PREJUÍZO
RECORDE DE 5,1 MILHÕES DE EUROS NO ANO PASSADO
Público a
caminho dos cuidados intensivos financeiros
Pedro
Almeida Vieira
|
29/07/2025
https://paginaum.pt/2025/07/29/publico-a-caminho-dos-cuidados-intensivos-financeiros
Com o
sector dos media tradicionais à beira de um colapso sistémico, o jornal
Público, histórico título fundado em 1990 pelo Grupo Sonae, parece
encaminhar-se a passos largos para os cuidados intensivos financeiros.
Os
resultados de 2024 confirmam o agravamento da situação: mais de 5,1 milhões de
euros de prejuízo, um novo recorde negativo que supera mesmo os já alarmantes
resultados de 2023. Em apenas dois anos, as perdas acumuladas ascendem a 9,6
milhões de euros, o que corresponde a cerca de um terço dos 29,3 milhões de
prejuízos acumulados desde 2017.
O Público
nunca foi um jornal lucrativo. Desde a sua fundação, pautou-se por um
compromisso pessoal de Belmiro de Azevedo — fundador do império Sonae — que
aceitava suportar até dois milhões de euros de perdas anuais, numa lógica de
serviço cívico e reputacional. No entanto, desde a morte do empresário, e com a
profissionalização mais crua da gestão da Sonaecom, a tolerância ao insucesso
tem diminuído. E o jornal, que chegou a ser um símbolo de jornalismo moderno e
cosmopolita no pós-cavaquismo, tornou-se uma espécie de fardo ideológico com
retorno empresarial e reputacional nulo. ↓
Hoje, o
Público vende menos de 10 mil exemplares por dia em banca — número que o
próprio jornal esconde ou relativiza, enquanto promove campanhas de assinaturas
digitais inflacionadas, muitas delas associadas a parcerias pouco transparentes
com instituições públicas e privadas. A ilusão de crescimento digital
sustenta-se, em parte, em contas de acesso gratuito por protocolos com escolas,
universidades e autarquias, sem que tal se traduza em rentabilidade ou
fidelização efectiva de leitores.
Mas não é
apenas o modelo de negócio que está a colapsar. A credibilidade editorial do
jornal também tem sido posta em causa. Desde a direcção de Manuel Carvalho —
marcada por alinhamentos ideológicos e uma crescente promiscuidade entre
jornalismo e negócios — que a redacção vive momentos de tensão. A liderança de
David Pontes não só manteve esse rumo como o agravou, multiplicando as
participações do Público em eventos comerciais com contornos duvidosos, como
são exemplo as secções Azul, Terroir e Fugas.
Um dos
episódios mais embaraçosos foi recentemente sancionado pela Entidade Reguladora
para a Comunicação Social (ERC): a participação de David Pontes como moderador
em debates pagos pela autarquia de Penafiel e a Ordem dos Médicos Dentistas. A
erosão da independência editorial em troca de sobrevivência financeira arrisca
um colapso total.
A
situação do Público espelha o afundamento generalizado da imprensa tradicional
em Portugal, fruto, em muitos casos, de péssima gestão, como é o caso da
Impresa (como holding), ou de problemas de credibilidade.
Depois da
queda estrepitosa do grupo Trust in News — que ameaça o fim de publicações como
a Visão, a Exame ou o Jornal de Letras — seguem-se dificuldades visíveis no
grupo Impresa, apesar dos lucros ainda registados pela SIC e pela Impresa
Publishing em 2024. A venda falhada da sede da Impresa em Paço de Arcos foi
mais um sinal de alarme: uma tentativa de alienação imobiliária abortada por
irregularidades na cadeia de IVA, que colocou a nu os limites do recurso à
engenharia financeira para mascarar os desfalques operacionais.
Mas o
colapso pode não ficar por aqui. Nas próximas semanas, dois grupos estarão sob
especial atenção: a Global Notícias, que detém o Diário de Notícias, e a novel
empresa Notícias Ilimitadas, que adquiriu o Jornal de Notícias, O Jogo e a TSF.
Apesar de obrigadas por lei a entregar os relatórios e contas de 2024 até ao
final de Junho, ambas as sociedades falharam esse dever, com a desculpa,
durante semanas, de “problemas técnicos” no envio de informação ao Portal da
Transparência dos Media da ERC.
Confrontada
com o silêncio financeiro de várias empresas do sector, a ERC admitiu ao Página
Um que, de entre os principais grupos de média, a Trust in News, a empresa
gestora do Observador, a Global Notícias e a Notícias Ilimitadas não enviaram
ainda os seus dados contabilísticos de 2024. O regulador promete agora tomar
“diligências” para assegurar o cumprimento da lei, embora o histórico da
instituição não inspire grande confiança na sua capacidade de fazer respeitar
prazos ou princípios.
Neste
contexto de degradação acelerada, com empresas em incumprimento, direcções
editoriais em deriva e modelos de negócio cada vez mais dependentes de fundos
públicos ou favores institucionais, o jornalismo dito de referência parece
caminhar para o abismo — mas não culpando os seus erros: antes, as redes
sociais e a dita desinformação.

Sem comentários:
Enviar um comentário