"É o
que nos espera num futuro próximo": incêndios em Los Angeles expõem
fragilidades face às alterações climáticas - e Portugal deve estar atento
Sofia Marvão
8 jan, 21:47
Os incêndios
devastadores na Califórnia, alimentados por fenómenos meteorológicos e
alterações climáticas, levantam alertas sobre a vulnerabilidade de países como
Portugal face ao que o futuro reserva
O incêndio
de Pacific Palisades, o maior de quatro fogos florestais que estão atualmente a
devastar o condado de Los Angeles, pode vir a ser o mais dispendioso da
história, segundo Daniel Swain, cientista climático da Universidade da
Califórnia, que falou à CNN Internacional. “Possivelmente já atingimos esse
marco, espero que não venhamos a atingir outros também”. A única "nota
positiva" que consegue identificar é que, pelo menos, não será o “mais
mortal” - estão confirmadas cinco vítimas mortais.
“Isto vai
transformar-se numa crise. Vai elevar a crise dos seguros residenciais contra
incêndios florestais na Califórnia a níveis estratosféricos, se é que já não
estava lá”, acrescentou.
Tendo
arrasado pelo menos mil estruturas até ao momento, já é considerado o incêndio
mais destrutivo de sempre daquela cidade norte-americana, conforme indicam os
dados do Departamento Florestal e de Incêndios da Califórnia (CalFire), e o
mais devastador a ocorrer na Califórnia durante o mês de janeiro.
Até à data,
o incêndio de Camp, que devastou a isolada cidade montanhosa de Paradise, no
norte daquele mesmo estado, em 2008, foi o mais dispendioso e mortal da
história dos Estados Unidos, com a destruição de mais estruturas do que os sete
fogos mais destrutivos da Califórnia juntos.
Todos estes
eventos têm um denominador comum que passa pelas condições que os antecedem:
vegetação altamente inflamável combinada com ventos fortes, temperaturas
recorde e ambientes extremamente secos. Daniel Swain explica que é exatamente
este o tipo de clima que potencia cenários catastróficos, uma vez exposto às
alterações climáticas.
“Se
tivéssemos registado uma precipitação significativa ou generalizada nas semanas
e meses anteriores, não estaríamos a assistir à dimensão da destruição que
estamos a ver agora,” afirma.
O problema,
reitera o climatologista Carlos Câmara, é que “não chove praticamente nada
desde outubro, no sul da Califórnia”. Em declarações à CNN Portugal, diz que
não considera “inaudito” haver incêndios em janeiro, mesmo em Portugal.
Preocupante é a dimensão dos mesmos. “Não esperava estar aqui em janeiro a
falar sobre isso”.
Em causa
estão, desde logo, aquilo que os especialistas chamam de “extremos compostos”:
“Temos eventos que, individualmente considerados, não seriam nada de especial,
mas juntos têm repercussões tremendas, é ‘a tempestade perfeita’”.
Outro
elemento determinante na escalada dos incêndios florestais na Califórnia são os
ventos de Santa Ana, conforme explica o climatologista. Estes ventos, mais
comuns em novembro, tornam-se raros nesta altura do ano, mas quando ocorrem
criam condições extremamente propícias para a propagação de grandes fogos.
“No interior
da Califórnia, existe uma área desértica e plana onde, frequentemente, se forma
uma alta pressão que origina ventos que se deslocam em direção à costa,
descendo as montanhas. Durante essa descida, a pressão aumenta, o ar é
comprimido, aquece e torna-se muito seco” descreve. “Quando combinamos ar
quente e seco com vegetação igualmente seca, sobretudo combustíveis mortos, a
probabilidade de uma ignição transformar-se num grande incêndio aumenta
drasticamente”.
O comandante
do Corpo de Bombeiros Voluntários de Carcavelos e São Domingos de Rana, Paulo
Santos, compara as características “semelhantes” dos ventos de Santa Ana aos
ventos de leste em Portugal. “São ventos ciclónicos, na ordem dos 160 km/hora”,
descreve, referindo-se ao fenómeno na região dos EUA. Apesar de estar do outro
lado do mundo, a vegetação na área afetada pelo incêndio de Palisades também
partilha características com o clima mediterrânico de território português. “É
muito similar, por exemplo, à vegetação nas encostas da serra do Caldeirão, no
Algarve, onde também existem muitas habitações embrenhadas no meio da
vegetação”.
Outro fator
agravante naquele território americano é o tipo de construção predominante. “A
constituição norte-americana é muito baseada em construções de madeira, o que
significa que tudo à frente do incêndio é combustível” observa Paulo Santos. Em
contraste, em Portugal, embora a propagação de incêndios também seja facilitada
pela proximidade de habitações e vegetação, as construções em pedra ou cimento
apresentam uma resistência ligeiramente superior, ainda que não sejam
infalíveis.
