O que
para muitos parecia um receio no princípio da noite eleitoral, tornou-se mais
tarde uma possibilidade e acabou com uma certeza: como André Ventura anunciou
no seu discurso de domingo, aconteceu algo inédito na história da democracia
portuguesa: o PS deixou de ser um dos dois pilares do sistema
político-partidário. Em seu lugar aparece agora o Chega. Há quem fale no fim do
bipartidarismo, no princípio do fim do regime, num terramoto, numa hecatombe. O
mais certo e seguro é falar numa decorrência da democracia que, como a história
o comprova, é tão generosa que dá o poder a homens ou partidos que desprezam os
seus valores, quando não a querem derrubar.
O que
assistimos este domingo e nos últimos três anos de sucessivas eleições
legislativas é espantoso. Em seis anos, o Chega sobe de 1,3% para 23% e conta,
até ver, com uma bancada de 58 deputados. Num ápice, Portugal, que se orgulhava
se saber conter os avanços da extrema-direita que se revelavam na Europa,
descobre que está em risco de ter um governo da extrema-direita no futuro
próximo. Passada a barreira dos 20%, tudo é possível.
O que
aconteceu pode ser uma manifestação tardia da expansão da direita radical
europeia, mas é obrigatório tentar perceber nas suas entrelinhas o que resulta
das especificidades da sociedade, da economia ou da política nacional. A
desigualdade crescente, o sentimento de tantos que se sentem a ficar para trás,
o descaso dos subúrbios ou do país rural, a imigração que explodiu em números
num curto espaço de tempo e mudou num curtíssimo espaço de tempo a face de
imensas comunidades podem ser fenómenos comuns ao que aconteceu em Espanha ou
na Itália; mas as crises políticas sistemáticas, com três eleições em três
anos, não deixaram certamente de reforçar a ideia de que os partidos
tradicionais estão a pôr em causa a viabilidade do país.
Um dia
depois da noite em que uma era da democracia mudou, propomo-nos discutir estas
questões com Teresa de Sousa. Redactora principal do PÚBLICO, viveu e sentiu na
pele os custos do combate contra a ditadura antes do 25 de Abril e acompanhou
de perto a história da democracia portuguesa desde a sua instituição. Nas suas
colunas no jornal, tem reflectido sobre a ascensão dos radicalismos de direita
e sobre o papel que os partidos do arco da democracia assumiram ou deviam
assumir para a conter.
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