terça-feira, 19 de agosto de 2025

18 de Novembro de 2020: Península Ibérica vai “assar” com aumento de temperatura, diz estudo

 

“É que segundo as estimativas a Península Ibérica vai transformar-se num imenso deserto inabitável.”

ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO

 “Aprés nous le déluge” / 13 de Outubro de 2018 / Público

 


AMBIENTE

Península Ibérica vai “assar” com aumento de temperatura, diz estudo

 

Estudo da Universidade de Aveiro prevê aumentos de dois a três graus até 2100 na temperatura média na região da Península Ibérica. No caso de Portugal, há zonas que podem registar aumentos de quatro a cinco graus nas máximas diárias.

 

Andrea Cunha Freitas 18 de Novembro de 2020, 13:40

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https://www.publico.pt/2020/11/18/ciencia/noticia/peninsula-iberica-vai-assar-aumento-temperatura-estudo-1939692

 

Uma equipa de cientistas da Universidade de Aveiro (UA) publicou um artigo na revista Climate Dynamics que conclui que as temperaturas da Península Ibérica vão aumentar de forma “muito preocupante” durante este século. O trabalho projectou e analisou as temperaturas de superfície na Península Ibérica para dois períodos futuros, o primeiro de 2046 a 2065 e o outro de 2081 a 2100, e as previsões indicam que até 2100 podem ser registados “aumentos da temperatura média de dois a três graus ao longo de todo o ano, o suficiente para causar graves impactos no meio ambiente e na saúde pública”. Em Portugal, refere o comunicado divulgado esta quarta-feira sobre o estudo, “há mesmo regiões que poderão registar aumentos de quatro a cinco graus centígrados nas máximas diárias”.

 

O título do comunicado da UA é claro: “Aumentos das temperaturas vão ‘assar’ a Península Ibérica.” O tom pode até ser um pouco alarmista, mas a verdade é que os dados que levam a esta constatação são realistas e as previsões após os cálculos dos cientistas são, de facto, motivo para estarmos preocupados. “As implicações poderão ser enormes”, avisa David Carvalho, cientista do Centro de

Feitas as contas aos aumentos de temperatura projectados no estudo, o investigador contabiliza que “o número de dias por ano com temperaturas máximas acima dos 40 graus centígrados poderá aumentar até cerca de 50 dias por ano no final deste século”. Ou seja, sublinha, “daqui a algumas décadas poderemos ter três meses por ano onde as temperaturas máximas diárias são acima de 40 graus Celsius, se bem que esta tendência é mais predominante no Centro-Sul de Espanha e não tanto para Portugal”.

 

O cenário apresentado pelos investigadores da UA é inquietante, actualizado e detalhado, mas não é novo. Há muito tempo que os especialistas em clima vêm alertando para o risco de o aquecimento global conseguir vir a transformar o Sul de Portugal e Espanha num verdadeiro deserto. Um estudo divulgado já em 2016, por exemplo, que foi publicado na revista Science e que foi elaborado por cientistas da do Centro Nacional de Investigação Científica francês já anunciava que, se não fosse invertido o actual ciclo de aquecimento global, a Península Ibérica poderia transformar-se num deserto até 2100. Um outro estudo que, aliás, também foi apresentado há alguns anos, em 2017, por investigadores da UA também já alertava para as ondas de calor que iria atingir a Península Ibérica e que, segundo este trabalho, deveriam aumentar cinco vezes nos próximos 100 anos.

 

Independentemente do prazo proposto para a concretização desta trágica previsão, o certo é que estes aumentos de temperatura terão seguramente “consequências significativas para a saúde humana, mas principalmente para o meio ambiente e em áreas como a agricultura, os fogos florestais, a desertificação ou a seca”, nota David Carvalho.

 

Os resultados do estudo mostram que os aumentos de temperatura esperados serão em todas as frentes, desde a temperatura máxima à mínima, passando pela média diária e em todo o território da Península Ibérica. “As temperaturas máximas diárias aumentarão mais do que as médias e as mínimas serão as que aumentarão menos”, refere o comunicado. No artigo, os autores referem que “foram investigadas alterações futuras da temperatura média, máxima e mínima na Península Ibérica, utilizando projecções climáticas de Euro-CORDEX [a parte do programa internacional Cordex que é dedicada especificamente à Europa] corrigidas por polarização”.

