sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

"É o que nos espera num futuro próximo": incêndios em Los Angeles expõem fragilidades face às alterações climáticas - e Portugal deve estar atento / "That's what awaits us in the near future": fires in Los Angeles expose weaknesses in the face of climate change - and Portugal should be aware

 


"É o que nos espera num futuro próximo": incêndios em Los Angeles expõem fragilidades face às alterações climáticas - e Portugal deve estar atento

Sofia Marvão

8 jan, 21:47

https://cnnportugal.iol.pt/incendios/los-angeles/e-o-que-nos-espera-num-futuro-proximo-incendios-em-los-angeles-expoem-fragilidades-face-as-alteracoes-climaticas-e-portugal-deve-estar-atento/20250108/677eea57d34e94b829097ac3

 

Os incêndios devastadores na Califórnia, alimentados por fenómenos meteorológicos e alterações climáticas, levantam alertas sobre a vulnerabilidade de países como Portugal face ao que o futuro reserva

O incêndio de Pacific Palisades, o maior de quatro fogos florestais que estão atualmente a devastar o condado de Los Angeles, pode vir a ser o mais dispendioso da história, segundo Daniel Swain, cientista climático da Universidade da Califórnia, que falou à CNN Internacional. “Possivelmente já atingimos esse marco, espero que não venhamos a atingir outros também”. A única "nota positiva" que consegue identificar é que, pelo menos, não será o “mais mortal” - estão confirmadas cinco vítimas mortais.

 

“Isto vai transformar-se numa crise. Vai elevar a crise dos seguros residenciais contra incêndios florestais na Califórnia a níveis estratosféricos, se é que já não estava lá”, acrescentou.

 

Tendo arrasado pelo menos mil estruturas até ao momento, já é considerado o incêndio mais destrutivo de sempre daquela cidade norte-americana, conforme indicam os dados do Departamento Florestal e de Incêndios da Califórnia (CalFire), e o mais devastador a ocorrer na Califórnia durante o mês de janeiro.

 

Até à data, o incêndio de Camp, que devastou a isolada cidade montanhosa de Paradise, no norte daquele mesmo estado, em 2008, foi o mais dispendioso e mortal da história dos Estados Unidos, com a destruição de mais estruturas do que os sete fogos mais destrutivos da Califórnia juntos.

 

 "É a tempestade perfeita"

Todos estes eventos têm um denominador comum que passa pelas condições que os antecedem: vegetação altamente inflamável combinada com ventos fortes, temperaturas recorde e ambientes extremamente secos. Daniel Swain explica que é exatamente este o tipo de clima que potencia cenários catastróficos, uma vez exposto às alterações climáticas.

 

“Se tivéssemos registado uma precipitação significativa ou generalizada nas semanas e meses anteriores, não estaríamos a assistir à dimensão da destruição que estamos a ver agora,” afirma.

 

O problema, reitera o climatologista Carlos Câmara, é que “não chove praticamente nada desde outubro, no sul da Califórnia”. Em declarações à CNN Portugal, diz que não considera “inaudito” haver incêndios em janeiro, mesmo em Portugal. Preocupante é a dimensão dos mesmos. “Não esperava estar aqui em janeiro a falar sobre isso”.

 

Em causa estão, desde logo, aquilo que os especialistas chamam de “extremos compostos”: “Temos eventos que, individualmente considerados, não seriam nada de especial, mas juntos têm repercussões tremendas, é ‘a tempestade perfeita’”. 

 

Outro elemento determinante na escalada dos incêndios florestais na Califórnia são os ventos de Santa Ana, conforme explica o climatologista. Estes ventos, mais comuns em novembro, tornam-se raros nesta altura do ano, mas quando ocorrem criam condições extremamente propícias para a propagação de grandes fogos.

 

“No interior da Califórnia, existe uma área desértica e plana onde, frequentemente, se forma uma alta pressão que origina ventos que se deslocam em direção à costa, descendo as montanhas. Durante essa descida, a pressão aumenta, o ar é comprimido, aquece e torna-se muito seco” descreve. “Quando combinamos ar quente e seco com vegetação igualmente seca, sobretudo combustíveis mortos, a probabilidade de uma ignição transformar-se num grande incêndio aumenta drasticamente”.

 

O comandante do Corpo de Bombeiros Voluntários de Carcavelos e São Domingos de Rana, Paulo Santos, compara as características “semelhantes” dos ventos de Santa Ana aos ventos de leste em Portugal. “São ventos ciclónicos, na ordem dos 160 km/hora”, descreve, referindo-se ao fenómeno na região dos EUA. Apesar de estar do outro lado do mundo, a vegetação na área afetada pelo incêndio de Palisades também partilha características com o clima mediterrânico de território português. “É muito similar, por exemplo, à vegetação nas encostas da serra do Caldeirão, no Algarve, onde também existem muitas habitações embrenhadas no meio da vegetação”.