No caso de
Palisades, a rapidez do incêndio e a intensidade dos ventos fazem com que a
única solução seja esperar que o combustível natural e humano (vegetação e
construções) se esgote para conter as chamas. “A esta velocidade, temo que só
quando esgotar o combustível é que eles consigam acalmar este incêndio”.
Aquela zona
ilustra, portanto, mais um ponto crítico: a intrusão de áreas florestais nas
zonas habitacionais, formando aquilo que os especialistas chamam de “interface
rural-urbana”. Há décadas, este tipo de configuração era compatível com o clima
e as condições extremas da época. No entanto, como aponta Carlos Câmara, “isso
já não acontece” devido às mudanças climáticas, que alteraram esse equilíbrio,
tornando estas áreas particularmente vulneráveis. As estruturas e as
infraestruturas não evoluíram ao mesmo ritmo destas alterações, por isso áreas
que antes eram seguras para habitação tornaram-se focos de risco elevado.
Eventos como os fogos de 2017 em Pedrógão Grande demonstram como a referida
“interface” e as estratégias de ordenamento do território podem agravar o
impacto de incêndios.
O
especialista destaca ainda que não são apenas os fenómenos naturais que estão
desalinhados. “Toda a parte socioeconómica já não está devidamente ajustada”.
Sublinha que as consequências das alterações climáticas não se manifestam
apenas através de fenómenos espetaculares, como ondas gigantes ou o degelo
polar. Em vez disso, promovem eventos extremos mais frequentes e intensos, como
secas, ondas de calor e incêndios florestais em épocas atípicas.
“Estas
mudanças vão apanhando de surpresa tanto a população como as infraestruturas”,
continua. “Fenómenos como estes resultam de uma conjunção de fatores extremos,
alcançando proporções tão grandes que as estruturas simplesmente não estão
preparadas.”
Apesar
disso, Carlos Câmara reconhece que o número reduzido de vítimas nos fogos da
Califórnia demonstra algum nível de preparação por parte das populações. “Mesmo
com toda esta confusão, as pessoas conseguiram escapar, o que revela algum grau
de planeamento e resposta”.
Um
"futuro próximo" moldado pelas alterações climáticas
Há décadas
que os cientistas alertam para os impactos do aumento dos gases com efeito de
estufa, que resultam na acumulação de mais energia na atmosfera e no sistema
climático. “Mais energia significa uma maior propensão para eventos extremos”
enfatiza Carlos Câmara.
Este cenário
não é exclusivo da Califórnia. Em Portugal e na Península Ibérica, em geral,
observa-se um aumento significativo na frequência e extensão das secas nos
últimos 40 anos, bem como mais ondas de calor e incêndios florestais. “Estas
mudanças são claras e indicam o que nos espera num futuro próximo”, avisa. Para
enfrentar este novo paradigma, na sua ótica será crucial adaptar
infraestruturas, reorganizar a ocupação territorial e melhorar a capacidade de
resposta das populações.
"That's
what awaits us in the near future": fires in Los Angeles expose weaknesses
in the face of climate change - and Portugal should be aware
Sofia Marvão
8 Jan, 21:47
The
devastating fires in California, fueled by weather phenomena and climate
change, raise warnings about the vulnerability of countries like Portugal to
what the future holds
The Pacific
Palisades fire, the largest of four wildfires currently raging in Los Angeles
County, could prove to be the costliest in history, according to Daniel Swain,
a climate scientist at the University of California, Davis, who spoke to CNN
International. "We have possibly already reached this milestone, I hope we
will not reach others as well". The only "positive note" he can
identify is that, at least, it will not be the "deadliest" - five
fatalities are confirmed.
"This
is going to turn into a crisis. It will raise the crisis of home insurance
against wildfires in California to stratospheric levels, if it wasn't already
there," he added.
Having razed
at least a thousand structures so far, it is already considered the most
destructive fire ever in that North American city, as indicated by data from
the California Department of Forestry and Fire (CalFire), and the most
devastating to occur in California during the month of January.
To date, the
Camp Fire, which devastated the isolated mountain town of Paradise in the
northern part of the same state in 2008, was the most costly and deadly in U.S.
history, with the destruction of more structures than the seven most
destructive fires in California combined.
"It's
the perfect storm"
All of these
events have a common denominator that runs through the conditions that precede
them: highly flammable vegetation combined with strong winds, record-breaking
temperatures and extremely dry environments. Daniel Swain explains that this is
exactly the type of climate that potentiates catastrophic scenarios, once
exposed to climate change.