 

O estudo fala, assim, num aumento substancial das temperaturas em toda a Península Ibérica, particularmente no final do século e na região Centro-Sul. “As temperaturas médias e máximas são projectadas para aumentar cerca de dois graus para o período 2046-2065 e quatro graus para 2081-2100, com frequências muito mais altas de dias acima de 20 (temperatura média) e 30 graus (temperatura máxima). Contudo, são projectados aumentos muito mais elevados no Sul de Espanha, nas cadeias montanhosas Cantábrico e Pirenéus, enquanto os mais baixos são projectados para as zonas costeiras atlânticas”, escrevem os autores.

 

O trabalho publicado em Outubro na revista Climate Dynamics dá alguns detalhes sobre o que esta região pode ter pela frente. Assim, na zona Centro-Sul da Península Ibérica, os dias quentes (temperatura média superior a 30 graus Celsius) são projectados para aumentar 20 a 35 dias por ano ano para o período 2046-2065 (40-80 dias por ano no período ​entre 2081-2100), enquanto que os dias muito quentes (temperatura máxima superior a 40 graus) são projectados para aumentar 10 a 25 dias por ano para o período 2046-2065 (10 a 50 dias por ano entre 2081-2100). Quanto mais para a frente se fazem os cálculos das previsões mais difícil é fazer uma estimativa precisa e, por isso, há um maior intervalo de confiança e uma maior margem de erro nas projecções.

 

Porém, descontadas as incontornáveis incertezas neste tipo de estudos, os resultados “mostram uma clara tendência, associada a uma elevada confiança, num aumento significativo das temperaturas de superfície e na frequência de episódios de altas temperaturas na parte Sul da Península Ibérica, que podem ter graves impactos na população, ambiente e economia”. E o artigo conclui: “As áreas actualmente mais quentes localizadas no Sul da Península Ibérica central são também as que apresentam os maiores aumentos de temperatura projectados, o que irá exacerbar significativamente o stress térmico nestas áreas.”

 

Apesar da tendência clara que coloca esta região do Sul da Europa em lume brando, o estudo refere uma grande variação nos aumentos de temperatura. “Para Portugal os aumentos andarão à volta dos 1,5 a dois graus centígrados para o período 2046-2065 e de dois a três graus centígrados para 2081-2100 em termos de temperatura média diária. No caso da temperatura máxima, o aumento poderá chegar aos quatro a cinco graus centígrados no final do século.”

 

Os pontos mais quentes e críticos neste mapa estão nas zonas Centro e Sul de Espanha, onde as temperaturas médias diárias poderão ultrapassar os cinco graus. “Quando os dados mostram aumentos de cinco a seis graus centígrados em algumas zonas de Espanha e entre 1,5 a três graus centígrados para a maioria das zonas da Península Ibérica, isso é sem dúvida motivo de preocupação”, reforça o investigador da UA, que sublinha ainda a “unanimidade quase total nos dados de clima futuro no que diz respeito ao aumento generalizado de temperatura na Península Ibérica, em todas as estações do ano, zonas geográficas e tipo de temperaturas”, sejam elas médias, máximas e mínimas.

 

Todos conhecem os motivos que colocaram o planeta debaixo de um lume brando que parece imparável. Assim, como todas as outras regiões do mundo, a Península Ibérica também é vítima da emissão para a atmosfera de grandes quantidades de gases com efeito de estufa, como é o caso do dióxido de carbono e do metano, confirma David Carvalho. As soluções para este problema também são bem conhecidas, mas David Carvalho lembra que é preciso: “Apostar fortemente numa descarbonização do modelo socioeconómico em que vivemos, ou seja, usar meios de produção de energia que não impliquem a emissão de dióxido de carbono para a atmosfera, apostar também num uso mais eficiente dos nossos recursos energéticos e evitar a necessidade de produção de tantos bens de consumo. O único caminho a seguir será gastar menos energia e recursos e ao mesmo tempo gerar a energia de que necessitámos sem emissão de gases com efeito de estufa”, resume o cientista da UA.

 

tp.ocilbup@satierfca

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