 

 Contudo, as estratégias de combate aos incêndios diferem substancialmente entre os dois países. Nos Estados Unidos, uma abordagem passa pela evacuação massiva da população em áreas de risco elevado. “Já foram evacuadas 30 mil pessoas, e há ordens para mais de 50 mil. A ideia é retirar as populações para zonas seguras e, depois, tentar combater o incêndio onde for possível”, esclarece.

 

Outro fator agravante naquele território americano é o tipo de construção predominante. “A constituição norte-americana é muito baseada em construções de madeira, o que significa que tudo à frente do incêndio é combustível” observa Paulo Santos. Em contraste, em Portugal, embora a propagação de incêndios também seja facilitada pela proximidade de habitações e vegetação, as construções em pedra ou cimento apresentam uma resistência ligeiramente superior, ainda que não sejam infalíveis.

 

No caso de Palisades, a rapidez do incêndio e a intensidade dos ventos fazem com que a única solução seja esperar que o combustível natural e humano (vegetação e construções) se esgote para conter as chamas. “A esta velocidade, temo que só quando esgotar o combustível é que eles consigam acalmar este incêndio”.

 

Aquela zona ilustra, portanto, mais um ponto crítico: a intrusão de áreas florestais nas zonas habitacionais, formando aquilo que os especialistas chamam de “interface rural-urbana”. Há décadas, este tipo de configuração era compatível com o clima e as condições extremas da época. No entanto, como aponta Carlos Câmara, “isso já não acontece” devido às mudanças climáticas, que alteraram esse equilíbrio, tornando estas áreas particularmente vulneráveis. As estruturas e as infraestruturas não evoluíram ao mesmo ritmo destas alterações, por isso áreas que antes eram seguras para habitação tornaram-se focos de risco elevado. Eventos como os fogos de 2017 em Pedrógão Grande demonstram como a referida “interface” e as estratégias de ordenamento do território podem agravar o impacto de incêndios.

 

O especialista destaca ainda que não são apenas os fenómenos naturais que estão desalinhados. “Toda a parte socioeconómica já não está devidamente ajustada”. Sublinha que as consequências das alterações climáticas não se manifestam apenas através de fenómenos espetaculares, como ondas gigantes ou o degelo polar. Em vez disso, promovem eventos extremos mais frequentes e intensos, como secas, ondas de calor e incêndios florestais em épocas atípicas.

 

“Estas mudanças vão apanhando de surpresa tanto a população como as infraestruturas”, continua. “Fenómenos como estes resultam de uma conjunção de fatores extremos, alcançando proporções tão grandes que as estruturas simplesmente não estão preparadas.”

 

Apesar disso, Carlos Câmara reconhece que o número reduzido de vítimas nos fogos da Califórnia demonstra algum nível de preparação por parte das populações. “Mesmo com toda esta confusão, as pessoas conseguiram escapar, o que revela algum grau de planeamento e resposta”.

 

Um "futuro próximo" moldado pelas alterações climáticas

Há décadas que os cientistas alertam para os impactos do aumento dos gases com efeito de estufa, que resultam na acumulação de mais energia na atmosfera e no sistema climático. “Mais energia significa uma maior propensão para eventos extremos” enfatiza Carlos Câmara.

 

Este cenário não é exclusivo da Califórnia. Em Portugal e na Península Ibérica, em geral, observa-se um aumento significativo na frequência e extensão das secas nos últimos 40 anos, bem como mais ondas de calor e incêndios florestais. “Estas mudanças são claras e indicam o que nos espera num futuro próximo”, avisa. Para enfrentar este novo paradigma, na sua ótica será crucial adaptar infraestruturas, reorganizar a ocupação territorial e melhorar a capacidade de resposta das populações.

 

"That's what awaits us in the near future": fires in Los Angeles expose weaknesses in the face of climate change - and Portugal should be aware

Sofia Marvão

8 Jan, 21:47

https://cnnportugal.iol.pt/incendios/los-angeles/e-o-que-nos-espera-num-futuro-proximo-incendios-em-los-angeles-expoem-fragilidades-face-as-alteracoes-climaticas-e-portugal-deve-estar-atento/20250108/677eea57d34e94b829097ac3

 

The devastating fires in California, fueled by weather phenomena and climate change, raise warnings about the vulnerability of countries like Portugal to what the future holds

The Pacific Palisades fire, the largest of four wildfires currently raging in Los Angeles County, could prove to be the costliest in history, according to Daniel Swain, a climate scientist at the University of California, Davis, who spoke to CNN International. "We have possibly already reached this milestone, I hope we will not reach others as well". The only "positive note" he can identify is that, at least, it will not be the "deadliest" - five fatalities are confirmed.

 

"This is going to turn into a crisis. It will raise the crisis of home insurance against wildfires in California to stratospheric levels, if it wasn't already there," he added.

 

Having razed at least a thousand structures so far, it is already considered the most destructive fire ever in that North American city, as indicated by data from the California Department of Forestry and Fire (CalFire), and the most devastating to occur in California during the month of January.