"If we
had seen significant or widespread rainfall in the previous weeks and months,
we would not be seeing the scale of the destruction we are seeing now," he
says.
The problem,
reiterates climatologist Carlos Câmara, is that "it has rained practically
nothing since October, in Southern California". Speaking to CNN Portugal,
he says that he does not consider it "unheard of" that there will be
fires in January, even in Portugal. Their size is worrying. "I didn't
expect to be here in January talking about it".
At stake
are, from the outset, what experts call "compound extremes": "We
have events that, individually considered, would be nothing special, but
together they have tremendous repercussions, it is 'the perfect storm'".
Another
determining element in the escalation of wildfires in California is the Santa
Ana winds, as the climatologist explains. These winds, more common in November,
become rare at this time of year, but when they occur they create extremely
favorable conditions for the spread of large fires.
"In the
interior of California, there is a flat desert area where high pressure often
forms that causes winds that move towards the coast, down the mountains. During
this descent, the pressure increases, the air is compressed, heats up and
becomes very dry", he describes. "When you combine hot, dry air with
equally dry vegetation, especially dead fuels, the likelihood of an ignition
turning into a large fire increases dramatically."
The
commander of the Volunteer Fire Brigade of Carcavelos and São Domingos de Rana,
Paulo Santos, compares the "similar" characteristics of the Santa Ana
winds to the easterly winds in Portugal. "They are cyclonic winds, in the
order of 160 km/hour", he describes, referring to the phenomenon in the US
region. Despite being on the other side of the world, the vegetation in the
area affected by the Palisades fire also shares characteristics with the
Mediterranean climate of Portuguese territory. "It is very similar, for
example, to the vegetation on the slopes of the Serra do Caldeirão, in the
Algarve, where there are also many houses embedded in the middle of the
vegetation".
However,
firefighting strategies differ substantially between the two countries. In the
United States, one approach is the massive evacuation of the population in
high-risk areas. "30,000 people have already been evacuated, and there are
orders for more than 50,000. The idea is to remove the populations to safe
areas and then try to fight the fire where possible", he clarifies.
Another
aggravating factor in that American territory is the predominant type of
construction. "The U.S. Constitution is very much based on wooden
constructions, which means that everything in front of the fire is fuel,"
observes Paulo Santos. In contrast, in Portugal, although the spread of fires
is also facilitated by the proximity of houses and vegetation, stone or cement
constructions have a slightly higher resistance, although they are not
infallible.
In the case
of Palisades, the speed of the fire and the intensity of the winds mean that
the only solution is to wait for the natural and human fuel (vegetation and
buildings) to run out to contain the flames. "At this speed, I fear that
only when the fuel runs out will they be able to calm this fire."
That area
illustrates, therefore, another critical point: the intrusion of forest areas
into residential areas, forming what experts call the "rural-urban
interface". Decades ago, this type of configuration was compatible with
the climate and extreme conditions of the time. However, as Carlos Câmara
points out, "this no longer happens" due to climate change, which has
altered this balance, making these areas particularly vulnerable. Structures
and infrastructure have not evolved at the same pace as these changes, so areas
that were previously safe for habitation have become high-risk hotspots. Events
such as the 2017 fires in Pedrógão Grande demonstrate how the aforementioned
"interface" and spatial planning strategies can aggravate the impact
of fires.
The expert
also points out that it is not only natural phenomena that are misaligned.
"The entire socio-economic part is no longer properly adjusted". It
stresses that the consequences of climate change are not only manifested
through spectacular phenomena, such as giant waves or polar melting. Instead,
they promote more frequent and intense extreme events, such as droughts, heat
waves, and wildfires in atypical seasons.
"These
changes are taking both the population and the infrastructure by
surprise", he continues. "Phenomena like these result from a
conjunction of extreme factors, reaching such large proportions that the
structures are simply not prepared."
Despite
this, Carlos Câmara recognizes that the reduced number of victims in the
California fires demonstrates some level of preparation on the part of the
populations. "Even with all this confusion, people managed to escape,
which reveals some degree of planning and response."
A "near
future" shaped by climate change
Scientists
have been warning for decades about the impacts of rising greenhouse gases,
which result in more energy accumulating in the atmosphere and climate system.
"More energy means a greater propensity for extreme events",
emphasizes Carlos Câmara.
This
scenario is not unique to California. In Portugal and the Iberian Peninsula, in
general, there has been a significant increase in the frequency and extent of
droughts in the last 40 years, as well as more heat waves and forest fires.
"These changes are clear and indicate what awaits us in the near
future", he warns. To face this new paradigm, in his view, it will be
crucial to adapt infrastructures, reorganize territorial occupation and improve
the response capacity of populations.
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