“É que segundo as
estimativas a Península Ibérica vai transformar-se num imenso deserto
inabitável.”
ANTÓNIO SÉRGIO
ROSA DE CARVALHO
“Aprés nous le déluge” / 13 de Outubro de 2018
/ Público
AMBIENTE
Península Ibérica vai “assar” com aumento de temperatura,
diz estudo
Estudo da Universidade de Aveiro prevê aumentos de dois a
três graus até 2100 na temperatura média na região da Península Ibérica. No caso
de Portugal, há zonas que podem registar aumentos de quatro a cinco graus nas
máximas diárias.
Andrea Cunha
Freitas 18 de Novembro de 2020, 13:40
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Uma equipa de
cientistas da Universidade de Aveiro (UA) publicou um artigo na revista Climate
Dynamics que conclui que as temperaturas da Península Ibérica vão aumentar de
forma “muito preocupante” durante este século. O trabalho projectou e analisou
as temperaturas de superfície na Península Ibérica para dois períodos futuros,
o primeiro de 2046 a 2065 e o outro de 2081 a 2100, e as previsões indicam que
até 2100 podem ser registados “aumentos da temperatura média de dois a três
graus ao longo de todo o ano, o suficiente para causar graves impactos no meio
ambiente e na saúde pública”. Em Portugal, refere o comunicado divulgado esta
quarta-feira sobre o estudo, “há mesmo regiões que poderão registar aumentos de
quatro a cinco graus centígrados nas máximas diárias”.
O título do
comunicado da UA é claro: “Aumentos das temperaturas vão ‘assar’ a Península
Ibérica.” O tom pode até ser um pouco alarmista, mas a verdade é que os dados
que levam a esta constatação são realistas e as previsões após os cálculos dos
cientistas são, de facto, motivo para estarmos preocupados. “As implicações
poderão ser enormes”, avisa David Carvalho, cientista do Centro de
Feitas as contas
aos aumentos de temperatura projectados no estudo, o investigador contabiliza
que “o número de dias por ano com temperaturas máximas acima dos 40 graus
centígrados poderá aumentar até cerca de 50 dias por ano no final deste
século”. Ou seja, sublinha, “daqui a algumas décadas poderemos ter três meses
por ano onde as temperaturas máximas diárias são acima de 40 graus Celsius, se
bem que esta tendência é mais predominante no Centro-Sul de Espanha e não tanto
para Portugal”.
O cenário
apresentado pelos investigadores da UA é inquietante, actualizado e detalhado,
mas não é novo. Há muito tempo que os especialistas em clima vêm alertando para
o risco de o aquecimento global conseguir vir a transformar o Sul de Portugal e
Espanha num verdadeiro deserto. Um estudo divulgado já em 2016, por exemplo,
que foi publicado na revista Science e que foi elaborado por cientistas da do
Centro Nacional de Investigação Científica francês já anunciava que, se não
fosse invertido o actual ciclo de aquecimento global, a Península Ibérica
poderia transformar-se num deserto até 2100. Um outro estudo que, aliás, também
foi apresentado há alguns anos, em 2017, por investigadores da UA também já
alertava para as ondas de calor que iria atingir a Península Ibérica e que,
segundo este trabalho, deveriam aumentar cinco vezes nos próximos 100 anos.
Independentemente
do prazo proposto para a concretização desta trágica previsão, o certo é que
estes aumentos de temperatura terão seguramente “consequências significativas
para a saúde humana, mas principalmente para o meio ambiente e em áreas como a
agricultura, os fogos florestais, a desertificação ou a seca”, nota David
Carvalho.
Os resultados do
estudo mostram que os aumentos de temperatura esperados serão em todas as
frentes, desde a temperatura máxima à mínima, passando pela média diária e em
todo o território da Península Ibérica. “As temperaturas máximas diárias
aumentarão mais do que as médias e as mínimas serão as que aumentarão menos”,
refere o comunicado. No artigo, os autores referem que “foram investigadas
alterações futuras da temperatura média, máxima e mínima na Península Ibérica,
utilizando projecções climáticas de Euro-CORDEX [a parte do programa internacional
Cordex que é dedicada especificamente à Europa] corrigidas por polarização”.