 

To date, the Camp Fire, which devastated the isolated mountain town of Paradise in the northern part of the same state in 2008, was the most costly and deadly in U.S. history, with the destruction of more structures than the seven most destructive fires in California combined.

 

 

"It's the perfect storm"

All of these events have a common denominator that runs through the conditions that precede them: highly flammable vegetation combined with strong winds, record-breaking temperatures and extremely dry environments. Daniel Swain explains that this is exactly the type of climate that potentiates catastrophic scenarios, once exposed to climate change.

 

"If we had seen significant or widespread rainfall in the previous weeks and months, we would not be seeing the scale of the destruction we are seeing now," he says.

 

The problem, reiterates climatologist Carlos Câmara, is that "it has rained practically nothing since October, in Southern California". Speaking to CNN Portugal, he says that he does not consider it "unheard of" that there will be fires in January, even in Portugal. Their size is worrying. "I didn't expect to be here in January talking about it".

 

At stake are, from the outset, what experts call "compound extremes": "We have events that, individually considered, would be nothing special, but together they have tremendous repercussions, it is 'the perfect storm'". 

 

Another determining element in the escalation of wildfires in California is the Santa Ana winds, as the climatologist explains. These winds, more common in November, become rare at this time of year, but when they occur they create extremely favorable conditions for the spread of large fires.

 

"In the interior of California, there is a flat desert area where high pressure often forms that causes winds that move towards the coast, down the mountains. During this descent, the pressure increases, the air is compressed, heats up and becomes very dry", he describes. "When you combine hot, dry air with equally dry vegetation, especially dead fuels, the likelihood of an ignition turning into a large fire increases dramatically."

 

The commander of the Volunteer Fire Brigade of Carcavelos and São Domingos de Rana, Paulo Santos, compares the "similar" characteristics of the Santa Ana winds to the easterly winds in Portugal. "They are cyclonic winds, in the order of 160 km/hour", he describes, referring to the phenomenon in the US region. Despite being on the other side of the world, the vegetation in the area affected by the Palisades fire also shares characteristics with the Mediterranean climate of Portuguese territory. "It is very similar, for example, to the vegetation on the slopes of the Serra do Caldeirão, in the Algarve, where there are also many houses embedded in the middle of the vegetation".

 

 

However, firefighting strategies differ substantially between the two countries. In the United States, one approach is the massive evacuation of the population in high-risk areas. "30,000 people have already been evacuated, and there are orders for more than 50,000. The idea is to remove the populations to safe areas and then try to fight the fire where possible", he clarifies.

 

Another aggravating factor in that American territory is the predominant type of construction. "The U.S. Constitution is very much based on wooden constructions, which means that everything in front of the fire is fuel," observes Paulo Santos. In contrast, in Portugal, although the spread of fires is also facilitated by the proximity of houses and vegetation, stone or cement constructions have a slightly higher resistance, although they are not infallible.

 

In the case of Palisades, the speed of the fire and the intensity of the winds mean that the only solution is to wait for the natural and human fuel (vegetation and buildings) to run out to contain the flames. "At this speed, I fear that only when the fuel runs out will they be able to calm this fire."

 

That area illustrates, therefore, another critical point: the intrusion of forest areas into residential areas, forming what experts call the "rural-urban interface". Decades ago, this type of configuration was compatible with the climate and extreme conditions of the time. However, as Carlos Câmara points out, "this no longer happens" due to climate change, which has altered this balance, making these areas particularly vulnerable. Structures and infrastructure have not evolved at the same pace as these changes, so areas that were previously safe for habitation have become high-risk hotspots. Events such as the 2017 fires in Pedrógão Grande demonstrate how the aforementioned "interface" and spatial planning strategies can aggravate the impact of fires.

 

The expert also points out that it is not only natural phenomena that are misaligned. "The entire socio-economic part is no longer properly adjusted". It stresses that the consequences of climate change are not only manifested through spectacular phenomena, such as giant waves or polar melting. Instead, they promote more frequent and intense extreme events, such as droughts, heat waves, and wildfires in atypical seasons.

 

"These changes are taking both the population and the infrastructure by surprise", he continues. "Phenomena like these result from a conjunction of extreme factors, reaching such large proportions that the structures are simply not prepared."

 

Despite this, Carlos Câmara recognizes that the reduced number of victims in the California fires demonstrates some level of preparation on the part of the populations. "Even with all this confusion, people managed to escape, which reveals some degree of planning and response."

 

A "near future" shaped by climate change

Scientists have been warning for decades about the impacts of rising greenhouse gases, which result in more energy accumulating in the atmosphere and climate system. "More energy means a greater propensity for extreme events", emphasizes Carlos Câmara.

 

This scenario is not unique to California. In Portugal and the Iberian Peninsula, in general, there has been a significant increase in the frequency and extent of droughts in the last 40 years, as well as more heat waves and forest fires. "These changes are clear and indicate what awaits us in the near future", he warns. To face this new paradigm, in his view, it will be crucial to adapt infrastructures, reorganize territorial occupation and improve the response capacity of populations.

 

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