EM OITO
ANOS, PREJUÍZOS SUPERAM 78 MILHÕES DE EUROS
Dona do
Diário de Notícias está em falência técnica com capitais próprios negativos de
quase 20 milhões
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Pedro
Almeida Vieira
|
18/08/2025
A
derrocada da Global Notícias não surpreende, mas o estrondo atinge valores
inimagináveis. Os dados provisórios entregues pela dona do Diário de Notícias —
que já vende menos de mil exemplares por dia em banca — no Portal da
Transparência dos Media mostram que a empresa colapsou no ano passado com
resultados negativos de quase 26,5 milhões de euros, colocando-a em falência
técnica.
E não se
trata de meia dúzia de tostões: os capitais próprios estão agora negativos em
19,3 milhões de euros, ao mesmo tempo que os activos encolheram para apenas
21,5 milhões, aparentemente fruto da venda de títulos como o Jornal de
Notícias, a TSF e O Jogo à obscura Notícias Ilimitadas, por um valor ainda
desconhecido.
O colapso
da empresa que ainda detém os títulos mais antigos do país — o Diário de
Notícias e o Açoriano Oriental — é apenas a consequência de um rumo errático,
marcado nos últimos anos por transacções pouco transparentes e polémicas
infindáveis, incluindo a tentativa de controlo por um fundo das Bahamas,
expediente que acabou por servir de argumento para desmembrar o grupo. ↓
Nos
últimos oito anos impressiona como as sucessivas administrações foram sangrando
uma empresa que, em 2017, possuía activos superiores a 98 milhões de euros e
capitais próprios de 31,4 milhões de euros. Desde então, acumulou mais de 76
milhões de euros de prejuízos. E até os anéis se foram: os edifícios
emblemáticos do Diário de Notícias, em Lisboa, e do Jornal de Notícias, no
Porto, foram vendidos, e o dinheiro rapisamente se esfumou. Hoje, aquilo que
resta é uma carcaça que apenas um regulador conivente e um mundo político
condescendente permitem continuar a animar. E a minar o jornalismo.
Com
efeito, as receitas da Global Notícias estão em queda livre há anos, fixando-se
em apenas 22,5 milhões de euros em 2024, menos 48% do que em 2017 — e isto
apesar da alienação de títulos supostamente ainda lucrativos como o Jornal de
Notícias.
A
falência técnica — mas com valores de grandeza estratosférica — parece ser a
estratégia para abrir caminho a uma futura intervenção estatal que salve o
icónico Diário de Notícias, alienando-se o título e empurrando a Global
Notícias para a insolvência, mas com credores e o próprio Estado a ficarem a
‘arder’. As demonstrações financeiras ainda não foram apresentadas na Base de
Dados das Contas Anuais, e ignora-se se as dívidas ao Estado aumentaram ao
longo do ano passado.
Recorde-se
que, em 2024, a Global Notícias vendeu a maior parte do capital do Jornal de
Notícias, da TSF e de outros títulos à igualmente opaca Notícias Ilimitadas —
que também não apresentou contas — ficando apenas com uma participação de 30%.
O negócio, celebrado como “salvação” por quem insistia em pintar o grupo com
cores de optimismo, revelou-se afinal um mecanismo de liquidação encapotada. A
operação foi autorizada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social
(ERC), mas com um pormenor gravíssimo: a existência de um acordo parassocial
confidencial entre as partes, cujas cláusulas permanecem em segredo até hoje.
O Página
Um apresentou uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa para obrigar a
ERC a mostrar esses documentos, mas apesar de uma sentença favorável, o
regulador recorreu com efeito suspensivo. Tem sido norma da ERC, presidida por
Helena Sousa, proteger os grandes grupos em dificuldades, negando acesso a
informação considerada sensível e escondendo a gravidade da situação
financeira.
As
consequências da alienação à Notícias Ilimitadas não tardaram a mostrar-se. Se
em 2021 a Global Notícias ainda conseguiu, por via de medidas excepcionais,
apresentar um EBITDA ligeiramente positivo (1,1 milhões de euros), em 2023
regressou aos prejuízos e em 2024 desabou num abismo: o resultado operacional
foi de -24,8 milhões de euros, mais do que todo o volume de negócios anual. Em
rácios, a autonomia financeira caiu para -90% e a solvabilidade fixou-se em
0,53 — ou seja, os passivos superam largamente os activos.
Do ponto
de vista estritamente económico, a Global Notícias já não existe como entidade
viável. Qualquer tentativa de recuperação exigiria injecções de capital
superiores a 25 milhões de euros, apenas para regressar a capitais próprios
positivos e repor mínimos de autonomia financeira. Mas a realidade é que as
fontes de receita encolheram e as marcas mais fortes — como o JN e a TSF —
foram amputadas do perímetro da empresa.
Neste
momento, existe um esqueleto feito de responsabilidades, passivos e nenhuma
margem para sobreviver, sendo que o seu activo mais forte é um jornal
emblemático mas de credibilidade ferida de morte, que vende já menos de mil
exemplares em banca e nem mil assinaturas digitais possui.
Este
quadro é tanto mais grave porque foi o próprio regulador a abençoar um negócio
que ocultou regras de governação através de cláusulas secretas. Não é apenas a
Global Notícias que está em colapso: é também o regime de transparência que
deveria tutelar a comunicação social.
A
falência técnica da Global Notícias, consagrada em 2024, não resulta apenas de
maus resultados acumulados: resulta também da complacência cúmplice da ERC e da
permissividade do Estado em relação a negócios pouco claros que moldam o
panorama mediático português. É esta cadeia de decisões opacas que hoje conduz
ao desfecho previsível: um grupo histórico transformado em ruína
contabilística, amputado dos seus principais activos e protegido por uma
cortina de sigilo regulatório.

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