O estudo fala,
assim, num aumento substancial das temperaturas em toda a Península Ibérica,
particularmente no final do século e na região Centro-Sul. “As temperaturas
médias e máximas são projectadas para aumentar cerca de dois graus para o
período 2046-2065 e quatro graus para 2081-2100, com frequências muito mais
altas de dias acima de 20 (temperatura média) e 30 graus (temperatura máxima).
Contudo, são projectados aumentos muito mais elevados no Sul de Espanha, nas
cadeias montanhosas Cantábrico e Pirenéus, enquanto os mais baixos são
projectados para as zonas costeiras atlânticas”, escrevem os autores.
O trabalho
publicado em Outubro na revista Climate Dynamics dá alguns detalhes sobre o que
esta região pode ter pela frente. Assim, na zona Centro-Sul da Península
Ibérica, os dias quentes (temperatura média superior a 30 graus Celsius) são
projectados para aumentar 20 a 35 dias por ano ano para o período 2046-2065
(40-80 dias por ano no período entre 2081-2100), enquanto que os dias muito
quentes (temperatura máxima superior a 40 graus) são projectados para aumentar
10 a 25 dias por ano para o período 2046-2065 (10 a 50 dias por ano entre
2081-2100). Quanto mais para a frente se fazem os cálculos das previsões mais
difícil é fazer uma estimativa precisa e, por isso, há um maior intervalo de
confiança e uma maior margem de erro nas projecções.
Porém,
descontadas as incontornáveis incertezas neste tipo de estudos, os resultados
“mostram uma clara tendência, associada a uma elevada confiança, num aumento significativo
das temperaturas de superfície e na frequência de episódios de altas
temperaturas na parte Sul da Península Ibérica, que podem ter graves impactos
na população, ambiente e economia”. E o artigo conclui: “As áreas actualmente
mais quentes localizadas no Sul da Península Ibérica central são também as que
apresentam os maiores aumentos de temperatura projectados, o que irá exacerbar
significativamente o stress térmico nestas áreas.”
Apesar da
tendência clara que coloca esta região do Sul da Europa em lume brando, o
estudo refere uma grande variação nos aumentos de temperatura. “Para Portugal
os aumentos andarão à volta dos 1,5 a dois graus centígrados para o período
2046-2065 e de dois a três graus centígrados para 2081-2100 em termos de temperatura
média diária. No caso da temperatura máxima, o aumento poderá chegar aos quatro
a cinco graus centígrados no final do século.”
Os pontos mais
quentes e críticos neste mapa estão nas zonas Centro e Sul de Espanha, onde as
temperaturas médias diárias poderão ultrapassar os cinco graus. “Quando os
dados mostram aumentos de cinco a seis graus centígrados em algumas zonas de
Espanha e entre 1,5 a três graus centígrados para a maioria das zonas da
Península Ibérica, isso é sem dúvida motivo de preocupação”, reforça o
investigador da UA, que sublinha ainda a “unanimidade quase total nos dados de
clima futuro no que diz respeito ao aumento generalizado de temperatura na
Península Ibérica, em todas as estações do ano, zonas geográficas e tipo de
temperaturas”, sejam elas médias, máximas e mínimas.
Todos conhecem os
motivos que colocaram o planeta debaixo de um lume brando que parece imparável.
Assim, como todas as outras regiões do mundo, a Península Ibérica também é
vítima da emissão para a atmosfera de grandes quantidades de gases com efeito
de estufa, como é o caso do dióxido de carbono e do metano, confirma David
Carvalho. As soluções para este problema também são bem conhecidas, mas David
Carvalho lembra que é preciso: “Apostar fortemente numa descarbonização do
modelo socioeconómico em que vivemos, ou seja, usar meios de produção de
energia que não impliquem a emissão de dióxido de carbono para a atmosfera,
apostar também num uso mais eficiente dos nossos recursos energéticos e evitar
a necessidade de produção de tantos bens de consumo. O único caminho a seguir
será gastar menos energia e recursos e ao mesmo tempo gerar a energia de que
necessitámos sem emissão de gases com efeito de estufa”, resume o cientista da
UA.
tp.ocilbup@satierfca

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