Impresa (85 milhões de euros), com maturidade de dez anos e com
reembolso apenas em 2029, isto significa que, no curto e médio prazo, tem
imobilizados recursos significativos em favor de uma holding cuja única
estratégia parece ser sugar o que resta do activo que detém. Além disso, não
existem garantias de que o empréstimo de 85 milhões de euros seja devolvido à
SIC.
Observando
as demonstrações dos fluxos de caixa dos últimos anos, observa-se que a SIC tem
sido o ‘banco’ da Impresa, à medida que os verdadeiros bancos fecham a porta
pelo risco de incumprimento. Em 2017, a SIC emprestou à ‘mãe’ quase 10,3
mihõoes de euros em dinheiro vivo; em 2018 foram mais 48,8 milhões; em 2019
mais 45,8 milhões; em 2021 mais 1,1 milhões; e em 2023 quase três milhões. Só
uma parte foi devolvida.
Este ciclo
de extracção financeira gerou um paradoxo que salta à vista de qualquer
análise, mas que parece escapar à gestão da Impresa: uma empresa que lucra, a
SIC, não é já uma cadeia de televisões; serve para fazer fluir dinheiro para a
holding, custe o que custar, mesmo que se endivide cada vez mais – até porque
já ninguém empresta um tostão directamente à Impresa. Na verdade, observando as
contas da empresa SIC, constata-se de imediato uma dependência crescente dos
financiamentos externos, enquanto sustenta uma holding que nada parece fazer
para aliviar a sua carga de dívidas e de custos.
O resultado
é uma fragilização estrutural da SIC, que arrisca acabar com a existência tanto
da principal subsidiária da família Balsemão como da holding, já condenada. O
passivo total da SIC subiu de 123,4 milhões de euros em 2018 para 170,6 milhões
de euros em Junho de 2024 – a Impresa não revela ainda o balanço do final do
ano da sua subsidiária. Um agravamento de mais de 47,2 milhões de euros, não
obstante a geração de lucros anuais e o reconhecimento contabilístico de uma
operação que, em si mesma, continua a ser rentável. Esta dicotomia revela
aquilo que é hoje a essência da relação entre a Impresa e a SIC: a primeira já
não é uma holding no sentido clássico, mas sim um organismo dependente que
parasita o seu activo produtivo até à exaustão.
Mas mesmo
com a drenagem constante de recursos da SIC, nem a Impresa conseguiu travar o
esvaziamento do seu património. O sinal mais visível do esgotamento do modelo
parasitário reside na queda abrupta do capital próprio consolidado do grupo. De
uma ‘folga patrimonial’ de 156 milhões de euros – se bem que algo ‘maquilhada’
–, a Impresa terá passado agora, com o reconhecimento da imparidade e
consequentes prejuízos de 66,2 milhões de euros – para cerca de 96 milhões.
Além da
queda abrupta do valor – com sinais fortes de que o sector televisivo estará em
crise –, a Impresa agravou fortemente os seus principais rácios. Embora não
tenha ainda sido divulgado o passivo de 2023, a solvabilidade da Impresa anda
pelas ruas da amargura. Além disso, como a maioria dos activos da Impresa são
‘artificiais’ – ou seja, são o tal ‘goodwill’ (que representava 71% do total em
2023) –, a confiança do mercado começa a aproximar-se do zero.
Aguardando-se
ainda o relatório e contas final para o ano de 2024, a autonomia financeira da
Impresa deverá agora rondar os 30%, algo que, em muitos sectores, mostra sinais
de exposição excessiva à dívida. No caso da Impresa, trata-se de um indicador
ainda mais preocupante, porque a holding não possui activos patrimoniais
robustos, não gera cash flow operacional próprio e depende quase exclusivamente
da SIC para sustentar as suas contas. A composição dos activos – dominada por
intangíveis como o goodwill, agora desvalorizado – agrava o risco.
Em 2023, se
se excluísse o goodwill, os activos da Impresa situavam-se em apenas em 110
milhões de euros, dos quais 22 milhões do edifício que recompraram em 2022 e
que será vendido para dar liquidez. A parte restante distribui-se sobretudo por
direitos de transmissão de programas 42,7 milhões de euros), créditos sobre
clientes (21,8 milhões de euros) e dinheiros em caixa (13,2 milhões). Esta
última parcela pode parecer imensa, mas não é: os custos operacionais em 2023
foram, em média, de quase 14,3 milhões de euros por mês, a que acresceu quase
um milhão de euros de pagamentos de juros e outros custos financeiros.
Na verdade,
se observamos as contas individuais da Impresa, antes da consolidação das
contas das suas subsidiárias, a holding controlada pela família Balsemão é hoje
financeiramente estéril, dependendo integralmente da liquidez gerada pela SIC
para pagar os seus compromissos correntes, incluindo o serviço da sua própria
dívida. A Impresa vive do que a SIC lhe transfere, não gera valor, nem
contribui para a resiliência do grupo. Ou seja, reiterando o que se expôs,
estamos perante um modelo de exploração financeira em que a Impresa actua como
um parasita, retirando tudo o que pode da SIC sem garantir o seu futuro. E o
futuro está a acabar.

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